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16 DE JUNHO DE 1959 941

milhares. Votos qualificados, sem dúvida; votos de pessoas que, por serem quem são, oferecem a garantia de serem portadoras de uma opinião verdadeira, esclarecida quanto aos problemas, isenta das máculas que procedem as paixões, da ignorância, do estrabismo mental. Mas sempre votos de pessoas, e não votos de órgãos, os quais não foram consultados nem apuraram um voto colectivo de que o pretenso representante seja o portador. Pode-se, portanto, dizer que de um sistema democrático se passou a um sistema aristocrático: mas está alguém disposto a aceitar a responsabilidade da equivalência entre as ideias de governo aristocrático e governo orgânico?
Em segundo lugar: não me parece tão evidente que não precise de ser fundamentada essa afirmação de que chegou o momento de extrair mais amplas consequências corporativas dos princípios constitucionais. Porque é que teria agora chegado esse momento? Porque - responde-se - se instituíram as primeiras corporações. Seria uma boa razão se tal instituição não fosse um simples acto de governo, mas a consequência de um autêntico e profundo enraizamento da organização e da consciência corporativa. A pergunta que tem de ser feita é esta: o corporativismo, como organização e como mentalidade, como enquadramento normal das actividades e como estilo de viver, é já hoje aquela realidade que nós desejaríamos que fosse, ou, pelo contrário, apesar de todos os esforços, continua a ser apenas uma aspiração que a custo vegeta e não consegue enraizar no solo hostil de um cepticismo quase geral?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Se a resposta a dar fosse a segunda, era evidente que a tal oportunidade não teria chegado. Há mais de um quarto de século que o programa corporativo se anuncia como objectivo a conquistar, e, todavia, até agora não se tiraram dele consequências constitucionais, porque se reconhecia que enquanto o objectivo se não transformasse em realidade viva não podia servir de alicerce à própria disciplina do Estado. Ora, se o obstáculo se mantém, porque é que a consequência haveria de desaparecer?
As duas dúvidas precedentes são de forma ou de tempo, mas há objecções de fundo, isto é, há dúvidas sobre se o corporativismo reúne às suas utilidades naturais e específicas a valência política que se lhe quer atribuir. Ou, noutros termos: se a organização corporativa da Nação estivesse completa, não nas leis, mas no plano da realidade, seria possível utilizá-la como aparelho político destinado a apurar a vontade nacional, em particular no tocante & designação dos governantes?
Sei que essa possibilidade é para alguns artigo de fé. Mas terá sido o mérito próprio do voto orgânico, ou, pelo contrário, a falsidade do voto directo e a consequente necessidade de achar alguma outra solução, o que conduziu a pensar dessa maneira? Também aqui é indispensável examinar os conceitos com grande atenção, porque, se de dois caminhos divergentes um é errado, não se segue que o outro tenha de ser verdadeiro.
Sem a preocupação de ser exaustivo, alinho alguns dos mais vivos contornos da questão; enquanto não lhes encontrar uma completa resposta, não posso aceitar, mesmo em simples tese, que o voto orgânico sirva de instrumento adequado à soberania nacional.
Como se sabe, a totalidade dos grupos corporativos que seria possível organizar abrangeria um vasto campo de interesses, o qual, em todo o caso, seria sempre menos vasto que o quadro dos interesses nacionais. A Nação é mais que a soma aritmética dos indivíduos, mas também é mais que a soma aritmética das instituições.
Há interesses que são de todos, mas que nenhum grupo, colocado dentro da sua finalidade institucional, pode interpretar. Não vejo a legitimidade de nenhuma corporação em especial para se ocupar, por exemplo, de problemas ligados com a unidade do mundo português. A legitimidade para votar aí vem do simples facto de ser português, ou seja, é anterior a qualquer enquadramento corporativo.

O Sr. Mário de Oliveira: - Muito bem!

O Orador: - Depois sucede que em cada unidade organizada haveria sempre que fixar uma vontade orgânica. Isso é simples enquanto se trata de vontade sobre assuntos do interesse do técnico ou profissional, mas deixa de o ser quando se trata de assuntos de ordem social ou política. Na definição dessa vontade teria de se ir por um de dois caminhos: ou o do sufrágio interno ou o da expressão do voto através dos representantes institucionais. No primeiro caso estaríamos a colocar na base do voto orgânico o voto mecânico e individualista, anulando assim em grande parte a vantagem que se pretendia tirar; no segundo caía-se no grave problema da designação daqueles que hão-de interpretar a vontade de todos; essa designação ou se faria eleitoralmente - mas nesse caso os eleitos corresponderiam a um ideal político, o que destruía a finalidade institucional da representação - ou teria de ser feita por via de autoridade, através da nomeação; mas esta segunda solução afecta, evidentemente, a genuinidade da representação, porque ninguém considera ser verdadeiro representante aquele que não escolheu e em quem não confia.

O Sr. Simeão Pinto de Mesquita: - Muito bem!

O Orador: - São objecções teóricas, mas o exame dos factos, no terreno da escolha dos actuais representantes corporativos, confirma que, quando as ideias logo no plano da teoria se mostram deficientes, não há que esperar senão que a prática lhes amplie e agrave as contradições.
O terceiro espinho é o da qualificação do voto. Os grupos corporativos não são equivalentes entre si sob o ponto de vista do valor da sua verdadeira participação na formação da vontade nacional. O argumento do P. Mariana é também neste campo inteiramente cabido: se os votos não têm o mesmo peso, é erro. contá-los em vez de os pesar. (Risos). Mas como se pesariam? Mas com que critério se poderia introduzir uma hierarquia qualitativa entre os vários votos? Os coeficientes a aplicar, ou seriam de ordem puramente aritmética e na proporção das pessoas agrupadas em cada estrutura corporativa, ou teriam em consideração a diversidade de valor das estruturas, consideradas nelas mesmas. No primeiro caso manter-se-iam todos os inconvenientes do voto nivelador e igualitário; no seguindo cair-se-ia na completa ficção, porque, se é certo haver diferenças de grupo para grupo, também o é que se não descobriu padrão para medir valores dessa espécie, nem órgão competente para estabelecer a medida a atribuir a cada voto.
Vem depois a questão da incompatibilidade prática entre os interesses internos, profissionais ou institucionais, e os interesses de ordem política. O que dá coesão ao grupo corporativo é a prossecução de um fim acerca do qual todos estão ou podem estar de acordo; mas a observação revela que a chamada a fins políticos introduz nos grupos A divisão, politiciza-os, com prejuízo imediato do próprio fim institucional.

O Sr. Simeão Pinto de Mesquita: - Muito bem!