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12 DE JUNHO DE 1959 929

O Sr. José Saraiva: - Sr. Presidente: à medida que o tempo passa transforma-se a vida e vão variando os problemas; e aquelas mesmas leis que se destinavam a normalizar a vida e a resolver os problemas vão envelhecendo e perdendo a sua primitiva eficiência como instrumentos reguladores da vida social.
É necessário corrigir então o direito; e nasce a dificuldade de conciliar a rigidez das normas jurídicas com o permanente fluir das realidades. Em tal dificuldade tem origem o instituto da revisão constitucional periódica, em harmonia com o qual nos encontramos reunidos para examinar o que precisa de ser alterado ou emendado no estatuto político fundamental.
Do próprio conceito de revisão constitucional se infere assim um método de trabalho. Se a correcção das normas é imposta pela alteração dos factos é necessário começar por examinar os factos para determinar quais são as normas a corrigir, e qual deva ser o sentido da correcção; sem uma base de análise sociológica será difícil chegar a um acordo e corre-se o risco de transformar a revisão numa ilegítima discussão de princípios. Digo ilegítima propositadamente; o que esta submetido a debate não são os princípios constitucionais, que no seu conjunto formam uma axiologia de valor permanente, realizável por maior que seja a variação das circunstancias ; trata-se só de saber se determinadas fórmulas conservam todo o valor como instrumento de realização dos mesmos princípios, ou se pelo contrário devem ser revistas no sentido da adaptação às novas realidades.
Há, portanto, que começar por determinar quais sejam as preocupações e as necessidades políticas fundamentais da nossa época e, especialmente, quais são as mudanças operadas, quais os aspectos novos que, precisamente por serem supervenientes, não se puseram ao espirito dos legisladores que tiveram de se ocupar da revisão anterior.
Esta tomada de contacto com a realidade, esta interrogação do sentido da sua evolução com vista a determinar o que é que, no texto legal, já não tem valor e precisa de ser corrigido, constitui a meu ver o assunto obrigatório da discussão, na generalidade, de qualquer proposta revisora.
Vejo que na Câmara Corporativa se entendeu diferentemente e se fez consistir tal discussão numa espécie de verificação de poderes, examinando-se se teria sido necessário ou redundante determinado acto da Assembleia Nacional; substituiu-se, portanto, um exame que seria de utilidade extrema por um outro cuja inutilidade é completa. Na verdade, trata-se de um acto soberano da Assembleia Nacional, válido em si mesmo, que não depende de deliberação ou confirmação posterior, e acerca do qual me não parece portanto que a Camará Corporativa tivesse sequer que tomar posição.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Seguirei nesta intervenção o método apontado: em primeiro lugar procurarei fixar as modificações políticas no terreno dos factos e o sentido geral das alterações que elas implicam no plano do direito; depois examinarei se as soluções apresentadas correspondem aos resultados daquela investigação e apreciarei o mérito da justificação que, de uma dessas soluções nos é oferecido pelo relatório da Camará Corporativa; por último exporei a solução que, em meu parecer, melhor pode resolver o problema.
As questões suscitadas na proposta e nos oito projectos são numerosas e é impossível ocupar-me de todas com a atenção que elas mereceriam. Limito-me, portanto, ao estudo do assunto fundamental da eleição do Chefe do Estado. Não tenho nenhum receio de, procedendo assim, estar a trocar o essencial pelo acessório.
A revisão do artigo 72.º da Constituição é o fulcro do debate; é, na verdade, matéria que, tanto pela sua importância no conjunto do nosso direito constitucional, como pela enorme projecção política, domina todas as outras questões sobre as quais a Assembleia terá de se pronunciar.
Não ë possível empreender um trabalho de definição das preocupações políticas dominantes numa certa época sem previamente se acertar num critério. Aquelas preocupações não são as mesmas para todos, precisamente porque variam em função do ponto de vista em que o observador se colocar.
O nosso ponto de vista está definido: não pode ser outro que o do interesse nacional. O que seja interesse nacional pode também estabelecer-se de modo unívoco. É nacional o que diz respeito à Nação, unidade espiritual integradora dos interesses da comunidade, e titular, ela própria de interesses que não se confundem com os de nenhuma comunidade em especial, porque é da sua essência ser pátria não de uma geração, mas de todas as gerações. Por isso mesmo, o primeiro de todos os interesses nacionais é o da própria existência da Nação. E isto me permite formular um conceito categórico suficientemente amplo para que todos os portugueses o possam aceitar e suficientemente claro para excluir equívocos: é do interesse nacional o que assegura a existência da Nação, é contrário ao interesse nacional o. que nega essa existência, ou pode pô-la em perigo.
Examinando à luz desse critério as modificações mais salientes da vida nacional nestes últimos anos seremos levados a isolar quatro grandes núcleos de questões que constituem problemas políticos no sentido de que correspondem a preocupações gerais da comunidade quanto aos destinos da vida nacional.
A primeira dessas grandes realidades políticas está no facto de se ter tornado evidente a necessidade de ampliação da acção do Estado, considerado como responsável pela efectivação de grandes tarefas nacionais, cujo conteúdo também se vai tornando cada vez mais do conhecimento público. Se ainda há vinte anos governar se entendia no sentido da gerência regular das actividades públicas normais, que constituíam a rotina governativa, hoje entende-se que ao Governo compete não só esse papel, mas, sobretudo, o de equacionar e resolver questões novas, de importância vital para a existência e futuro da Nação.

O Sr. Cortês Pinto:- Muito bem!

O Orador:-Entende-se isso e há tendência para julgar o Poder pelo grau da sua eficácia na resolução de tais questões.
Os problemas nacionais de base a que me refiro situam-se nos campos ultramarino, económico, social e cultural.
No campo ultramarino impõe-se a maior aproximação entre a metrópole e o ultramar, a ampliação da nossa presença espiritual, traduzida na valorização dos populações que é nosso dever trazer aos benefícios da civilização e da cultura e no aproveitamento sistemático dos recursos naturais. Se esta expressão pode servir de síntese, o mais sagrado dos nossos imperativos actuais - e de sempre - é o da integração de todos os povos portugueses no espirito e na organização do mundo lusíada.
No campo económico é urgente a reorganização económica com base num planeamento nacional que traga todas as parcelas do território a um equilibrado nível de desenvolvimento que assegure o aumento do rendimento e que possa preparar o País para enfrentar as novas condições da coexistência económica internacional.