20 DE ABRIL DE 1961 605
As províncias da metrópole e do ultramar, irmanadas há 500 anos nos mesmos anseios de progresso nacional, têm de constituir um bloco cada vez mais forte de prosperidade económica, social e moral, pelo que não devem existir limitações nem entraves à livre circulação de portugueses, de capitais e de mercadorias entre todas as valorosas parcelas do nosso território.
A nossa capacidade realizadora e produtora tem-se revelado dia a dia capaz de competir com o que de melhor se produz e fabrica lá fora.
Temos, por isso, de entusiasmar os mercados internos e dar justa preferência a tudo o que é nosso.
Julgar de melhor qualidade e de mais sugestiva apresentação o que vem do estrangeiro, apenas porque é estrangeiro, não passa de simples snobismo, de espaventosa megalomania ou de inferiores instintos derrotistas, que, embora não afectem as mentalidades bem formadas, causam pena e entristecem.
A Associação Industrial Portuguesa, cuja acção ao serviço do desenvolvimento económico nacional é digna dos mais entusiásticos louvores, não se tem poupado a esforços no sentido de uma intensiva divulgação dos produtos nacionais, quer através da organização de feiras que atraem ao nosso país comerciantes e industriais de todo o Mundo, quer através da imprensa, quer ainda na elaboração de programas de informação e propaganda transmitidos pela rádio, onde as suas válidas intenções são bem expressas no já conhecido e patriótico slogan que, em momento de feliz inspiração, lançou: «Ajude-se a si mesmo preferindo sempre os artigos nacionais».
Este despertar de consciências, tão oportuno e significativo na hora difícil que atravessamos, deve estar sempre bem presente no pensamento dos Portugueses.
A justa compreensão do seu significado deve viver não apenas na mente do comprador, que por vezes é vítima da sugestão ou da ignorância daquilo que compra, mas deve, sobretudo, estar bem viva na consciência do vendedor, que, reconhecendo nos artigos nacionais indiscutíveis méritos de qualidade, os deve apontar de preferência, porque são o fruto do esforço e do trabalho da nossa gente.
Ainda há dias entrei numa casa comercial da Baixa com a intenção de comprar um chapéu que estava exposto na respectiva montra sem qualquer indicação visível de preço.
Fiquei verdadeiramente suspenso quando o caixeiro me pediu a afrontosa quantia de 360$, acrescentando seguidamente com ar superior que se tratava de artigo italiano...
Em presença de tão eloquente reclamo, limitei-me a curvar-me com a maior reverência perante aquela preciosa peça de vestuário e a declarar que isso era preço de chapéu de senhora com plumas à século XVII, pelo que preferia um chapeuzinho bem português de Braga ou de S. João da Madeira, que em nada ficaria ofuscado ao lado de um puro Borsalino.
Temos de ordenar e moralizar os diferentes sectores da nossa economia, por forma a obter-se uma franca e ampla conjugação de esforços que garanta a justa compreensão entre produtores, estimule a iniciativa dos comerciantes e crie a indispensável confiança entre o público consumidor.
Na vida económica, tal como acontece na vida política, é necessário expurgar o ambiente de tudo o que possa ser nocivo à ordem e à disciplina e propício à subversão dos claros objectivos visados.
Assim como na vida política dos povos aparecem os perturbadores da ordem, os falsificadores de liberdades e os vendilhões de pátrias, também na vida económica abundam os especuladores, os açambarcadores e os mixordeiros, três classes de traficantes que atentam criminosamente contra a bolsa, contra o regular abastecimento e contra a saúde e a vida dos consumidores.
A estes verdadeiros desorientadores do equilíbrio entre a produção e o consumo há ainda a juntar a nefasta e larga rede dos intermediários.
Estes, quando, por falta de escrúpulos, baseiam toda a sua acção em actos manifestamente ilícitos, são os mais perigosos inimigos do progresso e da tranquilidade económica da Nação.
À custa da ruína do proprietário inocente ou alquebrado no aspecto financeiro servem-se de todos os expedientes para dar largas aos seus desejos de ganância, com fins de pura especulação e de exploração do próximo.
Enriquecer depressa, e à custa de todas as manobras é o lema que norteia em muitos casos, esta categoria de figurantes do tablado da vida mercantilista.
São aceitáveis os meios de fortuna alcançados com o auxílio e a colaboração do público consumidor, mas é crime repugnante pretender obter-se um rápido enriquecimento violando legítimos interesses ou atentando contra a vida desse mesmo público.
Por isso, incumbe às leis penais redobrar de violência na aplicação das respectivas sanções nos casos de delitos contra a economia. A acção dos tribunais, usando da maior severidade contra aqueles que vendem gato por lebre ou burro por vaca, não só exerce medidas de repressão contra os criminosos e de prevenção para o público, mas ainda libertam o comércio honesto da existência de concorrentes desleais, repelentes e desonestos.
A fiscalização não pode cessar, pois o público precisa de ser não só defendido da especulação e da adulteração dos produtos alimentícios, mas ainda de sor suficientemente informado e esclarecido do preço das mercadorias expostas nas montras dos estabelecimentos comerciais, sem necessidade de ter de interpelar os caixeiros, tanto mais que, se uns são atenciosos e amáveis, outros parece que apenas estão ao balcão para vender um antipático mau humor de despedir fregueses.
Os artigos expostos integram-se no âmbito da clássica figura jurídica da «oferta ao público», que, como norma de direito substantivo, tem de ser respeitada e coercivamente imposta.
O Decreto-Lei n.º 41 204, de 24 de Julho de 1957, considera como contravenção punível com a pena de multa de 200$ a 500$ «a falta da afixação de etiquetas nos artigos».
A benevolência da sanção imposta faz com que alguns comerciantes não. cumpram aquele imperativo legal e outros, mais tímidos ou sagazes, usem de autênticos sofismas, dando-se ao trabalho de, com a maior perspicácia e desfaçatez, voltarem às avessas todas as etiquetas apostas nos diferentes artigos expostos, para que o público não possa aperceber-se dos preços por que é oferecida a mercadoria.
O mesmo decreto, que se ocupa ainda «das infracções contra a saúde pública e das infracções antieconómicas», define o conceito de crime de açambarcamento e de especulação e estatui as diversas penalidades para cada uma destas espécies de delitos, que dia a dia se vão multiplicando, certamente por virtude da excessiva brandura dos sistemas punitivos.
É preciso reagir com prontidão e eficácia contra os oportunistas e contra aqueles que, sem respeito pelo seu semelhante, apenas vivem dominados pela ânsia insaciável de lucros.