DIÁRIO DAS SESSÕES Nº115 874
que os outros - esses sim! - vão proclamando e propagando os seus?
Contrariamente ao que alguns porventura poderão pensar, julgo que o maior apoio que podemos dar à Situação consiste em o fazer manifestando a plena consciência dos nossos deveres, a reserva das nossas convicções mais profundas, e anunciando do alto desta tribuna, como d& toda a parte, que há outra solução, longe da revolta e dos seus ódios, para os insatisfeitos de boa fé; outros ideais para os preocupados pela solução definitiva dos problemas de ordem social.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Apoiemos o presente, mas preparemos o futuro.
E que do lado oposto ao estatismo despótico subjacente à democracia, para cujos caminhos, embora compelidos por uma generosidade impulsiva, se vão deixando capciosamente conduzir alguns insatisfeitos, existe, como regime definitivo, outra instituição em que o poder supremo não é ferozmente executivo, mas antes essencialmente moderador; em que a autoridade é a expressão transcendente da liberdade; e em que o político e o social se podem conciliar, em vez de fatalmente se oporem numa tentativa de mútua absorção.
Essa instituição de Estado, que a tradição consagra, os sistemas adversos mais a consagram ainda. Nela n autoridade e a humanidade consubstanciam-se e transmitem-se geneticamente, como uma alma que se encarna num corpo. E, por virtude desta encarnação e transmissão 'genética, contém, em si, a continuidade, a estabilidade e a indiscutibilidade do princípio mais vital para a existência da Pátria.
Só essa orgânica poderá garantir definitivamente uma estrutura de comando em que à autoridade instável dos governos saídos das umas se sobrepõe' a autoridade de uma soberania que é permanente por sua própria natureza, por isso intrinsecamente independente, e não sujeita ao fluxo e refluxo das lutas partidárias, que pretendem, não o equilíbrio social, mas antes o predomínio das facções e das classes.
Eleição pelas umas! Eleição pelas umas!
Enquanto a autoridade dinástica provém da própria lei da vida, aquela que se lhe opõe há-de sair das umas! Fatídico nome que, marcando a brevidade da função, parece impor-lhe a curto prazo o selo da morte!
Sr. Presidente! Srs. Deputados!
O douto parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta de lei n.º 18, ao reconhecer os inconvenientes de envolver a eleição do Chefe do Estado muna luta de facções e dissídios ideológicos, proclama que tal entidade deve ser indiscutível e indiscutida. E bem se vê no estudo e comentário circunstanciado das variadas formas existentes nas diversas repúblicas do Mundo o embaraço em que se encontra para aconselhar um processo eleitoral que preserve a Pátria dos malefícios naturais da própria eleição.
Trabalho ingrato em boa verdade, pois aquilo que se pretende é defender o regime. Da quê? Do seu próprio espírito ! Ë manter-lhe os princípios, mas defendendo-os de quem? Dos próprios princípios! E organizar afinal um modus vivendo entre o sim e o não.
Se, porém, se torna difícil proclamar na Constituição da República Portuguesa a forma de eleição do seu Presidente, uma autoridade existe, superior à do Chefe do Estado, seja ele Bei da Nação ou Presidente da República, de que, por lapso grave, se não faz menção, nem de existência nem de acatamento na nossa Constituição Política. Refiro-me àquela autoridade que deve ser a suprema em todas as nações - a de Deus.
E se tal facto pode admitir-se como um lapso, torna-se, a meu ver, inadmissível como propósito!
Salvo o respeito devido aos doutos subscritores, afigura-se-me estranhamente incongruente o parecer da digna Câmara Corporativa ao tentar explicar esse propósito, invocando, por um lado, a circunstância de o Estado não ter religião própria e de muitos portugueses professarem credos religiosos diferentes, receando assim que tal invocação possa trazer complicações políticas, e aduzindo, por outro lado, que a Constituição considera já expressis verbis a religião católica como religião da Nação Portuguesa» e que são e particularmente de recordar a este respeito preceitos como os dos seus artigos 4.º, 6.º, 43.º, § 3.º, 45.º e 140.º».
Vozes: - Muito bem, muito bem I
O Orador: - Mas, sendo assim expressas tais afirmações de catolicismo e sem que tal tivesse levantado complicações políticas, porque as teme agora o parecer em face da simples invocação do nome de Deus?
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Religiões diferentes se professam, aliás, em todas as nações do Mundo e nem por isso muitas constituições deixam de fazer a invocação do seu nome e até muitos países de se consagrarem a Jesus e à Mãe de Deus. Ainda recentemente, em 1955, o Brasil, onde existem importantíssimos núcleos de religiões tão diferentes, se consagrou oficialmente ao Coração de Jesus pela boca do Chefe do Estado, ministros, magistratura e todas as supremas autoridades da Nação, sem que tal facto lhe trouxesse quaisquer complicações.
De resto, a invocação do nome de Deus não pode verdadeiramente chocar os adeptos de qualquer religião, pois tanto cristãos como não cristãos veneram o seu nome e Espírito Divino. Só uma espécie de gentes se poderia chocar. Esses, porém, não seriam os que adoram deuses diferentes, ou mesmo os simples ateus, mas apenas os que os odeiam a todos.
Da parte desses, porém, já aã complicações políticas estão garantidas com a aceitação ou não aceitação do artigo 1." do projecto de lei n.º 23. Esses são os inimigos natos de todas as situações de ordem e de moral.
A invocação de Deus poderá considerar-se, pois, como redundância -como o parecer parece indicar ao referir que a Constituição vigente está impregnada da concepção católica - ou como insignificativa, por se não traduzir em normas concretas, como o mesmo parecer perfilha no n.º 2.º do aartigo 1.º da sua apreciação
Julgo, porém, que seria excessivo, e mesmo impossível e até impróprio,, pretender que na lei constitucional ficassem definidas em pormenor todas as disposições legislativas capazes de responder às necessidade presentes e futuras da Pátria.
Em muitos capítulos à Constituição competirá mais traçar as linhas de rumo e os preceitos gerais do que as minudências, cuja concretização é mais conforme a leis especiais.
Porém, tendo em vista todas as deficiências possíveis, alguma coisa por isso mesmo deverá enunciar-se como norma suprema, capaz de suprir em tudo quanto seja
ou venha a manifestar-se omisso, orientando as leis e os seus intérpretes no mais alto sentido da suprema justiça, da suprema moral, da suprema ordem: esse enunciado é o do nome de Deus, de cuja essência espiritual procede tudo quanto nona Constituição possa ter de bom e tudo quanto de bom poderá inspirar a orientação do Estado ao rectificar os pormenores imperfeitos ou ao introduzir as disposições omissas.