944 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 120
pender à suprema dignidade do Estado; que podem chegar a constituir um ensejo de insurreição e, portanto, são a porta aberta para a subversão violenta de todos os valores e de todas as instituições. E acresce - como português o digo, cheio de vergonha - que n paixão leva a transpor o pleito para o plano internacional, numa renegação de que a Pátria é o único campo para as nossas lides e de que a opinião dos Portugueses é a única que pode decidir dos interesses de Portugal.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Pode, e não sem fundamento, responder-se que estas consequências não são, por si o resultado necessário do sufrágio directo, visto haver países onde tudo se passa com suficiente dignidade cívica. E de facto assim. Mas a política não ó a dedução de fórmulas a partir de princípios abstractos, mas sim a arte da realização do bem comum no seio de uma comunidade nacional, determinada e definida por características que têm de ser tomadas em consideração.
No nosso país o que se verifica é que o sufrágio directo vem normalmente acompanhado daqueles efeito»: é nesse sentido a lição de já quase século e meio de experiência histórica. E a reflexão faz descobrir que o fenómeno tem a sua explicação, não em circunstâncias fortuitas que se verificaram ontem, mas se poderiam amanhã afastar, mas em condições permanentes que se mantêm e que por isso mesmo conduzem sempre ao» mesmos efeitos. São condições históricas, culturais e temperamentais. Talvez o sufrágio directo nos não esteja na massa do sangue; ele foi implantado simultaneamente com um conjunto de instituições novas, decalcadas, desconhecedoras da realidade portuguesa e contrárias a um sistema de governação muito antigo, no qual a soberania popular tinha papel de relevo e se exercia por uma foi-ma tradicionalizada. Daí uma resistência viva da Nação contra o Estado e a instalação de um clima de crise política, cujos últimos efeitos ainda hoje se poderiam encontrar. Depois, acontece que o baixo nível cultural do País, expresso nas taxas do analfabetismo e nu escolaridade limitada, faz com que o eleitorado não tenha opinião política; a competição, que é o meio, aparece aos seus olhos como o próprio fim, e a campanha de agitação torna-se indispensável para forjar as opiniões que não existem.
Por último, nós somos um povo de emoção à flor da pele e é muito conforme à nossa natureza não saber manter n calma durante o jogo, qualquer que seja o jogo.
(Risos).
Por tudo isto, tem de se concluir que o sufrágio directo arrasta em Portugal às consequências que todos conhecemos; e aquelas consequências são bastante graves para, só por si, imporem a condenação do sistema.
O parecer da Câmara Corporativa deve, porém, também neste ponto, sofrer um reparo: o de que limitou a sua crítica ao voto directo aos aspectos mais superficiais, aos inconvenientes que não estão tanto no próprio voto, como nas suas concomitâncias ou repercussões
Sabe-se, porém, que essa opinião não existe, nem poderia existir. No caso concreto da eleição do Chefe fio Estado, trata-se de indicar de entre várias pessoas (que de todo em todo, antes de iniciada a campanha, a maioria do eleitorado desconhecia ou de quem apenas conhecia o nome) aquela que reúne maior número de condições para o exercício de um cargo (cujas precisas atribuições também, em regra, se ignoram) durante um período de tempo com características próprias, definidas pela problemática nacional concreta e pelas circunstâncias internacionais - tudo coisas que só podem ser do conhecimento daquele raro número de pessoas que faz da política preocupação habitual.
Por isso mesmo, o voto directo seria possível se exercido por uma elite; mas nunca poderia ser universal. Sabe-se bem que, colocado diante da uma e acompanhado apenas da sua própria opinião, o eleitor não votaria por falta de motivos de opção, isto é, sabe-se que ele não teria uma opinião para exprimir.
É precisamente para resolver essa dificuldade que se procede a uma campanha eleitoral; ninguém admite a eleição directa sem tal processo de mobilização dos votos, porque sem ele as umas ficavam vazias. Mas daqui resulta uma consequência paradoxal: se a existência e opiniões é a base teórica do sistema, a inexistência das mesmas opiniões é a base prática do seu funcionamento.
Supõe-se que, concluída a campanha, já cada qual pode votar. Admitido que a campanha tenha chegado a todos os eleitores, põe-se agora em causa o valor do voto como declaração de opinião: é uma opinião verdadeira, que define a posição permanente de cada eleitor em relação aos problemas, ou é uma opinião emprestada, nascida da adesão momentânea a um ponto de vista exterior? Tem de se concluir pela segunda alternativa; se assim não fosse, a campanha não teria sido necessária. Porém, nesse caso a voz das umas não traduz a vontade da Nação, mas simplesmente o eco de uma campanha. E isto seria muito pouco para poder valer tanto como se pretende.
Talvez que a este argumento me respondessem que o melhor ponto de vista é o que encontra maior aceitação e que a dimensão do eco despertado pelas concepções concorrentes permitiria concluir qual das duas tinha maior mérito.
Mas os factos não permitem concluir com essa simplicidade. Considerado o nível cultural médio do eleitorado, não pode pressupor-se nele o espírito crítico, que é normalmente a característica de um alto grau de desenvolvimento cultural.
Por isso, o que determina a audiência e a aceitação não é a veracidade mas a popularidade dos argumentos. E isto conduz à inversão dos valores: quem não entender a dificuldade dos problemas e anunciar resolvê-los imediatamente; quem não prezar muito a verdade e prometer o que sabe que não poderá cumprir; quem não pense que a vida nacional é a sucessão de muitos dias, e, portanto, não receie comprometer o dia de amanhã ao dia de hoje; quem não se preocupe com a paz social e se preste a lisonjear os sentimentos de uma classe, ou até a desvendar-lhe perspectivas de predomínio ou vindicta - quem estiver disposto a tudo isso encontrará decerto um eco mais caloroso e extenso que aquele que poderão despertar palavras em que se peçam sacrifícios, em que se exponham dificuldades, em que se diga que só pelo trabalho de longos anos poderemos merecer o que outros anunciam logo para o dia seguinte.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Quero, em resumo, dizer que, em eleições directas, o que decide não é o mérito, mas a demagogia.
Vozes: - Muito bem, muito bem!