302 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 187
uma promessa de desenvolvimento. Concluídos os trabalhos, com acordo na essência da reorganização da indústria - houve divergência apenas no que se referia à liberdade de constituição de novas cooperativas o de alargamento da área das existentes -, foi o projecto submetido u apreciação do Conselho Superior da Indústria, que, em Agosto de 1958, aprovou, por unanimidade, um plano de reorganização idêntico ao proposto pela comissão reorganizadora, resolvendo o diferendo sobre a organização cooperativa a favor da lavoura, ou seja pela liberdade de criação de novas cooperativas e de alargamento da área das existentes.
Nestas condições, deveriam passar a existir três fábricas, duas dos industriais, uma das cooperativas.
Tal plano foi então enviado pelo vice-presidente do Conselho Superior da Indústria, ao tempo Prof. Eng.º José do Nascimento Ferreira Dias Júnior, ao Ministro da Economia.
A 4 de Novembro seguinte, o Ministro da Economia, que já era o Prof. Eng.º Ferreira Dias, aprova o plano e manda elaborar o projecto de diploma legal.
Passados dezanove meses - duas vezes nove e mais um mês... -, surge o referido despacho ministerial, que desfaz da concordância anteriormente dada, desdenha da decisão do Conselho Superior da Indústria, desdoura dos esforços e trabalhos de uma comissão e dos seus membros.
Como não havia de ser grande a surpresa, como não havia de ser legítima a estranheza?
Onde antes se dizia: «três fábricas», escreveu-se agora «uma»; onde antes se respeitava a função e o espírito cooperativo, desvirtuam-se agora as suas finalidades, cerceiam-se os seus direitos.
Desta sorte, liquida-se uma forma, de defesa da lavoura em holocausto à panaceia da concentração, às conveniências de uma certa concepção de indústria e a razões sem razão.
Não podendo ter-se o processo como normal, não sendo possível considerar o processo como respeitador do ritual da Lei n.º 2005, não havia motivo para sérias preocupações.
A argumentação de que, entretanto, um técnico ad hoc fora encarregado de rever o plano de reorganização, supostamente desactualizado pelo tempo que mediara entre o estudo e a resolução final - plano que pouco antes merecera dupla aprovação oficial -, não se afigura poder colher como justificação do desrespeito, de fundo de forma, dos trâmites estabelecidos na lei da reorganização. Desta decisão havia recurso contencioso, e a lavoura, interpondo-o, como fez, tinha meio de fazer valer os seus direitos, quando não de demonstrar a ilegalidade do procedimento.
Noutros tempos que já lá vão - no remoto ano de 1936 -, quando foi criada a Junta dos Lacticínios da Madeira, dispôs-se, no respectivo diploma orgânico
- Decreto n.º 26 655 -, não só que «as empresas actualmente existentes são obrigadas a adoptar os melhoramentos julgados indispensáveis ao aperfeiçoamento industrial, melhoramentos que constarão de um plano elaborado pela Junta e aprovado pelo Ministério da Agricultura», mas também que «na instalação de novas fábricas têm preferência as cooperativas de lacticínios formadas pelos produtores de leite». Bons tempos esses...
Hoje, a Secretaria de Estado da Indústria, pela pena do Ministro da Economia, impõe, com notável desembaraço, soluções que lesam gravemente os interesses da lavoura, postergam Os seus legítimos direitos, obstruem os caminhos que a lei consigna e protege e a experiência, própria e alheia, aconselha e recomenda.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Como os tempos mudam! Os tempos, as ideias e os homens!
Outrora, a indústria de lacticínios madeirense estava sob a tutela do Ministério da Agricultura; hoje, o Secretário de Estado da Indústria põe e dispõe da sorte da lavoura, desconhecendo pura e simplesmente a Secretaria de Estado da Agricultura, que parece nada ter que ver com a questão, estas questões...
O Sr. Pinto de Mesquita: - Muito bem!
O Orador: - Observados certos procedimentos, que talvez não devam ter-se como inesperados nem fortuitos, chega-se mesmo a duvidar se a Secretaria de Estado da Agricultura ainda tem que ver com algum problema...
É por essas e outras questões que a lavoura tem certas atitudes, determinados métodos e dados procedimentos como. mais um acidente a acrescer aos meteorológicos...
Estávamos nós ainda nos tempos do despacho que sofreu a ilha da Madeira, nos tempos de aparente acalmia, que costuma prenunciar a tempestade, que se desenhava já sobre a lavoura do litoral continental, nos tempos em que formulei as minhas perguntas, que, pelo visto, não eram nada despropositadas...
Longo caminho percorrido desde então.
Aquilo que para a Madeira era pesadelo converteu-se em angustiante realidade, e nova tempestade começou já a fustigar o continente...
Porque as cooperativas depois de haverem acatado a notificação do despacho de concordância, dois anos antes, decidiram, quais amigos da onça, não se conformar com a versão sincopada da novel reorganização, ou por devoção ao espírito e, também, à letra da Lei n.º 2005 - enquanto um recurso contencioso do despacho de Junho seguia, os seus trâmites -, surge primeiro a notícia de que a reorganização da indústria de lacticínios da ilha da Madeira fora discutida em Conselho de Ministros e, dias após, um decreto regulamentar que, publicado em obediência à base IX da lei da reorganização, impõe uma reorganização à indústria de lacticínios, cooperativa e independente, da ilha da Madeira.
Aquilo que seis meses antes se aprovara por despacho impõe-se agora por decreto... Melhor dito, aquilo que em Junho se pretendera impor sob a capa de aprovação determina-se agora sob a forma de decreto, invocando sempre a mesma base da Lei n.º 2005.
Tenho as mais sérias e fundadas dúvidas sobre a legalidade do procedimento e, mesmo, dando de barato o arbitrário do processo, sobre a sua legitimidade.
A imposição da concentração de empresas e estabelecimento constitui processo que só em ultima ratio pode aceitar-se, pode justificar-se.
Ter-se-ão esgotado, neste caso, as tentativas de acordo entre as partes interessadas? Ter-se-á encarado qualquer das formas previstas na base VII da Lei n.º 2005? Cuido que não. Pior, presumo que se deteriorou um acordo possível e que talvez tenha chegado u existir só porque se não compreendeu ser o óptimo inimigo do bom, ter a vida os seus direitos, a psicologia as suas exigências, que não cabem em fórmulas de mecânica ou em regras de tecnologia...
Seja como for, a solução é iníqua, não respeita o espírito das instituições, vai ao arrepio de uma evolução normal, é lesiva dos direitos da lavoura e das suas associações e insere-se num processo que está longe de ser pacífico, de ser justificado.
Dá-me, de resto, a impressão de que da concentração como meio só chegou à concentração como fim.