2078 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 82
são os dias da semana mais sobrecarregados de tragédias na estrada. Quanto às horas, as compreendidas entre as 17 e as 20 são as de sinistralidade mais elevada.
Desejo referir-me a este propósito a uma notícia há dias inserta na imprensa e divulgada em telegrama de agência estrangeira referindo uma informação da Comissão Económica da O.N. U. (sempre ela!) para a Europa.
Aí se diz que «Portugal é o país que mata mais peões em acidentes de automóvel».
Como é óbvio, trata-se de mais uma fantasia jornalística, não sei até que ponto inocente, mas que pasmo não tenha sido filtrada por elementar reflexão do bom senso.
Exacto é, como já deixei referido, que das vítimas de acidentes mortais de viação em Portugal, no ano de 1961, quase 50 por cento eram peões, quando é certo que essa percentagem é ligeiramente mais baixa em. Inglaterra (40 por cento) e se situa entre 25 e 30 por cento nos outros países, se as indagações da O. N.º U. são exactas.
Mas daí a dizer-se que «de todos os países civilizados Portugal é aquele que mata mais peões em desastres de automóvel» (cito textualmente o título da notícia que tenho aqui presente) vai um abismo.
Em números absolutos - e não pode entender-se que se refira a coisa diferente a fantástica notícia - os 339 peões sacrificados em acidentes de trânsito em Portugal no ano de 1961 são apenas gota no lago imenso de sangue dos acidentes de viação «nos outros países civilizados». Afoito-me a arriscar como seguro que longe desse número anual não andará o contingente de peões mortos mensalmente ou até semanalmente (não sei se diariamente até) em alguns desses civilizados países.
São assim as estatísticas. Servem para tudo, mesmo para se convencer o Mundo de que Portugal até no número de peões sacrificados ao trânsito é um país execrável.
Porque se não disse honesta e simplesmente que a proporção de peões mortos em acidentes de viação, em relação ao total geral das vítimas, era em Portugal superior à verificada em alguns países?
Fica-se a pensar que a esse género de jornalismo interessa menos a verdade do que um título sensacional e agressivo de resumo mal digerido.
Pena é que ao menos a imprensa diária portuguesa se não tivesse abstido de acolher e sublinhar a desagradável aleivosia.
Revertendo ao tema - acidentes dê viação - relembro um excelente trabalho apresentado ao I Congresso Nacional de Automobilismo e Aviação Civil, realizado no Porto em Abril de 1935, pelo meu bom amigo Dr. Mário Madeira, actual presidente do Automóvel Clube de Portugal, com a sua especial autoridade. Denominava-se ele «A segurança, problema fundamental da circulação». São ainda bem actuais as suas considerações e conclusões. E já que me não é possível resumi-las aqui, enunciarei- no entanto o ordenamento dos temos: I) A estrada; II) Os veículos; III) Os condutores; IV) A regulamentação do trânsito e a educação dos peões.
Quanto à estrada, factor básico da segurança na circulação, sabemos todos que, não obstante o enorme es: forço feito pela Junta Autónoma, as nossas estradas estão ainda longe de corresponder às exigências actuais do tráfego.
A rectificação e alargamento de muitos traçados inadaptados às velocidades normais de hoje e às dimensões asfixiantes dos camiões de grande tonelagem, a supressão de autênticas ratoeiras, estrangulamentos e curvas de raio diminuto, obras em que a Junta-Autónoma de Estradas se empenha com- êxito digno de reconhecimento, urge acelerá-las e generalizá-las. De resto não se pense
que só em Portugal existem ainda estradas difíceis, ou mesmo perigosas.
Posso dar o meu depoimento sobre numerosos troços de estradas de grande trânsito, por esses países da Europa Ocidental, que constituem desagradáveis surpresas. A par de realizações magníficas, lá fora também há estradas estreitas, de traçado incómodo e pavimentos deficientes, e sobrecarregadas com trânsito ainda mais denso do que entre nós. E não esqueçamos que principalmente no Norte de Portugal o acidentado do terreno encarece e dificulta extraordinariamente o lançamento ou actualização das estradas.
Quanto aos veículos lembrarei a necessidade de uma fiscalização regular sobre o estado dos pneus, direcção e travões, com um mínimo de formalidades e incómodos. E quanto aos veículos que atinjam certa idade, vistorias periódicas, essas mais rigorosas.
Relativamente aos condutores afigura-se-me ser indispensável a criação de um serviço de verificação psicofísica, através de testes adequados, a realizar em anexo especializado de cada direcção de viação. O despiste de contra-indicações para a condução, indispensável em geral, mas predominantemente para os condutores de transporte colectivo de passageiros, deveria efectuar-se através de testes realizados por pessoal médico especializado, dispondo de aparelhagem apropriada. A que existe no Instituto de Orientação Profissional, como é evidente, só poderá praticamente atender Lisboa e o seu termo, e sabemos que não é sistemática e generalizadamente utilizada em relação aos candidatos a condutores, ou nas revisões periódicas a que estes estão sujeitos. Seria um grande passo, afastando da condução indivíduos sem o mínimo de possibilidades psicofísicas para uma condução capaz.
Lembra-se ainda que o critério adoptado para o exame de condutores, sem que se lhes exija uma prova convincente de condução em estrada à velocidade que normalmente irão circular, é mais dirigida ao apuramento das habilidades do condutor nas inversões de marcha e voltas e voltinhas a 20 km à hora do que a ajuizar das reais aptidões e possibilidades de condução nas circunstâncias normais de trânsito na estrada.
Queria deter-me ainda, e não é sem tempo, num aspecto particular da problemática dos acidentes de viação: o da supressão ou atenuação dos riscos de insolvabilidade dos responsáveis por acidentes de viação, assunto aliás tratado com certa objectividade e interesse pelo nosso estimado colega Dr. Folhadela de Oliveira.
Aceite na doutrina e na legislação portuguesas o princípio da responsabilidade objectiva, baseada na teoria do risco, segundo o princípio ibi ónus ubi emolumentum, consignada no artigo 56.º do Código da Estrada, na prática verifica-se que em muitos casos, e desde que não haja seguro, b lesado na sua integridade física ou património nada receberá por insolvabilidade do responsável. A experiência de todos os dias confirma-nos o asserto, em todos os aspectos, inclusive no pagamento dos encargos assistenciais decorrentes do tratamento das vítimas.
Daqui o desenhar-se de há muito uma corrente de opinião no sentido de. tornar obrigatória a transferência da responsabilidade civil emergente de acidentes de viação, como pressuposto da possibilidade de circulação de quaisquer veículos. Só assim se suprimiria o risco de insolvabilidade dos condutores ou proprietários de veículos.
Valerá a pena no entanto lembrar que teve já alguma voga a tese de que o seguro obrigatório poderia concorrer para incrementar a sinistralidade de viação, uma vez que o condutor ao abrigo de seguro, como sabe que não irá supor-