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15 DE JUNHO DE 1959 949

O Sr. Castilho de Noronha: - Sr. Presidente: a Assembleia Nacional exerce na presente sessão legislativa a delicada função de constituinte.
No debato que está. a correr ressalta a nota da elevação e do crescente entusiasmo que bem merece a transcendência do assunto em apreciação.
Vão já decorridos oito anus sobre a última revisão da Constituição. A lei não pode ter a rigidez de um dogma, a consistência de um axioma. Está sujeita a sofrer as alterações que as 'circunstâncias impuserem.
Está nisso a razão de ser da proposta de lei n.º 18 do Governo e de oito projectos de lei apresentados por vários Srs. Deputados.
Na proposta do Governo a disposição da maior transcendência política é o seu artigo 4.º com os respectivos parágrafos, que vêm alterar o artigo 72.º e parágrafos da vigente Constituição, os quais tratam da eleição do Presidente da República.
A disposição da proposta do Governo à qual me refiro, pela sua relevante importância merece que à sua volta se façam algumas considerações.
Os anti situacionistas tem de concordar em que, pelo menos no que diz respeito à designação do Presidente da República, o Estado Novo foi muito mais liberal, muito mais democrático do que a República de 1910, que se dizia ser democrática. Pois, enquanto a Constituição Política de 1911 dispunha que o Chefe do Estado devia ser eleito pelo Congresso da República, formado de duas Câmaras - Deputados e Senado -, o Estado Novo, pela sua Constituição de 1933, dispôs que o Chefe do Estado devia ser eleito pela Nação.
Pela Constituição de 1911 o colégio eleitoral era limitado ao reduzido número dos membros do Congresso. Pela Constituição de 1933 o colégio eleitoral era tão amplo como o próprio País.
Assim, a Constituição de 1933 assegurava melhor a autoridade e a independência do Chefe do Estado em relação ao Parlamento, que não intervinha na sua eleição. Outra razão justificativa do artigo 72.º da Constituição de 1933 estaria talvez em que o Chefe do Estado é o mais alto representante da soberania nacional, convindo, por isso, que seja eleito pela Nação.
Essas razões, porém, não têm valor quando o eleitorado não tenha uma adequada educação cívica que o leve, antes de mais nada, a antepor o interesse nacional aos interesses dos grupos ou facções partidárias. Sem essa preparação o eleitor não está apto para exercer convenientemente o seu direito de voto, podendo dal resultar que o sufrágio directo não seja a expressão genuína da vontade do povo. O eleitorado que não tem a consciência da responsabilidade que sobre ele impende é facilmente manejado pela galopinagem eleitoral, que quase sempre desanda numa nefasta propaganda, a qual não prima pela seriedade, pelo bom senso, valendo-se, pelo contrário, de todos os meios indecorosos para atingir o fim que se tem em vista, desde a ruim mentira até à mais torpe calúnia.
É o que tem sucedido entre nós, principalmente na última eleição presidencial.
Nem é bom relembrar a temerosa tempestade de ódios, rixas, malquerenças, insultos, atingindo até pessoas que nos deviam merecer o maior respeito, que se desencadeou no período eleitoral de tão triste memória.
Era forçoso arrepiar caminho. Impunha-se o regresso a tradição que nos foi legada pela República de 1910.
É o que o Governo pretende com o artigo 4.º da sua proposta. Nos termos desse artigo, o Presidente da República será eleito pelos membros em exercício efectivo da Assembleia Nacional e da Camará Corporativa e pelos representantes municipais da metrópole e das províncias ultramarinas ou de cada província ultramarina não dividida em distritos.
Nestes termos, temos para a eleição presidencial um colégio eleitoral mais limitado, mas mesmo assim muito mais amplo do que o da Constituição da República de 1911.
Outro assunto que me merece atenção nesta intervenção é o constante do artigo 6.º do projecto de lei apresentado pelo Sr. Deputado Homem de Melo.
Segundo esse artigo a Assembleia Nacional tem atribuições de legislar para o ultramar, independentemente de proposta do Ministro do Ultramar, ao contrário do que dispõe a vigente Constituição.
Ao fim e ao cabo, o que o Sr. Deputado Homem de Melo propõe é a eliminação das palavras «mediante propostas do Ministro do Ultramar», do n.º 1.º do artigo 150.º da Constituição em vigor.
A Câmara Corporativa entende, no seu douto parecer, que não é de aprovar o projecto neste ponto.
Em reforço da sua opinião invoca a Lei n.º 1005, de 7 de Agosto de 1920.
Quer-me parecer, salvo o devido respeito, que não foi feliz a invocação dessa lei. Verdade é que ela restringiu a determinadas matérias a faculdade que o Congresso tinha de legislar para o ultramar, passando assim o mesmo Congresso, como diz a Câmara Corporativa, de legislador normal que era a legislador de excepção.
A faculdade de legislar para o ultramar fora das matérias de exclusiva competência da Assembleia Nacional era atribuída ao governador, com o Conselho Legislativo na respectiva colónia, e ao Poder Executivo, tratando-se de mais de uma colónia.
Convém observar, porém, que o Poder Executivo só podia legislar ouvindo previamente o respectivo Conselho Legislativo, devendo submeter ao Congresso da República os actos que praticasse contra essa informação.
Vê-se daí que o Congresso da República continuava a ser, ainda em face da Lei n.º 1000, o supremo legislador para o ultramar. E se neste ponto ainda alguma dúvida subsistisse bastaria para a desfazer o artigo 7.º dessa lei, se dispunha nada mais, nada menos, do que isto: o Poder Executivo exercia a faculdade de legislar para o ultramar por delegação do Congresso da República.
O Ministro do Ultramar, que tem a seu cargo a superintendência e a fiscalização de todas as províncias ultramarinas - cada uma das quais tem os seus problemas, às vezes muito complicados -, não pode ter tempo nem vagar para atender às necessidades de tantos territórios cuja superior direcção lhe compete. Por mais especializado que ele seja em assuntos de administração ultramarina não lhe será possível estudar com a necessária largueza de visão as circunstâncias que condicionam a vida económica, financeira, social e cultural de cada uma das províncias.
Nestes termos, não será muito admitir que uma outra entidade tome a iniciativa de legislar.
Mas não sucederá que a Assembleia Nacional aprove uma lei contrária ao interesse nacional, dado o seu clássico desinteresse pelo ultramar, como diz a Câmara Corporativa?
Observe-se antes de mais nada que a faculdade que a Assembleia Nacional tem de legislar para o ultramar restringe-se a determinadas matérias. Mas nem por isso rejeito a hipótese de que a Assembleia Nacional possa aprovar um projecto de lei sem medir os prejuízos que daí possam resultar.
Obviava-se, porém, facilmente a esse inconveniente dispondo que nenhum projecto de lei relativamente ao ultramar seria discutido pela Assembleia Nacional sem previamente ser ouvido o Ministro do Ultramar.
Assim, se as razões que o Ministro do Ultramar aduzisse contra o projecto fossem plausíveis, a Assembleia Nacional não iria, decerto, aprová-lo.