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10 DE DEZEMBRO DE 1958 63

Vinte Anos de Coimbra, obra aparecida aquando do jubileu do doutoramento do Sr. D. Manuel Gonçalves Cerejeira, recolho, rum religiosa saudade, alguns escritos daquele que na simplicidade da vida estudantil já era preclaro em virtude e saber.
Nas preocupações académicas da Coimbra de há mais de quarenta anos contavam-se o Imparcial, a questão da Igreja de S. João de Almedina e a existência do
C. A. D. C.
O semanário Imparcial cujo primeiro número apareceu em 22 de Fevereiro de 1912 e cuja existência perseguida se prolongou por sete anos, representou, na sua fremente ousadia e na indeclinável fidelidade a altos ideais, a presença de gerações consciente de nobres destinos.
«A que vimos?», perguntava em editorial o jovem Gonçalves Cerejeira.
«Trazer a alegria no esforço e a esperança na tenacidade e a fé no futuro.
Dizem os poetas que a mocidade é a alma da Pátria.
Nós queremos conservá-la imaculada, acima das facções partidárias.
Quanto a política, uma coisa só sabemos: que somos portugueses. E nesta fé queremos morrer.
Com a altivez característica da nossa idade, em voz sonora e firme, de quem não tem, exercícios duvidosos de acrobáticas inclinações de espinha, faremos ouvir a nossa voz vibram e de esperanças em toda a parte».
Uma das campanhas mais brilhantes do semanário estudantil foi provocada pela secularização da Igreja de S. João de Almedina.
«Oliveira Salazar -recordaria em 1926 o Prof. Gonçalves Cerejeira- escreveu então, com o pseudónimo de Alves da Silva, incontestàvelmente os seus melhores artigos. Eram peças notáveis, literàriamente e pelo pensamento».
Mas a Igreja de S. João de Almedina acabou por ser fechada.
«Tinha de ser assim -escrevia Oliveira Salazar no Imparcial de 14 de Junho de l914-: encerrado o templo de S. João de Almedina, contra o direito de propriedade garantido na Constituição, contra indicação do Conselho de Arte e Arqueologia; contra o parecer da comissão de técnicos, mandada de Lisboa pelo próprio Governo; contra a vontade dos católicos, que são a enorme maioria de Coimbra; contra as melífluas palavras do Sr. Presidente de Ministros.
Tinha de ser assim: para que não houvesse burla que se não praticasse, ridícula, farsa que se não representasse no tablado político, palavra a que se não faltasse, atentado que se não cometesse, injustiça que se não fizesse, ilegalidade que se não decretasse, violência que não fosse levada a cabo com o sorriso cínico do valentão que insulta presos».
O Centro Académico, fundado em 1901 e que em 1903 havía de tormar a designção que hoje usa de C. A. D. C., conheceu, ainda no período que se seguiu à implantarão da República. vicissitudes de vária ordem. Ameaçado, assaltado, incendiado o seu recheio, dissolvido por determinação superior, a tudo resistiu, mercê da indómita coragem daqueles rapazes, que nele encontravam um sentido cristão da vida uma direcção firme que lhes marcaria toda a existência.
Quando dos bancos da Universidade subiu à cátedra da Faculdade de Letras, o Prof. Gonçalves Cerejeira persistiu no iluminado magistério das almas «Pelas páginas da revista Estudos, órgão do C. A. D. C. - escreve Moreira das Neves-. deixou muitos pedaços da sua alma orientadora de almas, sobretudo nas «Cartas aos Novos» cheias de enérgicos apelos, de conselhos amigos, de fraternais confidências, de ecos do céu e do sabor de Cristo. O melhor magistério, todavia, exerceu-o na intimidade das consciências, que se lhe abriam em nudez integral, para que revolvidas e iluminadas nos seus recantos de abismo, não sucumbissem ao tormento das dúvidas lacerantes, das inquietudes e ansiedades próprias dos anos adolescentes».
Sr. Presidente: foi em 30 de Janeiro de 1918 que na Universidade de Coimbra se doutorou em Letras, com a classificação de 20 valores o Prof. Manuel Gonçalves Cerejeira.
Confirmava assim os l9 valores obtidos na licenciatura e a sua já celebrada aptidão docente, revelada na regência da cadeira de História Medieval que lhe fora entregue em l916.
A dissertarão apresentada (O Renascimento em Portugal - Clenardo) viria a tornar-se obra indispensável aos estudiosos, num interesse que chegou aos nossos dias e de que é testemunho a reedição de O Humanismo em Portugal - Clenardo.
Mas o depoimento mais autorizado sobre o jovem Doutor prestou-o o Prof. António de Vasconcelos na alocução proferida no acto da entrega das insígnias doutorais a D. Manuel Gonçalves Cerejeira:

O seu talento formosíssimo e brilhante, a vastidão dos seus conhecimento, o seu espírito científico, superiores qualidades de método e de exposição, tudo isto foi largamente comprovado, não só nos cursos de três Faculdades por onde transitou e onde recebeu sempre as mais altas distinções, reservadas aos mais talentosos alunos, mas também na regência de cadeiras, de que tem sido encarregado. Os seus excepcionais mérito ainda ultimamente foram confirmados nas provas públicas que acaba de prestar; e bem conhecidos são de todos nós os dotes primorosos de carácter e de educação, que o tornam geralmente estimado e re-peitado.

O mestre continuaria assim, através da sucessiva regência das cadeiras de História Antiga, Propedêutica Histórica, História Geral da Civilização, História Moderna e Contemporânea e História de Portugal, a reafirmar notáveis qualidades de rigor critico e erudição e na clareza do pensamento e sugestão da linguagem a ganhar a admiração e o louvor dos seus discípulos.
É ainda desse período a actividade de publicista, que se corporiza, em obras como Do Valor Históricos de Fernão Lopes, Notas Históricas sobre os Ordenados dos Lentes da Universidade, A Alma de S. Francisco de Assis, os ensaios sobre a Idade Média e A Igreja e o Pensamento Contemporáneo.
Foi no prefácio deste último livro que o Prof. Gonçalves Cerejeira escreveu o que; poderemos considerar uma síntese dos propósitos que justificariam boa parte da sua produção literária:

Neste livro há mais do que secas dissertações silogísticas - porque foi escrito com toda a alma. Quem julga possuir um bem, de que as almas têm fome, e não sofre porque elas o não partilham - ou não tem fé no bem que possui, ou na sua alma o bem ainda não entrou. Cultivou-se nele escrupulosa e sinceramente a verdade, mas não a indiferença, porque a feia indiferença perante os problemas supremos da vida é já ofensa da vida e traduz incapacidade de amar.

Sr. Presidente: quando, em Março de 1928. Pio XI designou o Prof. Gonçalves Cerejeira para arcebispo de Mitilene e auxiliar do cardeal Mendes Belo ganhava a Igreja e com ela Portugal, mas Coimbra e a sua Universidade ficavam mais pobres.