12 DE JUNHO DE 1959 933
Suponho que terão sido estas as razões que levaram o ilustre Deputado Sr. Dr. Cario» Moreira a propor que se consignasse na Constituição a obrigatoriedade da publicação de um estatuto da imprensa, incluindo, para o efeito, no artigo 23.º as palavras seguintes: «Lei especial definirá os direitos e os deveres, quer das empresas, quer dos profissionais do jornalismo, por forma a salvaguardar a independência e dignidade de umas e outros». Pois a tal respeito pondera a Câmara Corporativa que «a fórmula que se usa no projecto é demasiado ampla, pois, supõe-se, não cabe numa lei de imprensa definir todos os direitos e deveres das empresas jornalísticas, nem todos os direitos e deveres dos profissionais da imprensa».
Creio que com isto não se pode ter querido significar que aqueles direitos e deveres não cabem na lei, por serem tão numerosos que nenhuma lei os pudesse abranger; isso seria uma inadmissível declaração da impotência do direito como sistema regulador das relações humanas. Todos os direitos, todos os deveres, são susceptíveis da elaboração jurídica, e é notório que há domínios da actividade humana muito mais vastos e complexos que o da imprensa, e que se encontram completamente juridicizados: por exemplo, toda a actividade comercial, ou toda a vida administrativa, ou todas as relações de família. Só, portanto, se podem entender aquelas palavras no sentido de que, em matéria de imprensa, há direitos e deveres que não devem constar da lei.
Aludo ao caso, porque ele é expressivo da rebelião do autoritarismo contra a autoridade, do puro arbítrio noutra o direito. E escuso de acrescentar que aquele estado de autoridade, que considero indispensável manter é consolidar, supõe o expurgo de desvios desta espécie. Só assim poderá aspirar à plena legitimidade, isto é, só assim poderá ser aceite como justo por todos os portugueses.
O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Com todo o prazer.
O Sr. Mário de Figueiredo: - E só para notar o seguinte: é que pode ter querido significar apenas que há direitos e deveres que não são para estar contidos numa lei especial, mas que devem resultar da lei geral.
O Orador: -Sr. Professor: agradeço muito a V. Ex.ª ter-me aberto a esperança de que o sentido do parecer não fosse aquele que eu lhe atribuí. Claro que continuo a pensar que, a ser assim, nada impedirá que, como acontece com todos os outros complexos de relações jurídicas, uma parte venha na lei geral enquanto a restante não venha, mas basta que V. Ex.ª mo tivesse dito para que eu fique com uma ideia diferente daquela que lhe atribuía e para que fique muito reconhecido a V. Ex.ª
E agora a altura de examinar se as propostas e projectos em discussão correspondem as necessidades de revisão que a traços gerais acabei de referir. Ocupar-me-ei principalmente da proposta apresentada pelo Governo, e dentro dela apenas da matéria referente a eleição do Chefe do Estado.
O resumo do que até agora tenho dito é que da revisão deveria resultar manutenção da autoridade, robustecimento da posição do Presidente da República e a criação de condições que assegurem a unidade espiritual da Nação. Pois penso que a proposta do Governo não corresponde àquelas necessidades; pelo contrário, pode trazer uma diminuição da autoridade do Poder, reduz a posição do Chefe do Estado no conjunto do sistema político e, indo deliberadamente para o caminho de suprimir sintomas em vez de debelar os males, em nada favorece a unidade que é urgente estabelecer entre os Portugueses.
Julgo que não precisa de, demonstração, por ser evidente, a premissa de toda a restrição a autoridade nacional do Chefe do Estado, que não é o fecho simbólico de um sistema, mas o verdadeiro chefe e «guia activo da Nação», se traduz em limitação da própria força estadual. Também é evidente que a força, a estabilidade, a autoridade moral do Estado não resultam apenas da competência fixada nos diplomas, mas do grau do seu enraizamento na consciência dos governados, na forma como a Nação sente e confia; por isso mesmo sempre Se entendeu que a medida da legitimidade do poder é dada pela correspondência do mesmo poder à vontade da Nação: o afastamento entre a Nação e a política é sempre o caminho para a condenação da política, porque os dois termos -Nação e política- um é eterno e o outro contingente e passageiro. E quando o desacordo se instala e a distância se interpõe, a Nação permanece e o que se substitui é a política.
Já tem um quarto de século - o que representa mais de metade do tempo de duração das instituições republicanas em Portugal- o sistema da eleição do Presidente da República pela Nação, através de sufrágio universal e directo.
Propõe-se agora um método de eleição diferente; mas a diferença não seria essencial, visto que - argumenta-se - ele continuaria a ser eleito pela Nação. Apenas sucederia que, em vez de um conceito democrático da Nação, passaríamos a partir de um conceito corporativo, isto é, da Nação concebida não como a soma das pessoas, mas como a síntese integradora das estruturas orgânicas subordinadas.
Mas logo aqui nasce a primeira objecção.
São coisas completamente diferentes a concepção filosófica de nação e a definição da disciplina política do Estado.
Não escondo que tenho dedicado muitas horas àquela questão teórica, que é densa de implicações do mais alto interesse cultural; considero líquido que a Nação, mais que uma aritmética, é uma força; e penso que a concepção corporativa, que substitui ao simples conceito estático e mecânico dos prosadores individualistas a ideia de uma estrutura dinâmica, integradora, autónoma, representa um progresso definitivo no plano da filosofia política.
Mas, qualquer que seja a noção teórica que se adopte, não há dúvida que se não poderá passar sem um aparelho político: esse aparelho poderá basear-se unicamente na concepção orgânica de nação? Vejo que se fala muito sobre isto, como se esta pergunta já tivesse alguma vez sido respondida. Ora é preciso recordar que até hoje, nem na teoria nem na prática, se pôde resolver a questão em sentido afirmativo; isto é, ainda se não pôde demonstrar que a utilidade de organização corporativa se mantenha quando transposta para o plano da organização política. Quando, um pouco mais adiante, examinar o parecer da Câmara Corporativa poderei, com mais pormenor, ocupar-me dos aspectos teóricos do assunto; neste momento proponho-me só examiná-lo do lado realista e prático.
A primeira condição a exigir em qualquer eleição através de representantes é que os representantes sejam aceites como tais pelos representados; a isto se chama a genuinidade da representação. Não basta que se diga que é a Nação que elege o Chefe do Estado; também é necessário que a Nação sinta que o Chefe do Estado é eleito por ela.
Vozes: - Muito bem!