12 DE JUNHO DE 1959 927
se comportou muito mal. Temos hoje na nossa frente novo projecto tido como muito mais satisfatório.
Admito que rebita sic stantanbus assim possa acontecer a prazo para a próxima vez. No entanto, penaliza-me ter de ver imiscuir-se a Câmara Corporativa, especificamente consultiva e representativa dos interesses morais e materiais, que sabemos tornar-se assim compartilhada da soberania do Estado.
Já sabemos quanto as necessidades da guerra vieram perturbar o desenvolvimento de autênticas corporações pela urgência de criação de organismos de coordenação económica, proliferantes em todo o mundo por necessidade da conjuntura, mas que aqui vulgarmente se crismaram, por analogia e para mal do genuínas corporações, de corporativos.
Ecos dos atritos e incompreensões dal resultantes, ainda há pouco se repercutiram nesta Casa. Se além do social, económico e moral levamos as corporações para o plano político decerto isso não será indiferente para o seu natural desenvolvimento e acrescentamento de prestigio.
b) Ainda a propósito de corporações em sentido lato.
É sabido quanto na dialéctica monárquica se acusa todo o sistema de base demo-eleitoral de não poder descentralizar verdadeiramente sem risco de anarquia ou fraccionamento político territorial. Para que a Nação possa ser francamente descentralizada e vividamente republicana na periferia o Estado carece de ser uno e continuamente forte no centro.
Predomínio de regime eleitoral implica ipso facto centralização.
Ora o projecto que se nos propõe logo traz a esta tese ilustrativa achega: há aqui que aproximar o corpo do artigo 72.º conforme a proposta governamental, em que os representantes municipais são escolhidos por distritos, e a nova redacção apresentada para o artigo 125.º, em que as autarquias provinciais, agrupando regionalmente os municípios, são substituídas pelas distritais.
Em muito que pese aos votos já aqui formulados de representar este regresso ao distrito bom regionalismo local, não os posso aceitar.
Os distritos, e até o delineamento de quantos municípios, foram organizados pelo liberalismo como quadros para efeitos, sobretudo, eleitorais.
Tratando-se de eleições, o regresso a esses quadros ocorre logo fácil como água busca o rego.
Reconhecendo, aliás, que tratando-se de eleições, cumpre ao Governo recorrer aos meios de evitar a anarquia - em interior intervenção sugeri a conveniência de restaurar os administradores de concelho -, penso que a supressão das províncias em diploma constitucional, e embora me prejudique o argumento, cumpre, a bem de um são regionalismo, evitar-se, não tanto pela supressão como pela consagração constitucional concomitante dos distritos como justa representação regional. É certo que o projecto ressalva o uso da palavra «província», mas sem outro alcance que não seja o de aquela palavra continuar a figurar constitucionalmente ... nos dicionários.
Não é esta a altura de me alongar numa dissertação histórica doutrinária sobre o conceito e realidade da província. Sabemos que entre nós nunca foi uma realidade autárquica. Os que do figurino francês ou espanhol quiserem transportá-la para o nosso passado histórico esqueceram que, administrativamente, o nosso localismo viveu sob a espécie municipal.
A existência da província fora de certo modo reconhecida apenas pelo Poder Central, já nas áreas jurisdicionais, já, sobretudo mais recentemente, na organização militar de território, no tempo em que os vínculos de espirito regional eram dominantes até para a coesão da tropa.
Não vou discutir a divisão provincial vigente.
Um principio, no entanto, ô basilar para uma descentralização desta natureza; não é o geometrismo das regiões que comanda, mas, grandes ou pequenas, a sua realidade intrínseca, em que geografia, economia, consciência social, costumes, formas dialetais, gostos - que sei eu! - têm, neste capítulo, de entrar como coeficientes. E tudo que não seja isto não passará de cenografia.
Ora eu penso que, se no passado não existiu a província como autarquia administrativa, ela não deva tornar-se um quadro natural bem adequado à vida regional do futuro.
Conheço as críticas que ab initio têm sido feitas à recente divisão provincial, em que transparece, por vezes, e mal disfarçado, o despeito das capitais dos distritos não contemplados. Começaram nesta Casa com o projecto do Dr. Querubim Guimarães, de 1938, aliás sem outra consequência que não fosse o ter dado lugar a criterioso parecer da Camará Corporativa, relatado pelo Prof. Mendes Correia.
É nos recentes trabalhos do Centro de Estudos Político-Sociais, onde vamos encontrar um volume -Problema de Administração Local - na comunicação do Dr. João Paulo Cancella de Abreu, bem digno filho do seu ilustre pai e também do distrito de Aveiro, que encontramos, a p. 144, a fonte próxima da alteração proposta.
Este jurista já consagrado, depois dê fazer uma critica que não penso justa à actividade das juntas de província, carecidas sobretudo de meios, conclui:
É urgente rever este problema. Fácil seria voltando ao distrito como autarquia e ficando a província como mera circunscrição territorial sem órgãos próprios. Mas para tal haveria de alterar a própria letra da Constituição.
E isto é afinal o que se visa no projecto governamental.
Ora eu penso erradas as premissas, admitindo embora a tal propósito admissível alteração constitucional.
Erradas as premissas:
1.º Se não se atribuir as previstas autarquias distritais maiores proventos do que os dispensados até agora às províncias, o problema, longe de administrativamente melhorar, agravar-se-á. E é o que se verá, caso tal projecto se aprove;
2.º Esquece-se que o novo influxo da economia rural veio demonstrar quanto espontaneamente os quadros das regiões tradicionais a esta vinha a matar como vestido a corpo. Vêm-se formando esperançosas iniciativas à volta desses quadros, não obstante as dificuldades que frequentemente os serviços centrais e múltiplos do Estado e suas delegações distritais lhes criam.
A iniciativa das federações de grémios de lavoura de Entre Douro e Minho, acompanhada pelas de outras regiões, tem constituído o mais belo exemplo do despontar de vitalização espontânea de um corporativismo rural são. Um dos tais momentos felizes do encontro, numa das suas parcelas mais vivas, da Nação consigo própria, de que com eloquência nos falou há dias o Dr. José Saraiva.
Ora é precisamente quando isto se desenha que se quer impor como dogma constitucional a extinção das províncias ?
Isto não quer dizer concordância plena da minha parte com a vigente divisão regional.
Antes inclino às mais amplas regiões tradicionais, como preconizam no citado volume os Drs. Orlando Ribeiro e Pina Manique e Albuquerque, a pp. 165 e 239.
A par, aceitando-se as realidades novas na medida de como vão surgindo, poderiam criar-se, através da orga-