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940 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 120

colhidas em cada nova experiência eleitoral, dos factores de adulteração que se possam ter infiltrado. A vontade resultante do sufrágio é válida e é obrigatória, não pelo facto de sair das umas, mas porque se supõe exprimir o sentimento comum; não pode, portanto, correr-se o risco de conspurcar o processo com ludíbrios, demagogias, enganos, ou com paixões, que são, por natureza passageiras, mas podem gerar consequências irremediáveis.
Creio que esta é que é a questão. Mas anoto que de tal legitimação resulta imediatamente um limite: o de que a revisão visa garantir a genuinidade dos resultados, e por isso consiste na revisão dos processos, suprimindo as fontes de engano. O que não poderia era suprimir os próprios processos.
Se passarmos desta zona aborrecida das consequências políticas imediatas ao campo dos efeitos futuros, teremos de recordar a. lei constante de que à medida que a política se fecha sobre si mesma a Nação vai deixando de lhe compreender o sentido, a necessidade, a verdade. O divórcio entre o organismo nacional e a superstrutura política tem sido uma das enfermidades constantes da história portuguesa desde o advento do liberalismo. E a incompreensão entre o «país da realidade, o país dos casais, das aldeias, das vilas, das cidades, das províncias» e o país nominal das abstracções políticas que já preocupou Alexandre Herculano e o levou a procurar no municipalismo a solução do problema da projecção da Nação no Estado.
Ficaria ainda, dir-se-á, aberto um caminho de diálogo: o das eleições parlamentares. Mas isso significa que se desloca a consulta essencial da eleição mais importa ate para a menos importante, e, concentrando nesta toda a intensidade do debate político, pode surgir por efeito que tenhamos de ouvir permanentemente a discordância ou a perturbação, que procuramos impedir se manifestem de sete em sete anos.
São estas as principais objecções que me suscita a solução constante da proposta governamental.
Em face delas sou levado a concluir que o condicionalismo actual impõe uma revisão no modo da eleição do Chefe do Estado; mas que essa revisão tem de obedecer a características diversas das que resultariam da aprovação sem emenda dos termos da proposta em discussão.
A Câmara Corporativa chegou, no seu estudo, a uma conclusão completamente diferente. Não só aprova, como aplaude, e aplaude calorosamente. Ora eu parti de uma base objectiva: o exame das realidades; mantive-me sempre dentro do sistema definido pelos grandes princípios que informam o nosso sistema constitucional; tive unicamente a preocupação de examinar se as soluções correspondiam no que se pode objectivamente definir como sendo de interesse nacional. Não concebo que se possa usar de método diferente, nem vejo que se possam visar diferentes objectivos; e, sendo assim, sou o primeiro a surpreender-me por tão completa diferença de resultados.
A Câmara Corporativa tem prestado ao País grandes serviços e a colaboração por ela prestada à Assembleia tem sido de indiscutível valor.

O Sr. Simeão Pinto de Mesquita:- Muito bem!

O Orador: - O presente parecer vem subscrito por nomes que são, só por si, uma garantia de proficiência, ilustração e qualidade. E tudo isso nos obriga, não, evidentemente, a concordar, mas a examinar com redobrada atenção os argumentos que lá se formulam. £ uma homenagem à qual a Câmara Corporativa tem direito e. que eu gostosamente passo a prestar-lhe.
Vejo, em primeiro lugar, que no parecer não se discutiu a proposta, isto é, não se seguiu o caminho de a confrontar com as necessidades emergentes da realidade política. Houve, em vez disso, a intenção de a justificar, isto é, de descobrir e reunir as razões que em seu abono pudessem invocar; por isso mesmo o parecer não pode poupar a esta Assembleia o trabalho de um exame crítico na generalidade e na especialidade.
O conjunto da justificação desenvolve-se em dois planos diferentes: o doutrinal e o circunstancial. No primeiro apresenta-se a proposta como um resultado do desenvolvimento dos princípios corporativos- da Constituição. No segundo devem distinguir-se duas direcções: a que visa mostrar que a proposta se autoriza na lição do direito comparado e a que pretende mostrar que ela se impõe pela necessidade de evitar os desmandos que costumam acompanhar os debates eleitorais. Parece-me que nestas poucas linhas resumo, desadornado de desenvolvimentos e reduzido à suma do teor, o elenco das razões apresentadas no parecer.
Começo pela questão doutrinal, porque ela, a ser procedente, seria para mim decisiva. O que se pretende é que o novo sistema de designação do Chefe do Estado seria o que mais de acordo está com a concepção corporativa da Constituição, concepção essa que não tem sido possível levar às suas naturais consequências em virtude e dificuldades várias, mas que teria agora, cora a criação das primeiras corporações, o ensejo próprio para se completar.
Não é um argumento novo; desde há muito, todos os que não acreditamos na veracidade do sufrágio directo e mecânico e não aceitamos que a Nação seja apenas uma soma invertebrada de indivíduos, interrogamo-nos sobre a viabilidade de novos sistemas de apuramento da autêntica vontade nacional e meditamos sobre se seria possível dar uma valência política às outras valências da organização corporativa da Nação.
Interrogamo-nos; meditamos. Mas não se poderá honestamente dizer que se tivesse já encontrado uma resposta satisfatória.
Este ponto afigura-se-me especialmente importante, e eu autorizo-me a chamar para ele a atenção de todos. É que as ideias, às vezes, tornam-se tão familiares, à força de as repetirmos ou ouvirmos repetir, que nem já nos lembramos de que elas nunca foram, demonstradas - nada tem tanta força contra a lógica como a força do hábito.
Importa, portanto, muito não passar à acção sem filtrar os conceitos por um rigoroso exame crítico; e sobretudo, se se trata de ideias que nunca no Mundo foram confirmadas pela acção, é indispensável analisá-las escrupulosamente, estabelecendo-lhes de modo indiscutível a legitimidade teórica. Outra atitude seria pôr à prova hipóteses e esperar pelos resultados; é um método que se usa nos- laboratórios, mas que ninguém teria o direito de pôr em prática quando o campo da experiência fosse uma vida humana: com a agravante de que a experiência não seria agora feita sobre apenas uma ou muitas vidas, mas sobre o corpo sagrado da Pátria.
Ora este raciocínio de que a concepção corporativa da Constituição implica a substituição do sufrágio universal pelo voto orgânico e de que chegou o momento oportuno para mudar de sistema suscita-me dificuldades que ainda não vi esclarecidas ao longo deste debate e que, por minha parte, não consigo transpor.
Em primeiro lugar, não vejo qualquer fundamento para a afirmação de que o processo que se propõe para substituir o sufrágio universal seja um processo orgânico ou corporativo. O Presidente da República continuaria a ser eleito por votos individuais: três ou quatro centenas de pessoas, em vez de algumas centenas de