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8 DE JANEIRO DE 1963

sião de chamar a atenção para a gravidade do problema, «visto o estudo do mesmo haver levado à conclusão de que o aumento do número de doentes mentais é constante de há um século a esta parte».
E, depois de referir as causas desse acréscimo

- «traumatismos físicos e morais, hereditariedade, materialismo, desarmonia, inquietude, insegurança, fadiga, desconfiança, desadaptação e pessimismo»-, a Câmara sugeriu que, sem prejuízo da acção profiláctica, terapêutica e pedagógica, já prevista na Lei n.º 2006, se procurasse dar mais desenvolvimento à acção recuperadora, à assistência psiquiátrica infantil, ao serviço social e ainda à coordenação dos serviços de assistência psiquiátrica com os outros serviços, designadamente com os hospitalares e de saúde pública. Também e o grau de incidência do alcoolismo», segundo o referido parecer, justificava aã criação de serviços especiais de desintoxicação e de psicoterapia, os quais podem abranger outras toxicomanias» (Pareceres da Câmara Corporativa, ano de 1961, vol. II, p. 243).

Ainda que o projecto em apreciação se situe na linha de orientação preconizada e os organismos e serviços a criar ou a desenvolver sejam, de um modo geral, os sugeridos no parecer em referência, nem por isso esta Câmara deixará de proceder ao seu estudo atento, em ordem a rever um ou outro aspecto ou definir, sendo caso disso, nova orientação ou rumo.

B) Apreciação do ponto de vista médico-psiquiátrico

6. A lição da nótula histórica atrás exposta, no n.º 4, é a seguinte: Portugal nunca descurou a assistência psiquiátrica e tem acompanhado desveladamente o curso das ideias que, nos outros países, vão regulando a assistência aos doentes mentais; é mesmo de prever que, transformado em lei o presente projecto sobre a promoção da saúde mental - desde que o diploma seja convenientemente regulamentado e alargados no futuro os meios de acção previstos -, Portugal irá ocupar a vanguarda do movimento, movimento que, em todo o Mundo, cresce e se avoluma no propósito de dar aos doentes mentais os cuidados e tratamentos de que precisam.

Da higiene mental se espera não só deter a marcha do desequilíbrio progressivo, que dá ao Mundo, por vezes, o aspecto de uma casa de orates, mas o renascer de uma nova época em que a cultura, a ciência e a fé o orientem para novos rumos.

7. Várias razões explicam este surto de interesse pelos portadores de doenças e anomalias mentais, seja qual for o grau e tipo dessa diminuição. Em primeiro lugar, verifica-se que o seu número cresce assustadoramente, de modo a constituir hoje a profilaxia e tratamento das doenças do espírito forte preocupação dos Estados. Portugal tem acompanhado, e acompanha, este movimento de humanidade, e poder-se-á dizer mesmo que em breve ficará na vanguarda.

Não é muito distante o tempo em que, para um louco conseguir internamento, era preciso praticar um crime ...; sem tal acto precursor, um psicopata aguardaria durante anos a admissão, que ... não chegava, e, se chegava, recebia o doente já em estado de incurabilidade ...

O conhecimento daquele facto, a melhor preparação dos médicos, a descoberta de um numeroso e rico arsenal de terapêutica e ainda a maior familiaridade que o dia a dia nos traz com os grandes e pequenos psicopatas contribuem para uma maior confiança na acção da psiquiatria; uma maior valorização dos psiquiatras, um confiante interesse pela assistência dos perturbados da razão, permitem a sua descoberta precoce e em grande número. Daí a necessidade, cada vez mais premente e mais necessária, de se proceder a uma eficiente promoção da higiene mental.

Por outro lado, e colaborando no mesmo sentido, a medicina vai sendo orientada num rumo mais humano, tratando, sim, o corpo, mas procurando com igual ou maior interesse encarar os sofrimentos da alma e uma série de alterações de carácter, que levam à perversão, ao vício, ao crime ...

Caminha-se no sentido de se fazer medicina de homens, praticada por homens, em substituição de medicina tecnificada, feita por técnicos, espécie de engenheiros do corpo humano ...

Vai-se reagindo, felizmente, contra a medicina como simples ciência e arte em que se julga possível fazer diagnósticos sem conhecimento do doente, simplesmente à custa de um mundo de gráficos, análises, radiografias, microscópio, da química biológica e em que a própria terapêutica é feita automaticamente segundo a rotina, seja qual for o doente e independentemente da causa da doença.

Freud, com a psicanálise, veio demonstrar que o doente não é só um conjunto de órgãos, sistemas e aparelhos e que a enfermidade não é só o funcionamento anormal de uns e de outros, mas sim um desequilíbrio do ser humano, perante si próprio e perante o ambiente; e veio dizer mais: que toda a doença tem um componente psicológico, que é indispensável considerar e que todo o médico tem de conhecer.

Quer dizer: o médico moderno tem de se familiarizar com a medicina psicossomática e tem de ser médico integral, o que lhe permitirá um melhor e mais completo conhecimento do homem são e do homem doente ...

O médico, deixando de conhecer o doente só por fora - vendo-o - e passando a ouvi-lo, isto é, a receber - ouvindo-o - informações que vêm de dentro, age em mais largos horizontes - a intimidade do homem, a sua humanidade. O médico revelará então maior capacidade científica e maior poder de actuação.

A sua actuação será mais eficiente quando estiver certo de que não há doenças puramente orgânicas, nem puramente psíquicas; não se deve ser médico de órgãos, mas médico de homens.

Se ao médico não interessar apenas o conhecimento das funções cardíacas, renais, hepáticas e outras, mas se, em face do doente, puder conhecer e compreender os seus pensamentos, os seus desejos, os seus temores, se a consulta não for somente um acto objectivo, que permita ver o doente num momento, mas tiver em vista conhecer a sua história, acompanhando no espaço e no tempo toda a sua vida, será possível descobrir mais e mais doentes, será possível surpreender u doença mais precocemente e, portanto, o movimento psiquiátrico ir-se-á avolumando e, de certeza, assistiremos a um maior surto de doentes e de interesse no domínio da psiquiatria e em todos os seus aspectos ...

Estas e outras razões tornaram premente a promulgação da nova lei sobre a promoção da higiene mental.

8. As transformações precipitadas que a humanidade vai sofrendo nestes últimos anos, as numerosas descobertas com que a ciência vai enriquecendo o Mundo, a velocidade com que se vive e para a qual o homem não tem estrutura bastante, a inquietação e a angústia que o atormentam e o dominam deram