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934 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 119

O Orador: - Há, pois, que determinar se o sistema da proposta - eleição por um colégio restritíssimo, formado pelos Deputados, Procuradores à Câmara Corporativa e por algumas entidades que se supõem representarem autarquias locais - corresponde a essa necessidade.
Estou a colocar-me no campo dos factos. Em teoria poderia sustentar-se que sim, que a representação nacional fica assegurada e também se poderia sustentar o contrário, mas, no plano das realidades, penso que não podemos concluir que u maioria da Nação se sentirá presente na eleição ou que não sinta que foi privada de um direito que até aqui lhe era reconhecido.
Dos três elementos que formariam o colégio só uma minoria - a Assembleia Nacional - foi eleita por sufrágio directo. Os Deputados estariam, portanto, em condições de legitimidade técnica para funcionarem como verdadeiros eleitores de segundo grau.
Há, porém, que perguntar se seria efectivamente como eleitores de segundo grau que funcionariam, porque, embora se possa dizer que ao votar se pronunciam em representação dos respectivos eleitorados, o certo é que os votos se contarão individualmente, precisamente nos mesmos termos em que serão contados os dos Procuradores à Câmara Corporativa, que não votam em nome de eleitorado algum.
Devem ainda acrescentar-se objecções resultantes da natureza e espírito da Assembleia Nacional.
A Assembleia é um órgão político, no sentido de que é órgão da soberania e instrumento de crítica política. Mas não é uma assembleia formada pelos representantes de várias correntes políticas agrupadas ou não em partidos. E certo que nada na lei impede que o venha a ser, mas este é um caso muito nítido de falta de correspondência entre a lei e a realidade.
E esta insuficiência da lei não existirá em relação à imprensa?
Embora nenhum preceito o declare, é da essência desta Assembleia a representação directa dos interesses nacionais, e não na representação indirecta, isto é, a representação das opiniões políticas.
Ora, para que uma eleição presidencial seja genuína e os seus resultados sejam acreditados, ela tem de medir a proporção sectorial das opiniões existentes. Fora disso não há sufrágio propriamente dito, mas apenas a ratificação, por meio de voto, de uma escolha anteriormente feita. E uma função semelhante à da aclamação, mas a aclamação supõe a existência de uma anterior e indiscutível legitimidade; não a faz nascer: consagra-a, mas consagra-a porque ela já existia. Os regimes republicanos, não aceitando a preexistência do direito ao Poder, têm de legitimar a escolha na sua base, e não apenas de a solenizar.
Parece-me evidente que nestas condições a votação na Assembleia Nacional não serviria para traduzir as várias correntes de opinião definidas por ocasião da eleição do Chefe do Estado. Poderia acontecer que a uma unanimidade interna correspondesse uma ostensiva divisão externa; e, mesmo quando não houvesse unanimidades, não haveria qualquer correlação.
A explicação teórica dessa falta de correspondência salta aos olhos: vem precisamente do facto de a Assembleia não ser formada por mandatários de partidos, mau por Deputados da Nação. Mas há que reconhecer que esse desfasamento repercutiria sobre a opinião pública de modo a não aumentar a confiança na eleição, com a consequente redução de prestígio para o eleito.
O segundo dos grupos integrantes do colégio eleitoral seria formado pelos Procuradores à Câmara Corporativa. E em virtude dessa intervenção que se escreve no parecer e se tem depois repetido que a proposta reveste certo carácter orgânico ou corporativo. Mas creio que esse carácter é mais aparente que real.
Os Procuradores à Câmara Corporativa, como eleitores do Chefe do Estado, não são órgãos nem representam interesses: são apenas eleitores qualificados. Eles não têm de exprimir nenhuma opinião que não seja a sua, não trazem à eleição nenhum voto apurado previamente ou definido pelas estruturas corporativas associadas ao interesse que cada Procurador representa na Câmara. O seu voto é, portanto, rigorosamente individual e nada tem de orgânico ou de corporativo.
Vêm depois as dificuldades resultantes da própria constituição da Câmara Corporativa. Segundo o artigo 102.º da Constituição, compete à lei designar os Procuradores, a forma como serão escolhidos e a duração dos mandatos. Ora a faculdade de fazer a lei pertence no Governo, que tem entendido a palavra «lei» em sentido material, considerando-se, portanto, com competência para legislar em todas as matérias que não sejam as expressamente reservadas pelo artigo 93.º à competência exclusiva da Assembleia.
O defeito técnico desta construção é evidente: o Governo tem o poder de, por lei, designar os Procuradores, e, portanto, a possibilidade de interferir directamente na eleição do Presidente da República. Sabe-se, aliás, como uma parte dos Procuradores, que legalmente pode ir até um terço - os que representam os interesses da Administração-, são de nomeação governamental; e a disposição que o ilustre Deputado Dr. Cerqueira Gomes pretende introduzir no sentido de que esses não fossem considerados eleitores presidenciais foi reputada de secundário interesse pela própria Câmara Corporativa, que contra ela se pronunciou em termos que bem revelam que ali se considera que o anais importante do voto é o ser qualificado, embora individual, e não o ser orgânico ou representativo.
Prevejo a réplica de que, qualquer que seja o modo de designação dos Procuradores, isso não diminui a legitimidade da Câmara Corporativa como intérprete da vontade nacional, porque o próprio Governo nas escolhas ou indicações que o possa fazer procede unicamente movido pelo interesse nacional. Isto pode ser certo agora, mas não se pode aceitar como facto constante; e, além disso, dentro deste modo de pensar, o mais coerente seria ir logo para a solução da linha mais curta entre os dois pontos.
Finalmente, o colégio eleitoral seria completado por certo número de representantes dos municípios de cada distrito, designados pelas vereações.
O princípio da representação municipal é inteiramente justo; mas a forma como a proposta o admite desvirtua-o e retira-lhe toda a veracidade. O município é uma unidade verdadeira, talvez a mais verdadeira, enraizada e autêntica das nossas estruturas corporativas; parece-me a mais justa das formas existentes de agrupamento de interesses, porque é a única que lhes respeita a complementaridade e a complexidade, enfeixando-os em conjuntos naturais e não os decompondo deformadoramente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas isto é o município, não são os municípios de cada distrito. Um município determinado é uma realidade; o conjunto dos municípios de cada distrito é apenas uma categoria administrativa e a sua representação tem sempre de ser convencional, destituída de toda a genuinidade representativa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Segunda dificuldade é a do processo de designação dos representantes. A proposta prevê a in-