23 DE JANEIRO DE 1964. 2965.
sofreu nos nossos dias a confirmação de válidas teorias científicas.
Quanto à educação intelectual, sem sistematização ou instituições escolares, baseava-se toda ela nas necessidades da vida, poderei mesmo dizer que se orientava para a completa integração do indivíduo no seu habitat.
Assim se concluirá ao estudarmos que essa preparação se iniciava bastante cedo e se diferenciava segundo o sexo.
Aos homens era dada uma educação cuidada no sentido da sua integração útil na comunidade em que vivia, com vista a uma futura colaboração no sustento e desenvolvimento dessa mesma comunidade.
Exercitando o jovem para a sua futura actividade, quer de caçador, pescador, navegador ou agricultor, a educação tendia para um completo desenvolvimento dos conhecimentos na arte em que ia entrar, procurando não só proporcionar-lhe a maior súmula de conhecimentos técnicos, como os hábitos das espécies com que teria de lidar. Exercitava-se assim a inteligência, a memória e a imaginação, muito embora de forma fragmentária e incidental sem qualquer preocupação de harmonia ou de formação integral das faculdades humanas.
Mas era bastante eficaz o sistema para o rudimentar ambiente cultural de então, pois que os pais, sentindo por si a necessidade de lutar para a vida, buscavam formar os filhos de forma a diminuir-lhes a falta de conhecimentos que sentiam, procurando dar-lhes a maior acuidade e precisão para poderem rapidamente desembaraçar-se dos perigos e surpresas de que a vida, permanente e difícil, do contacto com a Natureza é fértil.
Vemos, sem grande poder de abstracção, desenvolver-se nesses povos uma educação intelectual que lhes permite uma interessante representação sensorial e um grande poder de imaginação como o atestam os contos, cânticos e lendas bastamente documentados nos estudos sobre as civilizações dos Astecas e dos Inças.
Não há, verdadeiramente, senso moral, sómente uma lei natural que os levava à prática de regras morais que procuravam incutir, por vezes com excessiva dureza, no espírito dos jovens. Muito embora considerado degradante o castigo corporal, era admitido o sofrimento do corpo como necessidade para a admissão do jovem na comunidade, uma vez que, chegado à puberdade, necessitava de se libertar da vida de infância, como que numa morte para a vida irresponsável de criança e um ressuscitar para a existência de uma vida de adultos cheia de responsabilidades e deveres para com os mais velhos e a comunidade.
Para não demorar o estudo a que venho procedendo sobre a educação dos povos primitivos com o fim de estudar numa escala de valores a evolução do sistema educativo, limito-me a transcrever as conclusões a que chegou, no seu estudo sobre a matéria da lei natural entre os povos primitivos, Alexandre Le Roy e que reúne os caracteres fundamentais das religiões professadas por esses povos, e que foram a base da sua educação moral:
Distinção entre o mundo visível e o mundo invisível; sentimento de dependência do homem em relação a esse mundo superior; senso moral baseado na distinção entre o bem e o mal; sentido de pudor, de justiça, de responsabilidade, da verdade e do dever; conhecimento explícito ou implícito de consciência moral: noção de pecado como sanção aplicada pela autoridade do mundo invisível ou seus representantes; estabelecimento e organização da família como centro social e religioso procurando conservar a pureza do sangue, impondo leis, distinguindo-se por notas especiais, fortalecendo-se por alianças (totens), transmitindo-as nas tradições, sobretudo por ocasião das principais fases da vida: nascimento, adolescência, casamento e morte.
Em resultado de estudo sério já Mühlman concluía que é nessas sociedades primitivas que a educação toma a forma mais simples. Aí não existe nem escola nem método e dificilmente se pode concluir da existência de alguma forma do ensino diferenciado, sendo, como já disse, toda a educação um processo de adaptação para a vida, conhecidas que eram as dificuldades pela sobrevivência da espécie. Note-se, porém, que, apesar de toda a vida entre esses povos se situar no âmbito da sobrevivência, nem por isso era esquecida a necessidade de preparação da parte espiritual, em obediência a regras rígidas de disciplina interior, estimulada pelo fortalecimento do conteúdo físico que, em nenhuma civilização, deixaram de acreditar os povos que da alma era o corpo.
Verifica-se, no entanto, ao procurar uma sistematização intencional que não existia, uma natural tendência, forçada pelo instinto dominante da espécie, para a escravização do homem à vida terrena e ao medo:
Essa tendência domina toda a civilização dos povos orientais e é base do sistema educativo dos Hindus e dos Chineses. Enquanto com o advento do cristianismo se encaminha para a criação de uma pessoa humana independente e consciente de si mesma, nesses povos procurava-se criar o espírito de renúncia, de servidão consentida, e de desprezo pela vida.
Suspendendo aqui esta minha viagem através da história da civilização, pois que prolongá-la seria longo e fastidioso, quero tirar as conclusões a que me propus para a apresentação da minha intervenção. .
A educação da juventude foi desde os tempos conhecidos a principal preocupação dos povos, ligada, e isto é notório, à necessidade de sobrevivência. Desde então, educar para viver foi o fim supremo, mas nunca foi esquecido que para a felicidade do homem não era possível educá-lo senão com vista a uma satisfação de ordem espiritual que, não sendo conhecida, era sentida. Quer dizer: desde sempre o homem foi preparado para a vida, com maior ou menor liberdade, mas foi com o advento do cristianismo que ele foi elevado à condição de senhor da Natureza, de pessoa humana com a dignidade dessa condição. No entanto, prevaleceram sempre as formas de educação tradicionais: física, intelectual e moral.
Essas formas de educação variaram na ordem de importância nas diferentes épocas da civilização, segundo o conceito de valor que representavam em relação ao homem.
Compreende-se assim o humanismo pedagógico que caracterizou o espírito educativo da antiguidade clássica, bem como o cristianismo pedagógico que dominou os primeiros séculos da expansão cristã e toda a Idade Média; o neo-humanismo em que se baseavam os métodos nos séculos XV a XVIII, o naturalismo pedagógico dos séculos subsequentes e, finalmente, a tendência para uma finalidade técnica que domina em todos os aspectos a finalidade educativa nos nossos dias.
Embora com vista a um aperfeiçoamento, a educação de hoje reage contra o passivismo e o intelectualismo e preconiza a aplicação de métodos didácticos activos e atraentes, adaptados ao desenvolvimento livre e espontâneo da criança, com o conhecimento profundo da psicologia infantil. Vemos que a educação, no seu significado natural, que deixei esquematizado ao estudar a educação entre os primitivos, se aproxima muito do conceito hoje aceite da educação.
Tal como então, três preocupações são hoje esteios do sistema educativo: liberdade funcional, educação sensorial