926 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 119
rizasse a modificar tal convicção. Pelo contrário, a vitória militar russa, com a absorção de meia Europa Central, a meu ver agravou, e de que maneira, esta perspectiva das coisas.
Pautando por este critério do assédio o meu comportamento político me. incorporei no voluntariado da Legião Portuguesa; antiparlamentarista, passei a votar e consenti ser votado. Ora o comandante de uma praça cercada cumpre ser obedecido indistintamente por militares e civis, mobilizados todos, embora às vezes resmungando; e praças cercadas já se tornaram todas as fracções continentais da Nação Portuguesa de aquém e de além, segundo o que revelou o Sr. Presidente do Conselho. Ilustrando essas revelações, a impressionante exposição do Sr. Prof. André Navarro feita a esta Assembleia, e toda recheada de factos, elucidou-nos.
Disse algures o Dr. Salazar ser propósito da sua finalidade política fazer regressar o povo português a viver habitualmente. Pelo caminho que as coisas levam no Mundo essa finalidade pacifica tem de se adaptar à conjuntura. Os séculos de paz antonina são raros, como difícil é o milagre da ordem. Gozámos em Portugal um século desses depois de fechada a guerra da sucessão até às invasões francesas; gozámos ainda essa paz, embora relativa e só por meio século, na monarquia constitucional, da regeneração ao regicídio.
Sr. Presidente: permita-me V. Ex.ª que antes de me cingir à ordem do dia stricto senso, do que disse conclua por algumas reflexões.
Estas as formulo, apelando, para além das limitadas arquitecturas, físicas e morais desta sala, para todos os portugueses de boa vontade que como nós antepõem a Nação, a Pátria nossa, em seu tradicional conteúdo objectivo, material e espiritual, como sendo o primeiro dos valores temporais - e quase eterno - a que cumpre razoadamente subordinar o gosto das nossas dialécticas abstractas e -o que é mais difícil- a dialéctica das nossas paixões.
Pressuposto o primado da Pátria -logo depois de Deus- aí fica o meu apelo para que todos -sem exclusão até dos comunistas, porque podem arrepender--se - revejam as suas razões políticas à luz das circunstancias actuais, de que ocorre destacar os seguintes pontos:
1.º O da situação de assédio ideológico e paramilitar em que nos encontramos, na metrópole e ultramar;
2.º Que, em correspondência, há que lhe contrapor unidade e continuidade de comando indefinida no tempo. Estamos como quando do recto sarraceno e da resposta cristã (lembremos Toynbee), informadores das nações peninsulares, consagrando nelas a hereditariedade dinástica, em reparação da funesta tradição eleitoral monárquica-visigótica que facilitara a invasão árabe;
E até o que se tem passado no Norte de África nos não obrigará a reflectir sobre quanto esquecidas ameaças dali se não podem reactivar?
3.º Que frente à ameaça deste cerco parece perpetuar-se a nossa solução electiva quanto ao fecho de abóboda da nossa Constituição Política, com os perigos inerentes. A continuidade quase monárquica, de facto, que se tem desfrutado estes trinta anos, pela simbiose feliz de uma vertebração militar com a mentalidade e o carácter de um chefe político excepcional, é coisa a que as leis naturais impõem limites humanos;
4.º A nossa política de concerto com a Espanha, tal como a previram Oliveira Martins e Sardinha, que tão profícua se tem mostrado e poupou à Península outra neo-invasão napoleónica, leva a pensar para ser duradoura na utilidade do paralelismo equilibrante de regimes políticos.
Ora, a Espanha, para não cair no caos, com os riscos consequentes para nós, tem de ser - duas experiências republicanas o provaram - uma monarquia, pelo menos potencial.
5.º Medite-se sobre as soluções mais simples e seguras do império inglês para a conservação dos seus domínios, federados através da coroa, do que as soluções francesas, mesmo as melhores, as mais recentes, porque contaminadas pelo vírus dissolvente da democracia igualitária: sempre o «percam-se as colónias, mas salvem-se os princípios» dos jacobinos de 93;
6.º A primeira coisa que os bolchevistas fazem quando põem pé em pais estranho -por si ou por interposta pessoa, e a bem ou a mal- é substituir a monarquia, se a há, pela república.
«Não sei se me entendera...», dizia Dias Ferreira.
E como sempre: Fas est ab hoste doceri.
E são estes os pontos que a propósito da reforma constitucional daqui me ocorre lembrar para meditação dos Portugueses.
Sr. Presidente: perdoe-se-me a divagação. O Regimento não autoriza declarações de voto. Para dizer das minhas razões nesse campo, o único decisivo, tinha de descer um pouco à raiz das coisas. E se é pelos frutos que, como nas árvores, as coisas sociais se hão-de apreciar, a raiz e o tronco são delas indispensável origem e suporte.
E qualquer que seja o sentido em que pelo correr da discussão eu acabe por votar, quer quanto a problemas máximos da invocação preambular de Deus e da forma de eleição do Chefe do Estado, quer quanto aos problemas menores levantados pela proposta governamental e pelos demais projectos de lei emanados da Assembleia, qualquer que seja, repito, o sentido dos meus votos, eles só tem o alcance relativo dos condicionalismos que explanei e deverão ser interpretados em subordinação a eles.
Isto posto, Sr. Presidente, vou entrar finalmente na especialidade da generalidade.
Volto a lembrar a transcrição da frase de Fezas Vital, que constitui como que o leitmotiv da oratória supramencionada proferida em 1901 e a da dos Srs. Deputados de agora com ela concordantes. Torno a repetir: dando-a como perfilhada no essencial, ocorre-nos, à luz da reforma anterior e da proposta actual, tirar alguma lição quanto ao valor dos paliativos de que falava aquele saudoso mestre.
a) Quanto ao paliativo do passado preceito a substituir:
São sobretudo de recordar os termos, apologéticos com que a Câmara Corporativa, no seu parecer à reforma de 1951, se referira à eleição por sufrágio directo como ainda sendo o melhor.
Mudou a Câmara Corporativa de opinião? O que sabemos é que, pelo menos, mudou de relator.
Supunha-se então, que introduzido ao artigo 72.º o § 2.º, que faz intervir o Conselho de Estado na apreciação da idoneidade dos candidatos, se tapavam as portas por onde os inimigos da actual situação política se poderiam introduzir nela.
Como os factos ocorrentes com a última eleição desmentiram tudo isto!
Verificou-se a agitação para-revolucionária que a Nação perplexa viveu e o tal § 2.º revelou-se praticamente inoperante.
Nós imaginamos os embaraços com que então os conselheiros de Estado se viram a braços: a nossa crítica não se lhes dirige, mas visa apenas mostrar o automatismo insuperável da lógica do sistema. Colocados dentro dela, que fazer? Cada um dos candidatos não seria de excluir por causa do outro, e ambos ... reciprocamente.
(Risos).
Em conclusão, verificou-se que a solução eleitoral vigente e que a Câmara Corporativa ainda há oito anos proclamava a melhor do mundo republicano possível