2082 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 82
Sr. Presidente, Srs. Deputados: os domínios do regime de causalidade dos acidentes de viação situam-se, em resumo: na própria estrada, nos condutores automobilísticos e de motociclos, nos ciclistas e nos peões.
Todos sabemos que grande parte da nossa rede de estradas - de 27 909 km - sofre de características impróprias para as grandes velocidades que os potentes carros de hoje podem imprimir. Os pavimentos são estreitos, os traçados - são ainda em muitos casos os originais, do tempo em que a curva era atracção turística de mudança de paisagem nas viagens pachorrentas, do tempo em que a terraplenagem barata era a premissa dominante do engenheiro que as concebia - enfermam de acidentados e de sinuosos, com sequências impressionantes e longas de curvas e contracurvas, sem visibilidade e de raios apertados, sobretudo em toda a zona enrugada a leste da orla marítima a norte do Tejo.
E é indiscutível que tais traçados constituem perigo proeminente para a viação acelerada. A atestá-lo está o número elevado de acidentes nas muitas curvas da morte que há por esse país fora, acidentes que em 1961 foram em número de 3134 e ocasionaram 126 mortos.
Todos nós sabemos que assim é, e sabe-o, com muito mais propriedade e conhecimento de causa, a Junta Autónoma de Estradas, que vai corrigindo e abrindo novos traçados, à medida que lho permitem as disponibilidades do Tesouro. E nunca será de mais fazer um apelo ao Sr. Ministro das Finanças para que concentre na actualização da rede de estradas o maior vulto de verbas que lhe for possível.
Mas por maior que seja o esforço ninguém espera com certeza que as nossas rodovias permitirão nos próximos vinte anos andar por toda a parte a 100 km à hora.
O que importa, entretanto, a quem nelas anda é admitir o princípio de que o perigo existe, respeitar o condicionamento que sobre ele o Código da Estrada exerce e adaptar a velocidade à sinuosidade e aos embaraços do trajecto que percorre.
Nem sequer adiantaria imputar-se ao precipício a responsabilidade da morte de quem para ele se arremessa.
Na estrada é a sinalização que merece, no entanto, um apontamento de alta discordância.
Peca a sinalização por tal irregularidade e deficiência que o automobilista prudente não confia nela. Há por aí muita curva, em planta e em perfil, apertada e sem visibilidade, sem qualquer espécie de aviso, e há bastantes pontos de percurso, de acentuada proeminência de perigo, que se não compreende que não estejam vincados por sinal de especial relevo, clamando por rigorosa precaução, aos que se distraem ou aos que desconhecem que a estrada ainda comporta ratoeiras de tal natureza.
Um outro ponto digno de reparo, pela aflição que provoca, quantas vezes calafrios profundos e acidentes, é que se permita a circulação em estradas de pavimentos estreitíssimos de enormes veículos pesados de larguras descomunais, que apanham literalmente as faixas de rodagem.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Quanto aos condutores automobilísticos e de motociclos: pelo poder destruidor das máquinas que conduzem, poder que está só nas suas mãos eliminar, pertence ao domínio dos condutores o regime da maior causalidade e da maior responsabilidade, do sombrio cortejo dos acidentes das rodovias: são a velocidade exagerada e desordenada, a ultrapassagem arriscada, a manobra perigosa, o seguir fora de mão e o encandeamento de faróis não cruzados, toda uma série que o condutor sabe evitar se quiser, série que provoca a colisão,- o atropelamento ou o despiste, conjunto que, em natureza, reúne a grande maioria de acidentes e vítimas.
Muitos destes provocadores da morte são os novatos, os que vêm para a estrada com a carta fresca, alardeando ã psicose da alta velocidade, do passar à frente, do golpe de vista, toda uma insensatez atrevida, que tem na raiz a descrença na materialização do acidente que, por principiante, ainda lhe não aconteceu, insensatez que só não seria criminosa se- os outros não tivessem de morrer por causa dela.
Como minimizar o perigo dos novatos? É possível que se, a par do conhecimento do Código da Estrada, ao candidato a condutor se exigisse perfeito conhecimento da estatística tenebrosa dos últimos anos - o número de acidentes, as suas causas, a maneira de as evitar, o número de mortos e feridos que ocasionam, o valor dos prejuízos materiais e as responsabilidades em que incorre quem os pratica -, é possível, dizia, que algum amadurecimento precoce se conseguisse.
Os outros, os provocadores da morte, embora mais veteranos, parece que já deveriam ter tido tempo de acusar receptividade de tudo o que já lhes aconteceu e das campanhas de prevenção e de persuasão de que já tiveram conhecimento. Para bastantes ainda é provável que, infelizmente, só a intensificação de uma vigilância das estradas poderá conduzir a resultados concretos, intensificação que, no entanto, a exiguidade do quadro de agentes do corpo da Polícia de Viação e Trânsito e dos meios de que dispõem não permite por agora assegurar com regularidade. Por esse motivo, apoiamos inteiramente o Sr. Deputado Cancella de Abreu na defesa que fez da necessidade de reforçar quadros e equipamento da nossa Polícia de Viação. Que circula pela estrada encoberto potencial de perigo demonstra-o o número de autos de transgressão e o volume de multas aplicadas nas campanhas especiais que, embora com dificuldade, a Polícia de Viação consegue promover em períodos de acentuado clamor.
Os 462 000 velocípedes constituem outro grande perigo da circulação rodoviária, que deve o não ser mais catastrófico ainda apenas ao limitado recurso energético do motor humano que os movimenta.
Pedalam os ciclistas por essas estradas fora, aos esses largos e profundos, sós ou a dois no mesmo velocípede, com ou sem luz, quantas vezes em grupos que abrangem toda a largura das faixas de rolagem, num impressionante desfile de ignorância ou desprezo por todos os preceitos e deveres que o Código da Estrada lhes impõe.
Como consequência da indisciplina e da desordem do tráfego velocipédico não surpreende o elevado número de 14 294 ciclistas que em 1961 estiveram implicados só em acidentes registados, embora nem sempre lhes tenha pertencido a culpa.
Uma demonstração inequívoca dessas indisciplina e desordem está no resultado de uma das campanhas de vigilância intensificada a que aludimos, da qual resultou a autuação e multa de 19 791 ciclistas nos meses de Novembro e Dezembro últimos, autuação e multa na sua grande maioria ocasionadas por falta de luzes, reflectores e infracção às regras de trânsito.
E, embora elevado, como é, o número dos ciclistas apanhados em transgressão, esse número representa com certeza moderada percentagem dos que em transgressão transitam.
No capítulo de velocipedistas somos de parecer que a sem-cerimónia e o alheamento de responsabilidade com