494 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 95
face das citadas disposições legais, o certo é que tenho para mim como solução de iure condendo mais defensável a de não sujeitar o advogado e aquilo que como tal representa à situação equivoca e desprestigiante que resulta da sua sujeição ao regime jurídico do artigo 411.º do Código de Processo Penal.
Creio bem que, para além das razões invocadas em abono desta maneira de ver, todos, mesmo os menos ligados às actividades judiciárias, não deixarão de sentir o que tem de chocante e pouco razoável a solução contrária.
Seria sofismar as realidades não reconhecer que, por vezes, também os advogados cometem, no exercício das suas funções, injustificáveis excessos, a todos os títulos reprováveis.
Por um lado, porém, trata-se sempre de casos muito raros, que, como excepções, apenas servem para confirmar a regra.
Por outro lado, também é exacto depararem-se ao advogado -e isto então, segundo parece, com perturbadora e significativa frequência- hipersensibilidades particularmente predispostas a descobrir excessos e actos menos respeitosos em simples e naturais afirmações de personalidade e firmeza na intransigente defesa dos interesses que lhe são confiados.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- Pelo que pessoalmente me diz respeito, salvo uma, ou outra excepção, não tenho razões de queixa, tendo, em regra, encontrado da parte dos magistrados com quem tenho trabalhado uma exacta compreensão da difícil e delicada tarefa do advogado.
Todavia, pelos elementos de que disponho, sou levado a crer que o fenómeno dessas sensibilidades demasiadamente à flor da pele tem evoluído no sentido de se alargar cada vez mais.
A advocacia é uma luta constante, árdua e dura, tensa e esgotante. De tais características da actividade do advogado resulta não poder este extrair-se a uma explicável emotividade e resulta também ter de agir muitas vezes sem rodeios e com incisiva firmeza. Além disso, são tão graves as responsabilidades do advogado -as que emergem da lei e as que lhe impõe a própria consciência-, que só lhes pode fazer frente capazmente desde que aja com inteiro desassombro e independência, sem tibiezas nem respeito humanos no mau sentido da expressão.
Ora, muitos dos pretensos excessos dos advogados nada mais são do que actos que naturalmente se enquadram e explicam dentro do ambiente e condicionalismo que resumidamente ficaram apontados, em termos de apenas de excessos poderem ser qualificados quando artificial? mente desintegrados desse condicionalismo e, portanto, amputados dos dados indispensáveis para lhes dar o verdadeiro alcance e dimensão.
Em todo o caso, há sem dúvida, por vezes, incontestáveis excessos da parte dos advogados.
Porém, para lutar contra eles dispõem os tribunais dos necessários poderes disciplinares, bem como dá possibilidade de, tratando-se de actos criminalmente puníveis, fazer com que por eles prestem as devidas contas.
O que se não afigura defensável como processo de tornar efectiva essa punição é a utilização de formas processuais - como a prevista no já várias vezes referido artigo 411.º- que atingem desnecessariamente o advogado e acabam afinal por fazer acrescer ao mal consistente nos excessos condenáveis o mal não menor que resulta de serem postas em cansa, demasiado ostensivamente, IV própria dignidade e prestígio da função.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-E quanto à proposta à alteração do artigo 411.º do Código de Processo Penal, creio não ser preciso acrescentar mais nada para justificar o apoio que dou a tal proposta.
Idêntica posição tomo no que respeita às alterações dos artigos 435.º e 438.º do mesmo código.
Com a nova redacção proposta para o artigo 435.º confere-se ao advogado a faculdade de interrogar directamente as testemunhas oferecidas pela parte contrária, suprimindo-se, portanto, o papel de intermediário no interrogatório que o juiz actualmente desempenha.
A experiência -não será muita, mas oito anos de advocacia já podem contar alguma coisa- ensina-me que sob a aparência daquilo que a pessoas não ligadas ao foro poderá apresentar-se como um mero pormenor reside um problema de grande importância, cuja solução pode ter efeitos decisivos na eficiência da produção da prova testemunhal.
A falibilidade desta espécie de prova, as variadíssimas circunstancias que perturbam a objectividade e isenção dos depoimentos, são a cada passo postas em relevo e lamentadas por todos aqueles que com testemunhas têm de lidar.
Também todos, porém, reconhecem - é uma imposição de realidades inafastáveis - que a prova testemunhal continua, e continuará, a ser o principal meio de prova com que tem de contar-se.
E para além dos casos em que a falibilidade dos depoimentos resulta de deficiente capacidade ou possibilidade de apreender os acontecimentos, retê-los e relatá-los, são de uma frequência triste e confrangedora os casos em que as testemunhas, pura e simplesmente, mentem, faltam conscientemente à, verdade.
Não raro o advogado dispõe de elementos seguros reveladores de que determinado depoimento é falso.
Mas, precisamente porque sabe estar perante um mentiroso, estar, portanto, perante alguém bem consciente do miserável papel que desempenha, não pode, sob pena de flagrante insucesso, dirigir um ataque frontal e directo ao depoimento. Tal espécie de ataque falharia face às primeiras linhas de defesa e resguardo de antemão arquitectadas por testemunhas em tais condições.
Resta, então, ao advogado o interrogatório enviesado e discreto, ordenado e escalonado através de um jogo de perguntas, muitas delas aparentemente incaracterísticas e sem interesse, para, cautelosa e pacientemente, tentar perfurar por onde for mais vulnerável o parapeito da mentira, e assim acabar, para bem da justiça e da moral, por pôr a luz e patente a falsidade daquilo que como verdadeiro se apresentava e aparentava ser.
É este um dos trabalhos mais difíceis e melindrosos do advogado, e talvez mesmo dos mais. meritórios sob todos os aspectos, o qual exige uma concentração constante, nina capacidade rápida de coordenar dados e elementos, uma cuidada maleabilidade e oportunidade nas perguntas, que só ele, pelas informações de que dispõe e pelo conhecimento dos objectivos que visa, pode, interrogando directamente, levar a cabo de maneira eficiente.
Se as perguntas forem feitas através do juiz, não raro se inutiliza a teia meditada e esforçadamente urdida para desmascarar a mentira, quando esta realmente existe.
Muitas das perguntas, justamente porque vistas isoladamente nada parecem significar, embora tenham real alcance, são com frequência consideradas impertinentes pelo juiz, a quem se não pode explicar na presença da testemunha o fim que se pretende atingir, o dado de facto que em definitivo se pretende apurar.
Em outras emergências é o juiz que, ficando aquém, ultrapassando ou alterando a forma das perguntas, frustra os resultados que se tinha em vista obter, revelando, ou pelo menos fazendo pressentir, à testemunha o perigo