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15 DE JUNHO DE 1959 939

nossa teoria constitucional contradições, dificuldades teóricas, e, mima palavra, ferir o nosso principal estatuto político de um hibridismo perturbador, que o priva completamente de harmonia lógica e de equilíbrio doutrinal.
As Constituições dos países do Ocidente dividem-se em duas correntes: a do parlamentarismo e a do presidencialismo. À primeira é a que predomina nos estados da Europa; a segunda a que caracteriza a maioria das Constituições americanas. O critério da distinção está, precisamente, em ser o Chefe do Executivo eleito em sufrágio universal pela Nação, e portanto completamente independente das instituições parlamentares, ou em ser designado por estas mesmas instituições, as quais, por isso mesmo, se consideram como o primeiro órgão da soberania. A Constituição Portuguesa de 1911 foi para a segunda solução, e fez-se a experiência, que, a revelou inadaptada às condições próprias do nosso país. A Constituição de 1933 preferiu a primeira, cujos méritos - também há que o acentuar - ainda não foram submetidos à prova da experiência, por durante todo o período da sua vigência se ter verificado uma paz política que se não explica apenas pelo mérito as instituições.
Ir-se-ia agora para uma solução inteiramente diferente; porque, e esse respeito, a emenda proposta representa mais que um aperfeiçoamento resultante de um desajustamento dos tempos às leis; é, de facto, uma modificação profunda no próprio sistema do nosso direito constitucional..
De acordo com a proposta, o nosso regime, sob o ponto de vista da origem dos mandatos, teria de ser classificado como parlamentarista, visto que a representação nacional ficaria como o único órgão directamente eleito pela Nação e como eleitora, ainda que parcial, do Chefe do Estado; sob o ponto de vista das funções, permaneceria a classificação anterior, que é a do presidencialismo, visto que o Chefe do Governo é escolhido pelo Presidente da República, independentemente de qualquer intervenção do Parlamento, nem mesmo para ratificar.
A falta de coerência doutrinal salta aos olhos; e as apreensões dos que vêem na reforma do artigo 72.º da Constituição uma indicação no sentido de um futuro regresso ao parlamentarismo não me parecera falhas nem de lógica nem de previsão política; encaradas as questões de frente, é forçoso reconhecer que, quando no conjunto dos órgãos da soberania apenas um fosse designado por sufrágio universal e directo, e todos os outros por modos indirectos, esse apareceria sempre como o primeiro órgão do Estado. E uma primazia que se impõe dentro da construção dogmática; mas toda a teoria tende a converter-se em prática, ficando, portanto, aberto o caminho para o regresso a um parlamentarismo, que já deu provas e que, certamente, não interessa renovar.
Aproveito o ensejo para esclarecer que parlamentarismo como método de governo, e reconhecimento da importância fundamental da Assembleia Nacional - poder fiscalizador e crítico cuja necessidade cresce na mesma medida em que crescer a autoridade do Estado - são coisas tão diferentes que eu nem admitiria que pudessem ser confundidas, se, de facto, o não houvessem sido. já. A autoridade estadual e instituída em vista de um fim superior e é legítima enquanto se exercer conformem ente a esse fim; à Assembleia Nacional compete, não o julgamento, mas a discussão dessa conformidade. Para que possa exercer a sua função, tem de ser prestigiada e têm de lhe ser dados os meios de um exercício profícuo e efectivo - se bem entendi, é esse o alcance dos projectos dos ilustres Deputados Drs. Carlos Lima, Homem de Melo e Duarte Amaral. Se a função
da Assembleia Nacional é ou não do maior interesse, se ela precisa ou não de rever em alguns aspectos a Constituição no sentido de se prestigiar e tornar mais útil, isso é matéria que, na generalidade, nem tem de ser posta; o simples facto de termos aqui assento exclui a possibilidade de entendimentos divergentes.
E, fechado este parêntese, retomo o fio das minhas considerações. As razões que expus levam-me a pensar que a solução em estudo não corresponde às duas primeiras condições: necessidade de uma, organização forte do poder político; necessidade de institucionalizar a chefia efectiva do aparelho estadual. Falta acrescentar algumas palavras sobre os motivos que me fizeram dizer que também não satisfaz ao terceiro requisito de defender a unidade da consciência portuguesa. E a tal respeito faço duas observações: uma sobre os efeitos políticos imediatos ou resultantes da oportunidade escolhida para a revisão; outra sobre os inconvenientes que podem resultar da abstenção das vias de contacto entre a Nação e o Estado.
Veio a público a notícia de que se projectava alterar profundamente o regime da eleição presidencial quando ainda não se tinha concluído de todo o rescaldo de uma campanha eleitoral particularmente violenta, que rasgara feridas, originara ódios e revelara uma evidente diminuição de confiança política, patente nos números averiguados. Poderia ter-se previsto que esta sequência temporal não deixaria de ser interpretada, precisamente por aqueles cuja confiança é necessário motivar de novo, como uma prova de fraqueza e de má fé, que consistia em extinguir uma consulta, com o fim de evitar uma prova difícil ou até de não ouvir uma resposta desagradável.
A suposição não é fundada. Basta lembrar que a eleição presidencial vem ti seis. anos de distância e dentro de dois terão lugar as eleições parlamentares, para as quais a proposta mantém o sufrágio universal e directo: parece-me que, se a intenção fosse conjurar um perigo, se teria começado pelo que está próximo, indo-se depois ao que vem remoto. Suposição portanto errada e baseada em aparências vulgares; mas ninguém pode surpreender-se de em política as aparências gerarem opiniões.
Ora esta opinião, que é o primeiro efeito político da proposta, é um mal em si mesma, porque envolve uma desconfiança sobre os métodos políticos do regime e até sobre a recta intenção das pessoas; é um erro que não deixará de ser explorado contra nós e que portanto melhor seria ter evitado se formasse, ou que, já que não se evitou, importaria desde logo esclarecer: O parecer da Câmara Corporativa teria sido o lugar mais próprio para esse esclarecimento; mas o assunto não pôde lá ser aflorado, e até sucede que as reiteradas alusões ao último acto eleitoral poderiam ser interpretadas por leitor desprevenido como uma tácita confirmação daquele vicioso entendimento.
Importa pôr a questão claramente.
Não: não se trata de fraqueza, nem de medo, nem de falta de confiança - ou de respeito - pela vontade nacional. Não poderia tratar-se disso, porque todos estamos integrados na ordem social e política estabelecida na própria Constituição, e o axioma fundamental da Constituição é o de que a soberania reside na Nação, donde corre que só a Nação pode decidir dos seus próprios destinos, formular a sua própria vontade. O papel dos governantes não é o de se substituírem à vontade nacional, mas o de a defenderem e preservarem de atentados e deturpações, e ainda esta defesa em posição directa da soberania nacional: precisamente porque é soberana e tem de ser obedecida, a vontade da Nação não pode ser falsificada.
Não é, portanto, um direito mas um indeclinável dever do Estado esta correcção, feita à luz das lições