864 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 115
ovino, produtores de lã, e os industriais de lanifícios, que lha compram como matéria-prima da sua indústria; até ao nível da transacção, cada sector forja as suas pretensões no calor desses interesses e põe ao serviço destes as forças adjuvantes de que pode socorrer-se. Donde resulta que o Estado tem sido chamado a arbitrar muita divergência e a fixar, constrangendo aqui, auxiliando além, os limites impostos pelo seu conceito do interesse comum e do superior da Nação.
Aqueles de VV. Ex.as que aqui já tinham assento há uma dúzia de anos poderão talvez lembrar-se ainda da vivacidade -reflexo daquela oposição- com que se desenvolveu o debate de um aviso prévio sobre problemas lanares e que, se não me falha a memória do relato lido, até provocou a um Deputado, simples ouvinte, aparte irónico sobre o calor gerado pelas lãs ...
Como é lógico, nesta luta de interesses os industriais têm sempre a seu favor a relativa unidade mais fàcilmente consentida pelo menor número e maior coesão geográfica das suas empresas, além da presença constante às portas das nossas alfândegas de grandes massas de lãs de origem estrangeira, a oferecerem-se em melhores condições às vezes de preparo ou de qualidade, ocasionalmente de preço e sempre de pagamento.
Decerto pelo reconhecimento deste facto, foi por despacho de 10 de Maio de 1949 autorizada a instalação de «uma fábrica de penteação de lãs e secções de escolha, lavagem e cardação», com as condições acessórias, além de outras, de da fábrica fazer parte «um laboratório de ensaios têxteis e uma secção de fiação-piloto, com vista às necessidades da própria empresa e dos serviços oficiais», e ainda de ser admitida suma comparticipação do organismo de coordenação económica interessado no ciclo lanar, com representação permanente na administração da empresa».
A empresa que se constituiu para executar este despacho é precisamente a visada pelas considerações do Sr. Deputado Carlos Coelho; mas importa, e é lícito assinalar, que, embora se trate de uma empresa privada, ela é de carácter marcadamente sui generis, que a desloca do campo da simples concorrência fabril para o da verdadeira defesa sectorial. Aliás, como a sua capacidade não vai além de um quinto da matéria-prima consumida no País, não será por força dela que poderá dizer-se essa defesa injustamente favorecida.
De facto, a empresa em causa tem por disposição estatutária o seu capital atribuído e subscrito em 15 por cento pela Junta Nacional dos Produtos Pecuários e em 60 por cento pelos grémios da lavoura, com obrigação de o transferirem às cooperativas de produtores de lãs logo que se vão constituindo. Apenas em 20 por cento - aliás, na posse, principalmente, de comerciantes de lãs e seus derivados e de industriais- a empresa é de capitalismo livre.
Relembrada assim a sua peculiar idoneidade, que não é a de qualquer tentando «furar» o condicionamento industrial - e que o fosse, diferentemente do que crê o meu distinto e estimado antagonista, encontraria precedentes abonatórios na mesma indústria de lanifícios -, resta-me precisar ainda alguns factos.
O primeiro é o da pretensa ilegalidade da instalação pretendida, por caducidade do despacho que a permitiria. Estou habilitado a informar que esta circunstância não pode dizer-se verificada à luz do critério usual. Com efeito, o prazo caducou na verdade em 3 de Janeiro do corrente ano; mas os maquinismos estavam encomendados e pagos por créditos abertos em 28 de Outubro anterior. E consta-me ser entendimento da Direcção-Geral dos Serviços Industriais, muitas vezes já aplicado, que as aberturas dos créditos provam a aquisição dos maquinismos para instalar.
O outro facto é o confundir-se, propositadamente ou não, instalação industrial-piloto com instalação laboratorial ou experimental. O despacho de 10 de Maio de 1949 não confundiu: distinguiu muito claramente, como partes obrigatórias da fábrica, o laboratório de ensaios têxteis e a secção de fiação-piloto - secção da fábrica, e portanto de carácter industrial.
O seu papel não é o de fazer ensaios e experiências, sobre amostras só por hipótese representativas e em condições que desde o ritmo ao ambiente e à formação dos operadores diferem das da verdadeira laboração industrial.
Parece óbvio que estas últimas só se reproduzem numa instalação com máquinas de dimensão corrente, funcionando com regularidade e permanência, para aceitarem todas as variações da matéria-prima em grosso e estudar os acidentes possíveis e o custo real da sua transformação; e isto é de todo o ponto diverso de uma instalação destinada exclusivamente a ensaios e experiências, nos exactos termos do nosso colega da Covilhã.
A própria acepção da palavra o diz: piloto não é o homem que apenas tenteou caminho, mas sim o que aprendeu a conhecê-lo no trânsito aturado, sob todas as contingências, e que, sujeito a todos os percalços, aprendeu a vencê-los ou torneá-los.
Não é para aqui, nem para mim, discutir quantos fusos competem a uma instalação de fiação-piloto; mas a conjugação do número de sessenta a oitenta fusos repetidas vezes mencionado, com o objectivo de meros ensaios e experiências também várias vezes correlacionado, levar-me a aceitar que a crítica foi apontada a um alvo bem diverso do governamentalmente estabelecido. O que conviria seria elucidar-nos da capacidade mínima das máquinas industrialmente rendáveis e demonstrar a desproporção dessa com o pedido, e não foi o que ouvimos. Com a segurança de se tocar um ponto a que a Assembleia é justamente sensível - e logo o mostrou -, foi ainda, a propósito da projectada e autorizada fiação-piloto, evocado o congestionamento industrial de Lisboa, como mal a não agravar com mais esta unidade. Não insistindo na sua relação lógica com o que já está instalado - e precisamente na área consignada a expansão fabril da cidade -, talvez seja mais significativo e proveitoso, para todos os efeitos, explicar que o pessoal requerido para a laboração das máquinas serão tão-sò-mente dois homens e dez mulheres!
Um último facto: a questão posta depende em primeiro despacho do Sr. Subsecretário de Estado da Indústria, embora toque também à produção. O actual titular do departamento foi até há meses presidente da Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios e neste posto testemunhou pelos interesses ao sen cuidado um zelo demonstrativo da sua capacidade de dedicação às funções que aceita. Elevada dos estreitos limites de um sector individualizado à largueza do plano nacional, essa mesma capacidade nos pode assegurar uma resolução justa e imparcial do problema discutido.
Consciente deste facto me vou calar, em matéria que não valera talvez ser trazida aqui, mas, desde que o foi, exigia o esclarecimento que vim prestar.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Duarte do Amaral: - Sr. Presidente: volto a levantar a minha voz nesta Câmara para falar sobre a indústria têxtil algodoeira. E faço-o porque continuo muito preocupado quanto ao estado deste sector da nossa vida económica, quero dizer, quanto à crise que esta indústria atravessa.