1024 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 124
seguia que o Governo estendesse os benefícios da sua inteligente acção à numerosa população piscatória desta vila, bem digna de melhor sorte, pela sua coragem, pelas suas comprovadíssimas aptidões e pelo elevado número de pescadores que naquela praia ganham o pão de cada dia e cujo número se tem reduzido, por muitos se terem visto obrigados a deixar a sua terra, para irem trabalhar onde ganhem o suficiente para eles e suas famílias se alimentarem, sem terem a vida em risco constante, como acontece na Nazaré.
A decisão de S. Exa. o Ministro das Obras Públicas veio lançar um clarão de esperança na alma atribulada dos pescadores da Nazaré. Talvez agora seja possível obter a construção de um simples porto de abrigo, que permita aos pescadores da vila continuarem a exercer a sua benemérita profissão na sua terra, mantendo as suas características especiais e as condições que tem leito da Nazaré um dos mais valiosos cartazes turísticos de todo o País, onde nacionais e estrangeiros continuem a deliciar-se com a vista das suas magníficas belezas naturais e a observação dos seus interessantes costumes e trajos regionais.
Não sei ainda se seria possível a construção do almejado porto de abrigo, ou se a sua construção ficará tão cara que se torne necessário adiar, mais uma vez, a satisfação das legítimas aspirações da gente da Nazaré.
Sei bem que um porto de abrigo, se for viável a sua construção, ficará muito caro e mais caro ainda ficará um porto de pesca ou um porto comercial e de pesca, podendo parecer que, a tão pequena distância dos portos de Peniche e da Figueira da Foz, se não justificará, sob o ponto de vista nacional, um novo porto de pesca e ainda menos um porto que servisse para a pesca e movimento comercial, mas seja-me permitido discordar um pouco desta respeitável opinião.
Sr. Presidente: penso que um porto de mar é sempre um elemento de progresso e de riqueza para uma região e, portanto, em grau mais ou menos elevado, para todo o País.
Nações há, como as pequenas Dinamarca e Grécia, dotadas de numerosos portos e onde estes têm servido, incontestàvelmente, para o progresso, enriquecimento e desenvolvimento dessas nações.
Lembro-me neste momento de que se discutiu muito há umas trás dezenas de anos se conviria ou não gastar dinheiro com os dois portos de Aveiro e Figueira da Foz, ou se bastaria apetrechar devidamente só um deles.
O Governo, inteligentemente, tem gasto muito dinheiro com ambos, e ninguém poderá hoje afirmar, com verdade, que esse dinheiro não foi útil e conveniente para o progresso das duas cidades, das regiões em que se situam e, portanto, de todo o País.
O porto de pesca, da Nazaré é necessário, e até por estudos que fiz quando governador civil do distrito cheguei à conclusão do que se justificaria a sua adaptação a porto de comércio, servindo uma região riquíssima, em que abundam as essências florestais, resina, cortiça, vinho, azeite, frutas e outros produtos agrícolas, mármores, cantarias e pedras rijas, produtos vidreiros, óleo de bagaço, cimentes, tijolo, telha, produtos de cerâmica vulgar e artística, etc.
Talvez hoje o porto comercial se não justifique tão evidentemente como então, porque só a exportação de cimento da fábrica da Maceira para as províncias ultramarinas portuguesas e para o Brasil daria, nessa altura, um grande movimento ao porto, mas continuo convencido de que ainda hoje se podia justificar a sua adaptação.
Eu nunca concordei, não concordo nem jamais concordarei com as pessoas que entendem que a Portugal bastavam apenas dois grandes portos comerciais: o de Lisboa e o de Leixões. Os portos mais pequenos, a meu ver, também tem missões úteis a desempenhar no conjunto do progresso geral da Nação.
Penso que o porto da Nazaré, uma vez construído, daria ampla compensação ao Estado das despesas que para isso tivesse de fazer, e não perco a esperança de que o Governo, reconhecendo a justiça, a oportunidade e a conveniência de o construir, o venha ainda a incluir num futuro plano de fomento.
Em defesa do meu ponto de vista não apresento dados, estatísticos, nem quadros comparativos, porque tudo isso consta das várias representações que tem sido entregues ao Governo e são elementos que não pedi ao Ministério, mas que constam dos respectivos serviços,
No caso de não ser viável a construção do simples porto de abrigo e de não ser considerada justificável a despesa a fazer com a construção de um porto de pesca, atrevo-me a solicitar ao Governo que, pelo Ministério da Economia, seja feito um inquérito a respeito de tudo o que seria possível exportar e importar pelo porto da Nazaré, e parece me que, depois de um estudo consciencioso, se poderia chegar à conclusão de que era útil e compensadora a sua construção com as duas modalidades: pesca e comércio.
Resta-me encarar o problema pelo lado sentimental e humano, tão grato às nossas almas sensíveis de verdadeiros portugueses.
É triste, é doloroso e é deprimente ver aquela pobre gente da Nazaré, velhos, mulheres e crianças e até homens, a pedir pelas ruas da vila, de Alcobaça e de outras povoações dos arredores, quando o mar está bravo e não permite aos valentes pescadores que vão exercer a sua arriscada e útil missão, obrigando-os a passar uma vida de miséria e de fome, que se reflecte, lamentàvelmente, na sua saúde e na de suas famílias.
Todos, ou quase todos, procuram trabalhar, especialmente nos campos, onde geralmente há falta de braços, mas os pescadores, que são mestres na sua profissão, têm imensa dificuldade em se adaptar a outras ocupações é pouco podem ganhar, acrescendo ainda a circunstancia de nem sempre poderem trabalhar no campo, por o tempo o não permitir e terem de recorrer à caridade pública para não morrerem de fome, apesar de o Estado, através das Casas dos Pescadores, ter procurado remediar este estado de coisas; mas o que tem feito não é suficiente, apesar dos louváveis e meritórios esforços do nosso ilustre colega Sr. Comandante Tenreiro, a quem os pescadores estão reconhecidíssimos.
Podem dizer-me que devem sair, em massa, da Nazaré e irem estabelecer-se em outros portos de pesca. Muitos já o têm feito, indo para Peniche, Matosinhos e outros portos, mas essa transferência é cara e dolorosa, deprime-lhes o moral, e se a Nazaré, pela força das circunstâncias, perder as suas características de povoação de pescadores, perderá um dos seus principais atractivos, como cartaz turístico internacional de grande relevo, e a economia do concelho e da região será, lamentavelmente, afectada.
As vidas dos pescadores que quase, todos os anos, se perdem na praia da Nazaré também têm valor, e muito grande, e a economia de vidas humanas e as desgraças que se evitariam se existisse um porto de pesca também são dignas de serem tomadas em consideração.
Eu era ainda muito pequeno, teria talvez quatro ou cinco anos, quando assisti a uma das tragédias, infelizmente bastante frequentes naquela infeliz povoação, e ainda hoje sinto o horror dos gritos das mulheres e crianças e a aflição dos homens, de mãos dadas, agarrados uns aos outros, metendo-se pelo mar dentro, na ânsia de salvar os pobres tripulantes de um barco de pesca que o mar embravecido tinha voltado e alguns dos quais morreram à vista dos filhos, das mulheres e dos amigos, que os não puderam salvar.