589 25 DE ABRIL DE 1969
na maior parte, paramente conceptual, enquanto, uma vez realizada, melhor ou pior, em maior ou menor extensão, não mais podia deixar do reflectir em muitos uma vincada tendência para a formular de novo à luz de uma experiência, de novos dados da vida económica e social, de aspirações e realidades distintas ou sentidas diferentemente.
A própria tendência para a relativização dos princípios, uma vez praticados, que se conhece, e define, como inerente aos fenómenos sociais, se outros motivos não houvesse, por si bastava para justificar a existência actual de divergências, mais ou menos acentuadas, neste particular.
E depois ..., enquanto durante anos se viveram outras preocupações, se discutiram outras questões, naturalmente aconteceu que, tendo continuado uns sentimentalmente ligados a dada formulação, outros, pelos próprios meios, perante a experiência vivida e de acordo com as suas ansiedades peculiares, basearam novas formulações, que, consequentemente, têm também como mais justas ou mais verdadeiras.
Este o problema que não podemos iludir; esta a questão a que não conseguiremos furtar-nos: a doutrina corporativa que a maior parte dos homens da minha geração tem presente quando falam destes problemas será a mesma n que se reportam os primeiros doutrinários do regime ou a geração intermédia?
Se quisermos chegar ao fim destes problemas teremos de enfrentar corajosamente esta questão.
Não vou tentá-lo, nem talvez fosse capaz de tal cometimento, embora tenha as minhas ideias a este respeito.
Contentemo-nos, por agora e aqui, a deixar esta dúvida, se me não consentem dizer - verificar este facto.
Sr. Presidente: as considerações que, não obstante, vou fazer decorrem naturalmente de uma delimitação prévia, que não vou discutir, mas de quo partirei.
A delimitação de que parto não é, aliás, minha, o que pouco importa.
É a seguinte: o corporativismo é uma «doutrina social formulada sobre uma teoria sociológica e filosófica e fundamentada na função social dos grupos ou corpos sociais».
Para mim, só neste campo e nestas circunstâncias pode falar-se, com todas as consequências, do corporativismo verdadeiro e esperar-se dele muitas das ambições ideais dos homens, anteriores à teoria geral de Lorde Keynes.
Daqui decorre uma consequência que tenho como necessária: o corporativismo possível em Portugal, nas actuais condições, não é mais, ou pouco mais é, do que ama modelação do sindicalismo pelos princípios basilares do corporativismo, ou, se vv. Ex.ªs preferem, pelo espirito corporativo.
O corporativismo actualmente possível é, pois, uma autêntica corporativização do sindicalismo, dado não ser possível assentá-lo desde já na função social que a empresa, como um todo, desempenha no campo económico, ultrapassada, assim, a atomização dos seus elementos constitutivos: capital, trabalho e, se me permitem, técnica.
De tudo isto resulta ter este corporativismo, o corporativismo possível, de admitir um mínimo de contratualismo e, desde logo, aceitar algumas -e não poucas - limitações, que o distanciam da plenitude dos resultados assinados pela doutrina a uma realização inteira.
Essas limitações evidenciam-se com maior acuidade no que respeita à competência económica, dado que, subsistindo - e na medida em que subsistir- a base individualista na produção, não poderá, esperar-se que o egoísmo desapareça no vértice.
Esquecida esta circunstância, pode cair-se em erro igual ou talvez mais grave do que aquele em que incorreram os liberais.
Ha anos o Prof. Pirou observou não ser licito transpor do plano individual para o colectivo o optimismo dos liberais sem o mesmo erro e sofrer piores consequências. A mística optimista que acreditava na realização da espontânea harmonia económica o social pela livre actuação dos indivíduos continuará a ter o mesmo cariz quando se espere a automática harmonização dos interesses económicos, entre si e com o interesse geral, uma vez corporativamente organizados, pelo menos, dentro do corporativismo possível nas presentes condições económico-sociais.
Este aspecto caricatural tem, de resto, sido sistematicamente referido pelos economistas, tanto adversários como simpatizantes do corporativismo.
Aqui está uma questão que devemos reter, antes de mais, que já em outras oportunidades explanei mais longamente nesta Camará e de há boa dúzia de anos a esta parte venho repetindo, com maior ou menor audiência.
Sr. Presidente: creio ser pacifica nesta Câmara a indispensabilidade da intervenção do Estado na vida económica. Dispõe-no a Constituição, compreende-o a inteligência, impõe-no a realidade da vida económico-social dos nossos conturbados e genesíacos dias.
Posso, por isso, partir desse postulado.
A questão parece pôr-se acerca do modo, da forma como deve procurar-se essa intervenção na vida económica, que não raro terá de ser mais do que intervenção, paru se tornar numa antòntica direcção. E também do papel da organização corporativa frente ou em relação a essa indispensável intervenção. Aqui o cerne da questão.
Dizem alguns, perdão, com excepção do Deputado a visa n te, dizem todos quantos subiram a esta tribuna - deverá anotar-se o facto- que essa intervenção deverá ou terá de fazer-se por intermédio de organismos descentralizados da administração pública, do tipo dos nossos organismos chamados de coordenação económica.
Dizem outros -ou pressente-se pretenderem outros - que, cabendo ao Estado a coordenação e creio que também u intervenção económica, esta ou estas só devem exercer por intermédio das corporações e dos organismos corporativos.
Quando se argumenta ou contesta esta tese acodem com uma solução e uma pergunta.
A solução: delegados ou delegacias do Governo nos organismos primários, talvez nos secundários e, possivelmente, também nas corporações ...
A pergunta: se não existisse a organização corporativa, como interviria o Estado? Quer dizer: intervirá nas mesmas condições quando haja como quando não exista organização corporativa?
Comecemos pela solução, que talvez não seja solução alguma, quer em teoria, quer em face da experiência, já longa, havida.
Tenho ideia de ter sido lido algures que os delegados do Governo se dividiam em três grupos: um - de longe o mais numeroso- constituído por aqueles que vêem a função como mero meio de satisfazer as suas necessidades económicas, maiores ou menores; outro -ainda numeroso- representado por aqueles que cedo ou tarde se converteram em representantes dos interesses junto da Administração, e, por fim, um -minoritário- formado por aqueles que se substituem nos próprios interesses organizados. Talvez, ao fim e ao cabo, se encontre algum, perdido no meio de tudo isto, que exerça efectivamente a função que lhe cumpre desempenhar. A excepção confirma a regra.
Recordo ter, anos depois, ouvido, mutais mutandis, o mesmo a um membro do Governo, então em exercício. O tempo não alterou a fisionomia neste interregno. Tê-la-á modificado de então para cá? Quem se atreveria a afirmá-lo?