6 DE ABRIL DE 1963 2281
Não repetirei o que então disse. Algum curioso de arquivos fique sabendo que foi a 12 de Março de 1962 que isso aconteceu e que ficou exarado no Diário das Sessões n.º 44. Um ano depois, todavia, o assunto ganhou actualidade inquietante, que é meu dever - e não o enjeito - aqui denunciar.
Em que consiste essa acuidade?
Possibilitada a fácil vinda e retorno de turistas, verifica-se uma insuficientíssima capacidade hoteleira, pois que não se pode fazer turismo com 1000 lugares em hotéis, recusando os visitantes que afluem. O turista que chega não vem encontrar uma zona de turismo estruturada. Por outro lado, não basta receber forasteiros e efectuar o arranjo turístico da ilha. É necessário produzir para alimentar o habitante e o turista, a fim de a vinda deste último não corresponder a um descontrolarei aumento do custo de vida.
«O que acontecerá ao funcionalismo público - dizia eu há um ano - e a quantos vivem de rendimentos e ordenados fixos, perante o aumento do poder do oferta que u afluência turística provocará...?
Há hotéis no Funchal que têm já importado do estrangeiro alguns géneros alimentícios...
Os resultados do turismo, como única grande indústria possível na Madeira, serão limitados se a tempo se não coordenar e planificar a sua economia».
Estamos, assim, em face de dois postulados: o turismo precisa não só de transportes regulares, mais de hotéis enquadrados numa estrutura turística.
Uma zona de turismo pressupõe uma infra-estrutura agro-económica. Quer dizer: os dois elementos clássicos agricultura-indústria dizem-se aqui agricultura-turismo.
Chegou-se, na verdade, ao limiar da nova era de turismo para a Madeira, do renascimento de uma indústria em que ela foi pioneira, celebrizando-se no século passado e no primeiro quartel do actual.
Os seus vinhos generosos, a doçura do seu clima e a maravilha da sua paisagem tornaram-na então mais conhecida que o nosso próprio país.
Numerosa e cosmopolita gente enchia os seus hotéis de montanha e casinos, hoje fechados, e alguns hotéis de beira-mar que puderam sobreviver. Doentes do peito vinham procurar a cura. na «Suíça do Oceano». Era num tempo em que não havia pressa em chegar ou partir, em que as férias se não encarceravam, como hoje, em rigorosos limites de tempo, obrigando o turista apressado a partir de Londres, Paris ou Nova Iorque no dia X e regressar no dia Y, deixando a sua agência de viagens a responsabilidade da hora e dia da partida e regresso.
Os ingleses construíram no interior da ilha ou à beira-mar as famosas «quintas» e em lugares por vezes distantes, de difícil acesso nesse tempo, encontram-se hoje casas solarengas rodeadas de parques e jardins que só um grande amor a essa terra pode ter erguido.
No interior da ilha, em lugar paradisíaco, um súbdito britânico construiu uma destas «quintas» e determinou que, após a morte, fosse para ali seu corpo trasladado. No meio de flores silvestres e de vegetação luxuriante, o túmulo do cônsul Henrique Vitch, nó sítio do Jardim da Serra, em plena montanha madeirense, é um símbolo da nossa vocação turística.
Ora o turismo de hoje pressupõe uma estruturação e um ambiente turístico que abrangem hotéis, pousadas, night clubs, piscinas, restaurantes típicos, centros de desporto, etc.
A adjudicação do jogo, que continua a esperar-se, interessa, evidentemente, na medida em que se obtenham vantagens turísticas.
Importa fomentar e proteger com urgência a indústria hoteleira, sob pena de graves prejuízos. Não se negue neste caso à gente da Madeira qualidades de iniciativa. Há poucos anos concluiu-se, com capitais madeirenses, o Hotel Santa Isabel e está em via de conclusão um pequeno hotel residencial. Um outro hotel, que se deve exclusivamente à iniciativa e capitais madeirenses, projectou e vai realizar a ampliação e modernização das suas instalações, com o aumento de 100 quartos. A burocracia estatal, todavia, dificulta-lhe já há tempos o financiamento das obras, embora o hotel valha meia dúzia de vezes mais do que o empréstimo pedido.
Surgiu também uma sociedade por quotas, a Soturna, que pretende construir um hotel de 2.ª classe, para o qual estão a subscrever-se entusiasticamente dezenas e dezenas de madeirenses. Tais iniciativas bem merecem do Estado neste momento auxílio substancial em financiamento o assistência técnica imediata.
Tem-se falado muito, a propósito do projecto de decreto-lei n.º 520, da necessidade de localizar as novas indústrias em locais onde o nível de vida seja mais baixo do que nas zonas já industrializadas.
A localização da indústria de turismo em regiões como a Madeira e o Algarve vem de encontro a este princípio. Daqui apelo para o Sr. Ministro das Finanças no sentido de que sejam investidas verbas substanciais na estruturação do plano regional destas duas zonas de turismo, fora da rotina das escassas verbas do S. N. I., como experiência de planeamento regional de uma indústria em que o capital investido é altamente rentável.
Em relação à Madeira isto teria de significar a solução do conjunto agricultura-turismo, aspecto local daquela simbiose agricultura-iudústria a que se referiu o Sr. Deputado Alfredo Brito. Este binómio é implacável. A Madeira tem, como o continente, a sua monstruosa capital, a cidade do Funchal, que engloba com os seus arrabaldes um terço da população da ilha.
O agricultor, disperso pela zona rural, só indirectamente lucrará com o turismo, e será, como o funcionalismo, vítima desse turismo pelo acréscimo do custo de vida que já começa a sentir-se, se, paralelamente ao fomento turístico, não houver a planificação e coordenação das actividades económicas. Daí ter de vir a encarar-se no futuro a possibilidade de um acréscimo dos ordenados do funcionalismo, como já acontece em parte na ilha de Santa Maria, nos Açores.
O planeamento agro-económico-turístico da Madeira deve incluir, entre outras coisas, a prospecção dos mercados externos, a disciplina de preços, a estruturação a nível distrital dos organismos directivos de carácter económico corporativo e pré-corporativo já existentes, o fomento de produção hortícola especializada e da floricultura, a remodelação da indústria sacarina, em ordem a prepará-la para a integração económica do espaço português, a criação de pequenas indústrias de farinha e conserva de bananas que venham cobrir os deficits acidentais de exportação ou os superavits de produção, a motorização dos barcos pesqueiros e a criação de uma escola de pesca, aspectos pelos quais se tem batido o comandante Moura da Fonseca, actual capitão do Porto do Funchal, para que uma vaga de progresso invada um sector rotineiro da actividade local.
O solo madeirense é fértil e a água abunda ao longo das suas ravinas e ribeiras, mas a rotina de séculos pesa sobre à lavoura, esgotada aqui e além por culturas demasiado intensivas.
Créditos, máquinas adaptáveis aos socalcos madeirenses a utilizar em certa escala, assistência técnica mais