DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 65 60
mais, especialmente banha e toucinho, e os consumos de azeite.
Onde havia uma ordem natural baseada em preços de mercado e relações de utilidade, complementaridade e substituição passou a haver a desordem artificialmente criada e oficialmente mantida. Resultados: excessos sucessivos de banha e toucinho, escassez periódica de azeite; exportam-se gorduras animais com prejuízo avultado, importa-se azeite e óleo com encargos vultosos.
E o problema deste desacerto, que tem atingido diversas vezes o ponto de crise, só não tem sido maior porque, por um lado, a melhoria da técnica da lavoura e a acção misericordiosa da Providência Divina tem reduzido a amplitude das safras e contra-safras de azeite e, por outro, a organização económica do sector animal tem sido relativamente incapaz de garantir os preços fixados para estas gorduras, donde o estímulo à produção só parcial e periòdicamente se repercutir na justa proporção do seu valor.
O que acontecia nos remotos tempos da bucólica paz dos campos, em que as intervenções não faziam parte da vida habitual ?
O mercado operava um ajustamento da oferta e da procura do azeito, descendo e subindo o preço, consoante a colheita era abundante ou escassa. Com as gorduras animais acontecia outro tanto. Mas havia limites naturais à subida de uns e outros preços que provinham do maior recurso à utilização da banha e toucinho quando a produção de azeite era menor e inversamente, visto como regra haver preferência pelo consumo de azeite dentro do equilíbrio de igual utilidade.
Longe de mim sustentar que regressássemos a esses processos naturais, com renúncia expressa à capacidade do homem e da organização para intervir, ordenando, orientando, fomentando... até porque nem os tempos são tão bucólicos e calinos, nem tenho como pacífico que as soluções naturais sejam sempre, ou mesmo habitualmente, as mais justas e equilibradas, só por serem mecânicas e quase automáticas...
Pelo contrário. Entendo, e tenho como necessário, que se intervenha, que se intervenha ordenadamente, com vista a obter a justiça, mas que se faça «conforme», e não «desconformes, às realidades económicas e sociais.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Dentro de certos limites, é necessário defender a produção nos anos de excesso e o consumo nos anos de escassez de azeite, mas sem esquecer as possibilidades de substituição oferecidas por outras gorduras de produção metropolitana e quiçá ultramarina. Daqui unia primeira conclusão: agir no sector do azeite como se apenas o óleo de amendoim fosse substituto e concorrente, como se as gorduras animais pertencessem a outro planeta, é não pisar a terra do nosso...
A primeira coisa que se impõe é, pois, e com urgente violência, agir harmònicamente nestes dois sectores, que vivem do costas voltadas um para o outro, talvez porque sendo um animal o outro receie por ser vegetal...
Depois, há que ter ideias claras sobre o que se pretende e tenha como objectivo nesta matéria para que a lavoura saiba com o que conta e a população o que consome.
Chegados aqui temos de afirmar que o sistema de comercialização do azeite continua a assentar em princípios de economia de guerra, de saudosa memória, e vai sendo sucessivamente esventrado, mas dele resta o esqueleto ressequido e já sem poder assegurar o objectivo que visava. Assim, o sistema montado move-se num plano e os fenómenos reais processam-se em outro paralelo, pelo que, se não coincidem, também se não encontram.
O sistema, repito o que já aqui disse por duas vezes, é «um sistema que por sistema» não funciona, visto nunca -as excepções confirmarão a regra-se praticarem efectivamente os preços da tabela, que mais não constituem do que o limite acima ou abaixo do qual o azeite é efectivamente pago, consoante a colheita é escassa ou excessiva. E, depois, como poderá entender-se que conservar ou guardar o azeite de um ano abundante para outro escasso possa ser feito pelo produtor ou pelo comerciante para o vender ao mesmo preço por que teoricamente lhe deve ser pago naquele momento, a menos que qualquer fundo de compensação -que há-de ter também receitas- pague os encargos do conservação, quebras, juros, etc. ?
Para que se há-de complicar o que é simples e burocratizar o que não é indispensável?
Pois não será mais natural e consentâneo com as realidades permitir uma ligeira oscilação de preços entre o ano abundante e o de contra-safra, procurando, dentro de certos limites, um equilíbrio dinâmico entre a oferta e a procura, com a condição de que proteja a produção nos anos de safra, assegurando a compra do azeite a um preço justo, e defenda o consumidor, lançando no mercado, nos anos de escassez, os excedentes adquiridos no ano anterior a um preço susceptível de evitar especulações ?
Cuido que deste modo se poderão alcançar não só aqueles dois objectivos como conseguir atingi-los com benefício de uma concorrência salutar, evitar as crises que temos atravessado e simplificar a vida de toda a gente, o que não é ou não devia ser despiciendo.
Pois bem. Preveni em 1954 contra o perigo de vermos agravar as crises de excesso e de escassez, apesar da menor amplitude das variações de produção, se não fosse modificado rapidamente o sistema anquilosado e velho de décadas. Preveni e não fui ouvido. Valha a verdade que numa acção esforçada, em conjuntura não facilmente repetível, foi possível à Junta Nacional do Azeite evitar a hecatombe dos preços na última safra, mas já lhe não foi consentido desnecessitar a tragédia da mistura em 1956.
Em 1956 repeti da tribuna o que dissera dois anos antes deste lugar e acudi a justificar um recurso que se tornou necessário por não ter sido entendido ou não se ter atentado em quanto aqui se dissera.
Hoje retomo o tema sob o mesmo ângulo e o mesmo temor. A necessidade de breve poder vir a tornar-se indispensável determinar uma vez mais a mistura ou consenti-la, começando pela baixa de preço do óleo de amendoim ...
Queira Deus que não venha a ser necessário suportar de novo os erros da imprevidência ou da teimosia dos homens.
Todavia, a conjuntura que se desenha pode bem vir a ser homóloga à de 1955-1956. O azeite que transita da campanha finda -que creio ser inferior a uma dezena de milhões de litros -, adicionado à produção provável desta, não deve conduzir a um deficit de consumo muito diferente do verificado em 1955-1956.
A comercialização começa a processar-se sob signos análogos: vendas de azeitona a preços incomportáveis com o preçário de azeite fixado, compras de azeite a preços superiores aos da tabela de venda ao armazenista, concorrência entre os grossistas para assegurar o concurso de maiores quantidades de azeite, etc.
Resultado final: impossibilidade de, depois, virem a vender o azeite sem prejuízo, nas condições da tabela vigente. Donde dois caminhos decorrem com o mesmo desvio: ou procedem ao registo de azeite comprado, e não lhes resta outro caminho do que adição tímida de óleo de amendoim, principalmente se este baixar de preço, ou não fazem o registo do azeite comprado, e as