20 DE JUNHO DE 1959 1037
embora entre os dois se possa verificar quase coincidência de alguns passos com significativa identidade em certos pormenores.
O Sr. Dr. Carlos Coelho quis começar a sua intervenção por alguns cumprimentos que se dignou dirigir-me, os quais quero agradecer-lhe, muito sinceramente; foi nas suas expressões além do que a mera delicadeza poderia ditar e comprometeu a bondade do seu critério com afirmações tão vinculantes que eu fico-lhe extremamente reconhecido por ter querido usar da oportunidade para as produzir.
Todavia, para mim, que em outros tempos pratiquei o desporto da esgrima, a sua homenagem lembra-me irresistivelmente as saudações que os esgrimistas costumam fazer-se para, logo depois, tratarem de ferrar as pontas das espadas por onde quer que encontrem a guarda aberta e parece-me que o Sr. Dr. Carlos Coelho, fintando sobre as minhas palavras, procurou novas saídas, sobre as quais me é penoso ter de confessar o sentimento de que os argumentos não se igualaram aos cumprimentos, guardadas todas as distâncias entre os exageros da cortesia, que se aceitam nestes, e o valor conceituai que se espera naqueles.
No desejo de não me alongar mais, vou abstrair de pormenores, e, para não virar mais o bico ao prego, concorrendo para transformar em arrevesado parafuso o laço das alegações com as respostas, ater-me-ei às mais destacadas e importantes das razões produzidas contra a minha posição pelo Sr. Deputado Carlos Coelho.
Antes, porém, quero ressalvar e esclarecer de novo a minha situação pessoal, objecto de alusões do meu estimável contendor e dos seus asseclas.
É efectivamente o Consórcio Laneiro de Portugal a empresa a que se dirigem os reparos covilhanenses, e exerço, na verdade, a presidência da assembleia geral dos seus accionistas, como escrupulosamente logo de entrada confessei, pelo que nem caberia sublinhá-lo.
Mas o que acontece é exercer eu essa presidência não por condição própria mas em representação do grémio da lavoura da minha terra e nesta mesma substituindo um conterrâneo ilustríssimo, homem público dos mais respeitáveis deste país, ele mesmo, por experiência ministerial, bom conhecedor das questões e conflitos lanares e que me fez a honra de delegar em mim a representação que lhe cabia.
Trata-se, pois, Sr. Presidente, de uma situação nada pessoal e muito transmissível, o que acho bom acentuar. E, isto assente, vejamos os que me parecem os tópicos mais substanciais da réplica do nosso colega.
Abordou ele, em primeiro lugar, com duvidosa pertinência, o licenciamento original da fábrica discutida, dizendo que o despacho ministerial não introduziu condições de inspiração governamental, limitando-se a atender integralmente aos pedidos e sugestões do peticionário. Não vejo em que isto diminua a intervenção ministerial ou o efeito dela.
O despacho referi-o na minha fala anterior, textualmente, quanto ao que interessa ao caso e poderão VV. Ex.ªs encontrá-lo na primeira coluna da p. 3545 do Diário do Governo n.º 158, 2.ª série, de 2 de Julho de 1949.
Ao mesmo tempo e para o mesmo sector económico, foram deferidas pretensões de mais duas empresas e negadas as de três; já aqui vejo distinção a atestar um exercício do discernimento ministerial e a presença de um pensamento de governo. Negá-los só porque o Ministro, achando razoáveis os termos e condições da petição, concordou com esta sem mais reparos, parece-me precipitação ou erro de juízo que não autorizará o nosso colega a diminuir a posição legal da empresa ou os seus direitos fabris.
O Sr. Carlos Coelho: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Com todo o gosto.
O Sr. Carlos Coelho: - V. Ex.ª podia indicar-me melhor, se quiser ter a bondade de o fazer, a que despacho acaba de referir-se?
O Orador: - O despacho a que V. Ex.ª alude. Eu repito as palavras de V. Ex.ª tais como vêm no Diário das Sessões: «A realidade é toda outra. A fábrica teve origem no exclusivo desejo de um particular, que repetidamente requereu, tendo na primeira tentativa visto indeferida e na segunda satisfeita a sua pretensão.
E o despacho ministerial que a deferiu não fez depender a instalação de quaisquer condições acessórias de inspiração governamental. Limitou-se a atender integralmente, reduzindo-os a articulado, todos os pedidos e sugestões contidos na memória justificativa do pedido».
O Sr. Carlos Coelho: - Tenho de confirmar o que declarei nessa altura, porque quem ler o despacho e conhecer a memória justificativa do pedido só pode concluir que foram deferidas todas as pretensões que nele se continham.
Não me parece assim ter havido deferimento de umas e indeferimento de outras. As condições que constam do despacho não são, desta forma, de inspiração governamental, mas foram sim de encontro aos desejos do peticionário, que o Governo atendeu integralmente.
O Orador: - Isso é a pura verdade. Mas a ilação que me pareceu poder tirar-se das palavras de V. Ex.ª é que o fundamento legal para funcionamento da fábrica seria uma coisa de segunda ordem, em que o mérito ou demérito de licenciamento seriam os inerentes ao próprio pedido. Não vejo que para uma simples verificação do facto, verificação inteiramente gratuita, fosse necessário recordar que os despachos podem limitar-se a concordar com os termos dos pedidos. Se V. Ex.ª me corrigir creio que terá necessidade de reconhecer que foram forçadas as suas considerações, para sugerir uma mediocridade, uma fraqueza da existência jurídica do estabelecimento licenciado.
O Sr. Carlos Coelho: - A transcrição que V. Ex.ª fez através das minhas palavras para tirar o sen verdadeiro sentido não pode ser amputada daquelas que as precedem.
V. Ex.ª traçou perante a Câmara um quadro em que nos descrevia as colisões que muitas vezes se levantam entre o sector da lavoura produtos do têxtil (lonas) e a indústria de lanifícios, e V. Ex.ª aventou que, por certo pelo reconhecimento governamental daquele estado de conturbação, haveria a necessidade de criar um instrumento ou desencadear-se uma interferência do Governo que realmente pusesse termo àquela situação.
E assim eu seria levado a concluir que a autorização para a instalação da empresa era consequência daquele panorama. Foi para responder ao pensamento expresso por V. Ex.ª que eu disse não ter nascido a empresa por aquela razão, mas sim por ter aparecido um particular que a desejou constituir.
Portanto, juntando às minhas palavras, que V. Ex.ª há pouco acabou de nos ler, as considerações que as antecediam na minha intervenção, se compreenderá facilmente não ter havido intenção de imposições governamentais à margem ou para além daquilo que fora requerido.
O Orador: - Agradeço o esclarecimento, de V. Ex.ª, mas tenho de confessar que não me sinto esclarecido. A questão de fundo agora é a da citação do despacho,