20 DE ABRIL DE 1961 609
Proposta de lei a que o Sr. Presidente se referiu no decorrer da sessão:
Proposta de lei
1. A necessidade de criar a& condições propícias à intensificação do aproveitamento agrícola do continente português, imposta pelo ritmo do desenvolvimento demográfico, chamou a atenção do Governo para o problema do arrendamento da propriedade rústica.
Na realidade, verifica-se que a propriedade arrendada, mercê dos defeitos de certas cláusulas dos contratos, nomeadamente das que respeitam ao prazo do arrendamento, se mantém num estado improgressivo, incompatível com as, necessidades do momento presente. O problema agrava-se pela elevadíssima percentagem de propriedade submetida ao regime de arrendamento.
Assim, pôde verificar-se que a área arrendada atinge 26,7 por cento no distrito de Santarém, 30 por cento no de Setúbal, 35,9 por cento no de Évora e 39,3 por cento no de Portalegre. Nas regiões de pequena propriedade, ao norte do Tejo, estas percentagens são ainda mais elevadas, excedendo por vezes 60 por cento, como sucede na Cova da Beira.
2. A enfiteuse caiu em desuso e não parece fácil fazer renascer esse instituto jurídico a que se ficou devendo o aproveitamento de muitas terras improdutivas. O arrendamento e- a parceria constituem, por isso, os únicos recursos de que hoje podem lançar mão os que, tendo faculdades para explorar a terra, não dispõem dos capitais indispensáveis à sua aquisição.
Nota-se, todavia, uma tendência acentuada para o desaparecimento da parceria, e nalguns países legislou-se no sentido de converter em arrendamento os contratos de parceria.
Tudo parece indicar que o arrendamento, cuja importância os números atrás citados deixam antever, há-de tender para se desenvolver, com todos os malefícios e entraves para a valorização da terra e elevação do nível de vida das populações rurais.
Urge, por isso, tomar medidas que eliminem os graves inconvenientes económicos e sociais do arrendamento ainda recentemente verificados nos inquéritos feitos em execução do despacho de 25 de Agosto de 1958 do Secretário de Estado da Agricultura, e em que se atribui à desactualizarão das disposições legais reguladoras do arrendamento rústico a principal causa de certos aspectos da crise com que se debate a lavoura.
Efectivamente, dominam entre nós, sobretudo ao norte do Tejo, os arrendamentos a curtíssimo prazo - um ano renovável; são mais raros os arrendamentos por prazos de três e quatro anos e só excepcionalmente se fazem contratos de arrendamento por mais de quatro anos.
Na generalidade dos casos, o proprietário quando arrenda as suas terras deixa de interessar-se pelo progresso da exploração e contenta-se em realizar o contrato em condições que lhe assegurem a conservação do seu património, evitando, quanto possível, as possibilidades da sua desvalorização pelo arrendatário.
Este, por sua vez, não tendo garantias de estabilidade na exploração das terras arrendadas, tem a preocupação dominante de reduzir ao mínimo o montante dós capitais a investir na cultura, de modo a tirar delas, no mais curto período, o máximo rendimento sem se preocupar com o futuro. Por isso, do arrendamento a prazos curtos e curtíssimos resulta uma completa paralisação, se não mesmo um retrocesso, na natural e indispensável valorização da terra.
São na verdade frequentes os casos em que o arrendatário conduz a exploração em termos de deixar as terras empobrecidas e exigindo apreciável dispêndio de tempo e dinheiro para regressarem ao anterior nível de produtividade.
3. Nas regiões de grande propriedade, especialmente ao sul do Tejo, são notórios os inconvenientes da propriedade arrendada. Nas épocas de crise de trabalho são os proprietários cultivadores directos, por viverem os problemas da terra e do trabalho rural, quem tomam sobre si, por vezes com sacrifício, encargos que, na verdade, deveriam ser também compartilhados pelos proprietários absentistas, uma vez que dos respectivos arrendatários não é exigível utilização de mão-de-obra além da indispensável à realização dos trabalhos agrícolas.
Os inconvenientes da menor absorção de trabalho pela propriedade arrendada serão consideràvelmente atenuados se o prazo de arrendamento for suficientemente largo para que a exploração da terra não represente apenas acidental transacção. Por outro lado, é indispensável assegurar ao senhorio e ao arrendatário unia real e efectiva compensação pelas despesas resultantes da realização de trabalhos que, conduzindo a maior rendimento, valorizam a propriedade.
A Lei n.º 2017 estabelece a obrigação de o arrendatário compensar o senhorio pelos encargos dos melhoramentos úteis por este realizados; com o mesmo critério de justiça, é indispensável assegurar ao arrendatário compensação pelos que, de sua iniciativa e com os recursos próprios, venha a realizar.
O arrendatário, em regra, evita a execução de trabalhos altamente reprodutivos, com receio de que, uma vez realizados, apareça um concorrente oferecendo ao senhorio renda mais elevada, e este receio é legítimo, porquanto muitos arrendatários têm sido prejudicados em consequência das suas bem orientadas iniciativas.
É, portanto, de esperar que o alargamento do prazo do arrendamento e a garantia de indemnização por benfeitorias executadas pelo arrendatário afastem todos os receios deste e o estimulem a interessar-se pela valorização das terras arrendadas, realizando pequenos melhoramentos que, absorvendo mão-de-obra, contribuam para o aumento das produções.
4. O arrendamento nas zonas de pequena propriedade, ou, melhor, o arrendamento de pequenas e pequeníssimas propriedades, onde o arrendatário e a família executam todos ou quase todos os trabalhos culturais, apresenta, em relação ao arrendamento de grandes propriedades, aspectos distintos, que convém pôr em foco.
Pelo que respeita à renda, e com base em numerosos estudos monográficos realizados pela Junta de Colonização Interna em várias regiões do País, pode verificar-se que, normalmente, a renda da grande propriedade não atinge a renda justa; por outro lado, a renda da pequena propriedade ultrapassa o que seria razoável.
Ao contrário do que sucede com os arrendamentos da grande propriedade, os de pequenos prédios realizam-se geralmente pelo prazo de um ano renovável, mas são frequentíssimos os casos de o arrendatário permanecer na propriedade dez e mais anos, com uma continuidade quê chega ao ponto de a exploração se manter duas gerações nas mãos da mesma família.
São bem conhecidos os verdadeiros prodígios operados pelo homem na transformação da terra e é notável a obra de valorização realizada por pequenos arrendatários que transformam magras courelas, onde se diria impossível a realização de cultura intensiva, em magníficos hortejos a que não falta o regadio.