15 DE JUNHO DE 1959 943
especial os seduzia a Constituição Francesa, que servilmente imitaram.
O Sr. Simeão Pinto de Mesquita: - Muito bem!
O Orador: - Mas ainda com estes limites o, argumento aparece formulado em termos inaceitáveis. Inventariam-se os vários tipos de eleição do Chefe do Estado, mas omite-se o que seria fundamental acrescentar: quais são, em contrapartida, os poderes das Assembleias representativas. Bem se sabe que o sufrágio universal não é a única forma de designação do supremo magistrado nacional. Mas o que o direito comparado revela, é que à medida que os seus poderes vão sendo mais latos, mais larga tem de ser a base da sua eleição ou que, a medida que a base é mais restrita, maiores são os poderes das assembleias. O facto de se ter limitado a exposição a um dos dois termos dessa relação retira todo o sentido aos exemplos dados.
Invoca-se depois, e com insistência, o exemplo da recente Constituição Francesa, e fica-se na ideia de que se pretende achar qualquer afinidade entre ela e o caso português. O que me parece gritante não é a semelhança, mas a contradição: ao passo que lá se sentiu que o Chefe do Estado não podia continuar a ser eleito no âmbito restrito das Câmaras e que o prestígio da função exigia um sufrágio amplo, indo-se para uma solução com todas as características de um sufrágio nacional em dois graus, aqui propõe-se a solução inversa, isto é, a de se abandonar um sufrágio amplo por um regime fechado, de dimensões que de facto pouco excederão as das duas Câmaras reunidas. Se o que se pretende significar é que na proposta se segue o caminho de dar voto aos representantes dos concelhos de cada distrito, o que teria semelhança com o voto dado em França pelos representantes das comunas continuo a apreender dissemelhança em vez de parentesco.
O equivalente da comuna francesa não é o concelho, mas a freguesia, ainda a beneficiar de que cada uma das nossas freguesias tem, em média, o dobro dos habitantes das comunas francesas. Por isso mesmo, os eleitores das autarquias são em França perto de oitenta mil, e no nosso caso não passariam de poucas dezenas, dado que se pretendeu agrupar concelhos para efeito de designação de representantes.
Em resumo: não se pode concluir que os argumentos tirados do direito comparado contribuam para esclarecer o assunto.
A outra ordem de argumentos circunstanciais desenvolve-se no sentido de justificar a reforma do sistema eleitoral pela necessidade de impedir que a designação do Chefe do Estado sirva de motivo a debates ideológicos e tão acesos e encarniçados que chegam a roçar pelo desmando e pela desordem pré-insurreccional». O ideal seria, segundo a doutrina do parecer, que a eleição decorresse sem debate, até porque não é a ideologia que está submetida à discussão. Em conformidade com esse pensamento, vem proposto pela Câmara Corporativa que se emende o § 4.º do artigo 4.º da proposta, o qual ficaria a proibir toda a forma de debate durante o acto eleitoral.
É visível que no conjunto das preocupações que estavam no espírito dos ilustres Procuradores que subscrevem o parecer esta era a predominante. E não há dúvida de que se trata de um problema grave, que tem de ser corajosamente posto e definitivamente resolvido.
Deixo agora de lado as observações que gostaria de fazer à ideia de que nos períodos eleitorais não são as ideologias o que se deve discutir, ideia que conduz a pensar que a discussão deveria incidir sobre as pessoas, o que seria ainda pior.
O Sr. Simeão Pinto de Mesquita:- Muito bem!
O Orador: - E porei só a questão seguinte: se o que leva a proibir o debate é apenas o perigo de desmando, terá primeiro de se demonstrar que o desmando é inseparável do debate. Penso que o vício fundamental do parecer corporativo é precisamente a falta de tal demonstração, isto é, conclui pela necessidade de acabar com eleições por sufrágio universal sem ter verificado se todas as modalidades desse sufrágio enfermam dos males que se apontam.
E necessário assentar em alguns pontos de vista fundamentais, sem os quais não será possível chegar nunca a uma conclusão. Esses pontos são para mim os seguintes: o debate eleitoral não é um mal, mas um bem; os desmandos que o acompanham são um mal, e um mal tão grave que tem de ser em qualquer caso eliminado. E em consequência das duas premissas: o debate, por ser um bem, deve ser mantido na medida em que não implicar o mal do desmando.
Penso primeiro que o debate é um bem. Ele é hoje uma instituição da vida política, de todos os povos civilizados. E também uma imposição do direito natural: é obrigação de todos os membros da comunidade preocuparem-se com os problemas comuns e colaborarem utilmente na sua resolução. É ainda um direito decorrente da nossa ordem constitucional, que, ao declarar que a soberania reside na Nação, implicitamente legaliza os meios do exercício dessa soberania. Decerto que os conceitos de soberania nacional e soberania popular se não correspondem; mas sem se cair na ditadura das umas tem de se aceitar que de algum modo válido a Nação há-de fazer ouvir a sua voz.
O direito de todos à discussão pública dos problemas nacionais tem um limite: o que for imposto pelo próprio interesse nacional. Mas precisamente a luz do interesse nacional importa reconhecer que a supressão sistemática da discussão política tem efeitos perigosos: conduz aos abusos, à inércia, à estagnação, ao autoritarismo e, em especial, a perda dos pontos de referência do Estado em relação à opinião pública, mal de que pode resultar a disgnosia governativa, isto é, a perda da noção do real por parte dos governantes.
O caso das últimas eleições tem sido aproveitado unicamente para salientar os males que se podem seguir de certas modalidades de debate; é uma invocação verdadeira, mas unilateral, porque o mesmo exemplo pode servir para demonstrar até que ponto essas provas podem ser úteis; foi à sua luz que se tornaram claros muitos factos que andavam ocultos ou que alguns insistiam em ocultar: necessidade de renovação de métodos, programas e quadros, afrouxamentos de ritmo, urgência de soluções indefinidamente adiadas, descontentamento, falta de confiança, falta quase completa de doutrinação, insuficiência dos quadros doutrinadores, falta de eficácia do serviço político propriamente dito. É certo que todas essas lições, talvez por terem sido aprendidas muito contra vontade, tendem a esquecer rapidamente. Mas, se elas fossem convenientemente aproveitadas, não sei se as consequências benéficas do último debate não viriam a compensar-nos dos seus inegáveis efeitos nocivos.
Repito: o debate em si não é um mal, é um bem.
Mas os debates eleitorais estabelecidos à volta das consultas directas costumam trazer consigo um cortejo de inconvenientes, dos quais o acto eleitoral de 1959 é exemplo doloroso e expressivo. Pode, em resumo, dizer-se que eles constituem um factor grave de perturbação na vida nacional; que são origem de divisões que permanecem mesmo depois do acto e afectam a unidade da família portuguesa; que são fontes de desprestígio para os contendores, dos quais, todavia, um há-de as-