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1904 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 74

semelhante, e da violência em que se vivia com o indígenato, de que se fez abusivamente um regime de efeitos também políticos, se passe para a violência da integração forçada de populações e pessoas que passarão a viver a sua vida distanciados da sua lei e da sua ética, e sem protecção alguma, porque se lhes nega a cobertura jurídica própria das sociedades ou formas sociais intermédias em que se encontrem, e se criem, assim, novos problemas políticos.
Vejamos outras peças fundamentais. A Constituição estabelece, para a ética tradicional da integração como forma de se realizar continuamente a unidade nacional, os processos da descentralização administrativa, autonomia financeira e associação económica, que são os únicos que não destroem as individualidades próprias dos territórios e das' populações do ultramar, e simultâneamente garantem a harmonização e harmonia dos interesses próprios e comuns.
A isto contrapõe a nova tese, à descentralização a centralização administrativa emn Lisboa, porque, diz, «organizações político-administrativas específicas expressas em estatutos especiais são incompreensíveis no princípio da unidade», e acrescenta: «fontes de legislação especial ... cindem a unidade do Poder, são claramente contrárias à unidade política da Nação»; contrapõe à autonomia financeira a unidade financeira, porque exige serviços públicos no ultramar unificados com os idênticos da metrópole, isto é, extensões destes, por via do princípio da uniformidade político-administrativa que impõe a cada Ministério assuma «a sua quota-parte de responsabilidade no governo, de todas as províncias que constituem a Nação» e portanto funcionalismo indiferentemente comum para a unidade política pela «unidade de pensamento e de acção»; e contrapõe, finalmente, à associação económica a integração económica, matéria grave sobre a qual a nova doutrina se não pronunciou ainda em pormenor, o que no seu pensamento não necessita, aliás, fazer, porque está implícito numa ou noutra frase que a este respeito já existe, e implica levar-se a consequências extremas o preceito constitucional pelo qual «a organização económica do ultramar deve integrar-se ria organização económica da Nação portuguesa, mesmo que seja preciso passar por cima do preceito que garante expressamente a vida paralela de regimes económicos privativos das províncias do ultramar, esquecendo-se, portanto, que a integração na organização económica geral da Nação só pode ser uma integração de regimes económicos e portanto uma associação económica e não a sua fusão».
O contraste resultante do paralelo das formas nas duas teses parece-me evidenciar com eloquência o contorno exacto das posições mentais, o que ajuda a ver qual das duas está mais próxima ou mais distante das realidades e das conveniências, isto é, qual é a que melhor realiza a simultaneidade dos interesses nos planos nacionais, provinciais, sociais e individuais, considerando que nos planos sociais há gamas definidas em razão das etnias, das migrações, das religiões, das culturas, da instrução, das economias, de tudo o mais que me não ocorre c ainda da incidência especial que cada um destes factores pode ter nos outros e dá uma amplitude considerável ao problema das microssociedades.
Desçamos ao plano familiar ou individual, ponhamos cada elemento na posição de facto de uma conjuntura em perpétuo movimento e chegaremos à conclusão inevitável do que cada pessoa, cada família, cada grupo, é um caso com psicologia própria nos movimentos do construção, destruição, contradição, transformação, evolução e todos mais que caracterizam as sociedades modernas geradas nos fenómenos coloniais. Atendeu-se à especificidade deste espantoso mundo social, que procura criar formas definitivas de estabilidade que se recusam a tudo senão ao instinto dos interesses?
A meu ver, toda esta filosofia dos princípios está contemplada instintivamente também no estatuto constitucional, que nunca se afasta da realidade de uma tal forma que sempre a contempla.
Porque surgiu então a ideia de uma integração rígida, a jacto? Não é preciso congeminar, porque podem ler-se frases tão expressivas como estas: «surpreende que se possa esperar de uma orgânica não unitária outra evolução que não seja a da autonomia, outro termo que não seja, a curto ou a longo prazo, a plena independência»; «a existência de quadros separados só pode justificar-se numa política de autonomia»; «... uma política de que há muito não é legítimo esperar outro resultado que não seja o da secessão inevitável dos territórios, como amplamente o provou a evolução da política de associação levada a cabo pela França em alguns dos seus territórios africanos e de que u nossa é uma simples cópia ...».
Estas frases traduzem, a meu ver. uma ideia dominante, que é uma reserva mental, que consiste em impor uma aparência de integração imediata, que é impossível, por meio de uma máquina que se destina efectivamente a prevenir outros riscos possíveis que nu realidade se não extirpam mas agravam.
Esta integração fulgurante, que pretendo de um dia para o outro realizar no papel a unidade nacional por uma extensão total ao ultramar dos regimes jurídicos da metrópole, pretende afinal criar uma falsa integração política por processos meramente formais e externos, antes de se ter verificado a integração social pela socialidade das pessoas e dos interesses, e, portanto, a comunhão das vontades. O seu ânimo é outro, não é do homem, que foi completamente esquecido sob a forma do aparentemente lembrado.
Vejo esta doutrina pensada em termos metropolitanos, para funcionar de uma banda só, porque integração nacional não é, a nosso ver. a integração do ultramar na metrópole, mas a integração dos vários e diferentes territórios e povos do ultramar, e do território e povo da metrópole, numa nação que se chama Portugal, e toma o nome particular da nossa metrópole por honra sua e nossa.
E digo que esta doutrina está pensada em termos metropolitanos para funcionar de uma banda só, por se falar com abundância em centralização metropolitana, por se subestimar a realidade social ultramarina tão complexa e heterogénea, por se insistir no absurdo da unificação dos quadros, com dependência dos respectivos Ministérios, e portanto das suas sedes, que serão as naturais e distantes portas de entrada, por se condenar o salutar e tradicional princípio da especialidade das leis, e por se ousar contrapor ao que se classifica de «unidades criadas pelas orgânicas particularistas das províncias» as «limitações que lhes impou a orgânica metropolitana que as subordina».
Quem está portanto a pensar em termos de império?
Quem está dedutivamente, a partir de uma «afirmação política de unidade», a construir uma orgânica unitária em governo, administração e economia, «capaz de dar conteúdo o coesão» a essa afirmação?
Quem está também a gizar uma prática fora das realidades possíveis, para obedecer a uma coerente especulação teórica das ideias, e se recusa a partir da realidade social, que é o único conteúdo capaz de constituir-se em força coesiva para a formulação de, uma doutrina que