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6 DE ABRIL DE 1963 2279

De quando em quando lá vai à nossa imprensa dando notícia de alguns casos que alarmam a opinião pública, sobretudo daqueles que partem de rapazes que, lendo pelas modernas cartilhas de educação, se entregam a um viver existencialista (como sei dizer-se modernamente), e que, apresentando-se elegantemente vestidos, de ar agarotado, se perdem pelos bares e cafés, dando-se ares de artistas, descontraídos e relaxados, de linguagem livre, cultivando a anedota e a piada picante que por vezes, cáustica até os próprios familiares.
Nas horas de ócio que lhes restam deste viver despreocupado, sem trabalho sério e útil, entregam-se a actos delituosos, de rebeldia, indisciplina e selvajaria, que põem em sobressalto as famílias que vivem onde eles actuam e que precisam de ser defendidas na sua segurança e tranquilidade, nas suas pessoas e nos seus bens.
As deficientes condições económicas dos agregados familiares, que durante muito tempo foram consideradas factor principal da criminalidade, estão a deixar de ter essa relevância, esbatendo-se também o valor da afirmação de que por cada escola que se abrisse se fecharia uma prisão.
Isto quer dizer que muitos desses jovens libertinos e transviados são filhos de boas famílias, é certo que são poucos ainda os casos que conhecemos, através de uma experiência vivida e sentida, mas os que são do nosso conhecimento chegam para temermos o futuro da nossa juventude transviada, a maior parte das vezes por negligência paterna. Os pais, alheados em muitos casos da vida íntima dos seus filhos (pela absorvente vida social), permitem-lhes uma perigosa liberdade de acção, sob pretexto de que a vida actual não é nem pode ser aquela em que foram disciplinadamente criados e educados.
Tão ligeiro conceito confunde-os e dá-lhes, entretanto, uma errónea noção do que é criar e educar. Presos a esse conceito deplorável, entregam-nos a si próprios e procuram, muitas vezes, por todos os meios ao seu alcance, evitar que eles venham a expiar as suas faltas nos estabelecimentos tutelares ou prisionais adequados.
Vem todo este arrazoado como simples intróito para chamar a atenção desta Assembleia para o importante diploma legal que o Diário do Governo de 27 de Março findo publicou - o Decreto-Lei n.º 44 939 -, emanado do Ministério da Justiça.
Estabelece esse diploma «as sanções de punição para os crimes de furto de quaisquer veículos, peças ou acessórios a eles pertencentes e de objectos neles deixados e de furto do uso de qualquer objecto».
A expansão extraordinária dos veículos motorizados nos tempos modernos teve como consequência o aparecimento de gatunos especializados nos furtos em série de bicicletas, motos e automóveis e dos respectivos acessórios.
Desde há tempo que a nossa imprensa vem apontando o grave perigo que, à semelhança do que acontece noutros países, constitui o furto de veículos ou do seu simples uso, exigindo sérias medidas repressivas, dada a frequência com que estava a processar-se e a gravidade que, em certos casos, revestia.
Nota Ernst Seelig, no seu Manual de Criminologia, que «nos Estados Unidos da América o roubo de automóveis na cara da Polícia passa por ser uma prova desportiva entre os jovens delinquentes». «Até que se inicie a perseguição do carro roubado - diz o citado autor - já o ladrão lhe tem modificado a chapa do número de matrícula e - se o carro não deve servir, mesmo temporariamente, para outro fim criminoso e ser abandonado em seguida num caminho transversal - também o seu aspecto exterior (pintura com outra cor), assim como a matrícula gravada do motor e do chassis».
Felizmente, as coisas entre nós ainda não chegaram a este grau de apuramento, mas é de crer que, se não existissem as necessárias medidas repressivas, os nossos jovens começariam a deslizar com frequência maior, e de maneira insensível, para este género de actividades anti-sociais, uma vez sabido que é o gosto da aventura e do risco que impele os jovens para a prática de graves crimes e para os procedimentos mais pervertidos.
Na maioria dos casos os jovens ficavam impunes quando cometiam delitos desta natureza, não só porque a maior parte das famílias se demitiu da acção educativa que sobre os filhos tinha obrigação de exercer (não considerando criminosos estes actos e deixando-os dar largas aos seus piores instintos), mas também porque a lei penal, na sua finalidade intimidativa e repressiva, não correspondia às exigências actuais.
Na verdade, aos pais e educadores tem faltado coragem, firmeza e decisão para empreender a reforma educativa necessária, aquela que começa no seio da própria família e que ainda é a única verdadeiramente construtiva e eficaz.
Muitos pais e educadores que hoje se queixam da rebeldia e indisciplina dos jovens estão a colher aquilo que semearam: umas vezes, por vergonhosa abdicação, cedendo a todos os caprichos e exigências dos filhos, esquecendo-se de que em educação a ausência de autoridade é tão funesta como o excesso dessa autoridade; outras vezes, abandonando por comodismo a estranhos os cuidados que deviam ter com os filhos e faltando-lhes com a influência que mais lhes penetra na alma - o exemplo.
Por outro lado, com a lei então em vigor surgiam divergências doutrinais na sua interpretação, o que acarretava critérios diferentes de condenação; enquanto para uns o crime de furto do uso de um veículo estava contemplado no artigo 58.º, n.º 7.º, do Código da Estrada, correspondendo-lhe uma pena até seis meses de prisão, para outros o crime teria de ser definido de acordo com o preceituado no artigo 421.º do Código Penal. E como as penas cominadas no referido artigo estavam dependentes do valor da coisa, ter-se-ia de considerar no furto do uso do veículo apenas o menor valor que este passaria a ter para o seu dono.
Daqui se deduzem já os inconvenientes da lei antiga:
1.º Diferentes critérios de condenação, dadas as divergências doutrinais e jurisprudenciais existentes;
2.º Extrema dificuldade em determinar o prejuízo do dono do veículo, quando os tribunais entendessem que o crime teria de ser punido de acordo com o previsto no artigo 421.º do Código Penal, que atendia ao valor da coisa;
3.º Brandura com que tais delitos eram punidos, o que constituía como que um incentivo ao crime, por o fio se alcançarem os tão desejados fins de intimidação ou prevenção.
Protestos se levantaram, pois, na imprensa contra o facto de estes prevaricadores não serem, por vezes, punidos ou de o serem com demasiada benevolência, o que levava as próprias autoridades policiais a fecharem os olhos e a desinteressarem-se da acção repressiva e punitiva.
Foi a todas estas dificuldades e lacunas que o ilustre titular da pasta da Justiça, Prof. Doutor Antunes Varela, sempre atento aos superiores interesses da Nação, veio pôr termo com a publicação do Decreto-Lei n.º 44 939, de 27 de Março findo, diploma legal que pune «em ter-