1022 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 124
que faltou à resolução de tão instante problema da cidade de Lisboa com aquela soma, de carinho, dedicação e boa vontade que ele, pela sua natureza e importância, exigia serviu mal neste campo a função que lhe cabia exercer.
E a verdade é, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que foi possível arreigar-se em alguns espíritos a convicção: de que não teria sido indiferente à suspensão dessas negociações - suspensão ou suspensões, pois mais dois anos quase passaram e nenhuns resultados se vêem ainda - a pressão ou influencia dos interesses ávidos de obterem tão bons terrenos para campo dos seus negócios, suspeitando-se até de que em tais influências, se as houve, pesariam não só os industriais do fabrico de prédios para venda com margens apreciáveis de lucro, mas até sociedades cooperativas de construção, que não andam todas livres da pecha de à sua sombra alguns beneficiários também terem feito a sua especulaçãozinha com as casas e as facilidades que noutra intenção lhes foram concedidas.
Mais, Sr. Presidente e Srs. Deputados: também transpirou que, enquanto no Ministério das Corporações se gizava esta lei que votámos há um ano e pouco, não faltaram lá representações discretas de interesses criados à volta da capitalização em imóveis de rendimento, fazendo ver que a promulgação de tal diploma, pelo abaixamento das rendas que acarretaria, poderia ser prejudicial aos investimentos já feitos e, porventura, lesivo de interesses, respeitáveis, decerto, tomados um por um, mas permito-me duvidar que o sejam quando em conjunto representam obstáculo do vulto que podemos pressupor pelos efeitos à vista.
Sr. Presidente: seria caso de escândalo e uma vergonha que se deixasse prevalecer a oposição de qualquer cabala de interesses quando há possibilidades técnicas e financeiras para dar um decidido impulso à mineração do problema da carestia habitacional em Lisboa, carestia cujos maus reflexos tom incidido sobre todo o País; seria um escândalo e até vergonha que se perdessem tantos esforços e tanta energia, que não se levassem as decisões até à última dinamização para criar todas as condições de conseguir aquilo que ainda não foi possível.
O exemplo da cidade do Porto, ao encontro do qual o Governo soube ir, assim como iria ao de Lisboa se reconhecesse essa necessidade, não é para nós, Lisboetas, no simples tampo do amor-próprio, motivo para satisfação nem para contentamento, ao vermos o que lá souberam fazer e cá não conseguimos.
Sejam estas considerações de bairrismo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, uma vez que este bairrismo poderá agir em bom sentido, a reforçar o voto que desejo exprimir no sentido de que a nova administração do Município de Lisboa e a vontade que parece ser pensamento do Ministério das Corporações encontrem terreno comum de entendimento e campo seguro para realizações imediatas e profícuas.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: por várias vezes tem sido tratada nesta Assembleia a posição dos fabricantes de tecidos de algodão, no propósito de demonstrar a crise que atravessam em virtude de várias dificuldades que tem surgido nos últimos anos.
Os Srs. Deputados João Rosas, Rodrigo Carvalho e Duarte do Amaral expuseram, com minúcia e profundo conhecimento de causa a situação dessa indústria, citando números que nos revelaram a sua excepcional importância económica e social.
Se o assunto já foi aqui tratado por quem dele tem profundo conhecimento, a que titulo virei agora trazer também a minha achega, se não tenho nenhum conhecimento especial do assunto?
Este meu interesse, aliás justificado, por se tratar de importante sector da nossa economia, que nela pesa suficientemente para despertar o interesse de quem por curiosidade se debruça sobre questões económicas, foi despertado por uma carta de um comerciante de Angola, que por acaso chegou às minhas mãos, embora me não fosse dirigida.
Esta carta põe em relevo o facto, já, aliás, apontado aqui pelo nosso colega Rodrigo Carvalho, de, a sombra das disposições do Decreto n.º 41 026, estarem a dar entrada nas nossas províncias ultramarinas, principalmente em Angola e Moçambique, tecidos de algodão de origem oriental, que, não pagando direitos, fazem uma concorrência aniquiladora, no que respeita a preços, aos nossos produtos similares.
As disposições daquele decreto são perfeitamente razoáveis; mais do que razoáveis: louváveis.
Efectivamente, parece que nada se deve opor ou dificultar a livre circulação entre as nossas províncias ultramarinas dos produtos delas originários.
Não se contou, porém, com a utilização capciosa por parte daqueles que, sempre despertos e atentos a todas as fissuras da lei, aproveitaram em Macau a oportunidade, por forma a desse oportunismo poderem resultar os mais graves inconvenientes para a nossa economia.
Todos conhecemos as razões por que a China, o Japão e a Índia podem fazer concorrência esmagadora aos produtos do Ocidente.
O pensamento que ditou o Decreto n.º 41 026 foi o de facilitar as trocas, entre as diversas províncias ultramarinas, mas não podia nunca ter sido realizar através dele um ataque perigoso à economia metropolitana e, consequentemente, à economia nacional.
Estará a economia metropolitana em condições de deixar perder os seus melhores clientes neste ramo, que são Angola e Moçambique?
A exportação dos tecidos de algodão para todas as nossas províncias ultramarinas cifra-se em 800 000 contos, sendo os principais importadores Angola e Moçambique.
Haverá algum país que deixe de estar atento a um movimento de exportação que, segundo as autorizadas afirmações do nosso colega Rodrigo Carvalho, se acerca dos 6 por cento da nossa exportação total?
Eu suponho que não, e estou certo de que providências irão ser tomadas no sentido de obviar a este grande inconveniente.
Mas vejamos o que diz o Decreto n.º 41 026 no seu preâmbulo:
A Lei Orgânica do Ultramar, ao ocupar-se das relações económicas das províncias ultramarinas entre si, com a metrópole e com o estrangeiro, estabelece dois grandes princípios: unificar quanto possível em todo o território nacional os direitos aduaneiros nas relações comerciais com os países estrangeiros, reduzir gradualmente até à sua completa supressão, à medida que sejam substituídos por outras receitas, os direitos aduaneiros nas relações comerciais entre a metrópole e as províncias ultramarinas e nas destas entre si.
Como vêem, o pensamento do decreto é perfeito e nele se suprimem, efectivamente, os direitos sobre a circulação entre as províncias ultramarinas de mercadorias delas originárias ou nelas nacionalizadas pelas alfândegas.
Esta expressão «nacionalizadas pelas alfândegas» tem necessàriamente um significado e pressupõe natural-