1901 24 DE JANEIRO DE 1963
Lembro aqui que a área afectada, actuais distritos de Uíge e Zaire, é maior que Portugal continental, e que, apesar do tempo decorrido e dos esforços despendidos, não tem ainda produções estáveis em que possa basear uma economia, com excepção do café, cultivado em grande escala. Pois, apesar das possibilidades que ela oferece para a agricultura dos produtos naturais do seu solo. e extracção de minérios do seu subsolo, se retirarmos o café, cultivado em grande escala, como já disse, de que o Uíge é o fulcro, no restante território não se passou ainda da fase primitiva, dos pequenos núcleos comerciais em volta das escassas produções indígenas.
A agravar a causa das dificuldades insuperáveis uma constante se verificou sempre, através do tempo, na troca de relações entre os habitantes das duas margens do grande rio Zaire: a atracção dos povos da margem esquerda (Congo Português) pelas facilidades materiais de vida oferecidas na margem direita (Congo ex-Belga). Pondo de parte os conceitos de ordem espiritual, com saldo a nosso favor, e observando o fenómeno objectivamente, causa espanto como pôde chegar ao fim esse processo aleatório dos interesses nacionais.
Contudo, o facto é este. Desde a data de 1855, em que se formou o estado independente do Congo, um pólo magnético se ergueu ali de atracção dos povos do Congo Português, senado por um sortido de bens materiais, variados e baratos, postos ao seu alcance em condições aliciantes de aquisição. Vem daí o começo do despovoamento, que havia de acentuar-se com o tempo e provocar danos irreparáveis.
O Congo Belga de então organizou um comércio poderoso de importação e exportação e estimulou as produções locais em escala sempre crescente. Enquanto lá, na outra margem do Zaire, se processava um desenvolvimento febril de trocas comerciais à sombra da Convenção que favorecia a entrada de mercadorias de qualquer origem, sem diferencial de bandeira, do nosso lado .criavam-se pautas artificiais para evitar o contrabando do Congo Português para o restante território de Angola.
Chegamos assim ao ano de 1910, em que o governador do distrito, primeiro-tenente de marinha José Cardoso, dá conta da situação no seu relatório dessa data, do qual transcrevo os períodos que se seguem:
Dominávamos no litoral a margem esquerda do Zaire e uma estreita faixa da fronteira terrestre do Norte, prolongando ri ocupação do Zaire. Como que desgarrado, nos confins do distrito, estava o posto do Congo, que em então, dos postos do Congo, o mais internado. O posto mais avançado, em relação no litoral, era o Tomboco, a três dias da costa partindo do Ambrizete e a dois partindo de Mucula. O posto mais internado, em relação à fronteira, era S. Salvador, n três dias dessa linha. Para um território maior que Portugal continental, em superfície, eram bem poucos os pontos de ocupação. Excluindo as povoações do litoral, no interior havia os pontos de ocupação do Bembe, Fundado em 1856, Cuango, em l900e S. Salvador, em 1484.
Donde se vá que em 1910, aforo o litoral e os pontos de ocupação indicados, todo o interior permanecia impenetrável. Quanto no comércio, diz o relatório:
Neste lugar (Bembe), onde já se achava estabelecido o comércio português o estrangeiro, afluía a desde muito tempo, e em grande quantidade, o café do Encoge e da Quivuenga, o marfim de aquém e dalém Cuango, a borracha de quase todo o Congo e a malaquite das minas do Bembe, que era comprada aos muxicongos pelos indígenas do Ambriz, que a traziam na quantidade de 200 t a 300t durante o cacimbo, percorrendo o antigo caminho da Quibala.
Era, pois, o Bembe u povoação comercial do interior mais avançada, em 1910, espécie de entreposto que centralizava o movimento comercial de então. Quibocolo e Damba foram fundados em 1911, e Quivuenga em 1912. S. Salvador, u secular capital do território, mantinha a sua presença apenas como simples padrão da ocupação. No litoral havia u importante povoação do Ambriz. sobre n qual o relatório diz:
O Governo entendeu montar ali uma alfândega e alguns comerciantes, tanto portugueses como estrangeiros, do Ambriz a de outros pontos do Sul emigraram, para evitar as pesadas direitos impostos pelo Governo, que sem lhes trazerem quaisquer vantagens, vinham agravar enormemente as mercadorias que até então pagavam consideráveis direitos de trânsito e que continuavam a pagar, depois da nossa ocupação, nos indígenas das regiões intermediárias não produtivas. Foram por isso estabelecer-se no Quissembo, Musserra, Ambrizete, Quinzau e Cabeça da Cobra.
Com a alfândega montada no Ambriz começa a história das pautas aduaneiras, cujas taxas, elevadas para mais e mais, em escalões sucessivos, haviam de actuar como um travão no desenvolvimento do nosso Congo, enquanto no outro lado do Zaire se utilizava o mesmo instrumento em sentido oposto.
Em 1917 promoveu-se a ocupação do Uíge. D comércio do litoral, batido pela crise da b9rracha, tomou o rumo do interior, formou o núcleo do Uíge e daqui derivou para outras regiões. Â ocupação efectiva do Congo Português vem desta época tão pouco distante e, como se verifica, tendo no comércio o seu principal esteio.
Mas o comércio belga tinha firmado já a sua posição de domínio, e os povos do nosso território habituaram-se a caminhar para lá a vender os géneros da sua produção e a comprar toda a casta de artigos de vestuário e de consumo. Não podendo as nossas mercadorias competir em preço com as do lado de lá, esboça-se então luta contra o contra bando. O comércio expõe ao Governo da província as suas dificuldades e frisa que, onde ele não persistir, nenhuma outra actividade poderia vingar.
O fisco, porém evoluiu para as altas taxas, insensível aos brados dos que já sentiam próxima a sua denota. Em 1935, José Melo dos Santos, num artigo publicado no jornal A Província de Angola, explica como se processou essa evolução. Dizia ele:
Pela organização aduaneira de 1892, eram os antigos "residentes" quem dirigia as casas fiscais. Estes funcionários, que geralmente se fixavam na região por largos anos, conheciam e sabiam tudo o que se passava à sua volta em matéria aduaneira, de forma que, com a elasticidade que lhe permitiam as pautas, fácil lhes era defender a região e as actividades económicas estabelecidas no nosso território. Nunca o círculo aduaneiro simpatizou com a independência de que gozavam as alfândegas do Norte e fez tudo o que era possível pára a sua anexação. Finalmente, em 1921, pelo Decreto n.º 89, do então alto-comissário, era colocada na dependência do círculo n organização fiscal do Congo. Datam dessa época as primeiras dificuldades que se sentiram, dificuldades que se agravaram com as pautas de 1928 e chegaram ao estado agudíssimo de hoje com a elevação das