5 DE FEVEREIRO DE 1964 3109
exigir uma documentação complicada, com intervenção de autoridades, e não confiar o encargo simplesmente ao conselho de directores de ciclo ou equivalente? Já se terá pensado que nas famílias menos abastadas escasseiam, mercê das condições de vida, do trabalho, da alimentação, da distância, os meios de evidenciarem os talentos dos filhos? Quer-me parecer que a isenção de propinas deveria ser prémio à classificação, dado de ofícios, na secretaria ou reitoria, sem saber de meios de vida, e, por outro lado, deveria ser faculdade atribuída a esse conselho, mediante pedido, a que se seguiria a decisão, fundamentada em nota positiva e em informações confidenciais obtidas pelos seus membros e exaradas na acta respectiva.
Deveria também ser permitida a isenção a meio ou em qualquer altura do ano, para ocorrer a uma necessidade inesperada da vida familiar. Estou convencido de que não há nenhum liceu que atinja a percentagem legal de isenções.
Mas no ultramar, perante a imensidade das massas a que se vai fazendo necessário ministrar educação, não vejo justificação a que se mantenha a cobrança de propinas, até em quantitativos mais elevados do que na metrópole, como é o caso de Moçambique. De resto, quanto a mim, a cobrança de propinas acarreta um preconceito, que é o da selecção de acordo com os meios financeiros de cada agregado familiar, e, atendendo a que hoje pouco se pode fazer na vida quando se não disponha da habilitação num curso secundário, quer-me parecer que não deveriam ser cobradas antes de se atingir a Universidade.
Às considerações já aqui feitas em intervenções cheias de elevação e demonstrativas de estudo sério e aturado não escapou também o tratamento do professorado, a cuja função se não atribuem as compensações materiais, sociais e morais suficientes para atraírem a ela os melhores vaiares humanos, e ao qual se não faculta a promoção a graus de ensino mais elevados; em suma, não escapou a gravíssima carência de pessoal docente devidamente habilitado, que aqui perturba serviços escolares e tem reflexos ampliados no ultramar; esse tratamento leva geralmente à necessidade de esforços suplementares que tenham compensação monetária, como seja a administração de números excessivos de horas extraordinárias de regência.
Todas essas considerações me merecem aplauso incondicional, e para este fundamento-me não só nas dificuldades por vezes invencíveis ou quase em que o ultramar se vê para obter os seus professores, mas também na tarefa imensa que lá se apresenta à missão de ensinar.
Não resisto à tentação de apresentar um pormenor que é exclusivo daquelas terras e que, embora não dependa directamente nem do Ministério do Ultramar nem do da Educação Nacional, não deixa de ter influências na possibilidade de se recrutarem professores, no quadro permanente da metrópole para lá prestarem serviço: trata-se da suspensão de todos os direitos contratuais de seguro aos que se encontram filiados num dos montepios antes de se ausentarem para a África; é doloroso que quem vá daqui perca a esperança de deixar a família no relativo conforto material, em caso de incapacidade ou morte, que lhe garantia a filiação no montepio, a não ser que, ao regressar à metrópole, requeira a autorização para pagar todas as quotas correspondentes ao período da ausência e suspensão consequente; se este período foi prolongado, tanto se amontoaram as quotas que se não podem pagar, e lá se foram as esperanças, que os réditos do ofício não permitem erros de orçamento e os filhos estão crescidos.
Conjecturo que uma das causas estará na existência de entidades seguradoras oficiosas, de carácter mutualista, privativas de cada província; outra pode ter consistido nos
atrasos na percepção das quotas por parte da entidade metropolitana, ou até nas contingências a que estaria sujeita a saúde ou integridade física do segurado em tempos que já lá vão; não posso, infelizmente, dar-me imediatamente ao trabalho de ir averiguar os fundamentos desta disposição regulamentar, sem dúvida nenhuma ponderados devidamente a seu tempo.
Mas há um objectivo a seguir, e, em nome deste, se tanto for necessário, parece-me dever sugerir que se realize um estudo em conjunto, talvez uma conferência, quer por iniciativa de um dos Ministérios, quer pela de qualquer dos organismos interessados, e em que todos, até os segurados, tenham audição.
O país é o mesmo: deve estudar-se a forma de garantir a continuidade do seguro ao professor que vai daqui ou de lá vem, sem o obrigar a reposições, que, mesmo feitas em prestações, serão tanto mais difíceis quanto maior tiver sido a demora, isto é, quanto mais tempo tiver durado a suspensão.
Não conheço as possibilidades de acomodação que o objectivo comporta; mas, porque me parece que a sua efectivação representa um passo decisivo no terreno da atracção do professor, chefe de família ou não, ao ultramar e se ajusta ao sentido missionário da nossa acção educativa, não me esquivo a vincar-lhe aqui a importância e a recomendá-lo ao interesse e decisão dos conselhos administrativos, das mesas e do próprio Governo.
Não posso esconder perante VV. Ex.ªs a acção dos nossos padres missionários, sempre igual a si mesma e sempre intensa, ao longo dos rastos de luz que veio deixando pela história fora. Mais do que um erro grosseiro de avaliação de factos, isso corresponderia a atentar contra a dignidade do próprio país que lhes propiciou campo à dedicação e até ao sacrifício glorioso. Tudo se deve fazer para que ali continuem a ser intérpretes do ideal de amor a Deus e à pátria comum, que é Portugal.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas o País tem poucos que lhes mande em auxílio, e, se só à sua conta anda o ensino de crianças cujo número se avizinha dos 400 000 em Moçambique, em breve deitará as mãos à cabeça quando a massa escolar do ensino de adaptação e do ensino primário bater à porta dos liceus e das escolas técnicas. Sei bem que este problema ocupa o espírito do Sr. Ministro e do Sr. Governador-Geral, bem como o das direcções a que está afecto, e manifesto a firme convicção de que se não negará ensino a quem quer que o procure.
No ensino secundário tenho presente o exemplo de um liceu feito há cinco anos para uma frequência de 500 alunos e em cuja única edificação se abrigam hoje quase 1300; mais um ano lectivo, e virá a triste realidade da porta fechada a uns quantos, ou a solução da rápida acomodação deles em nova casa.
O problema complicou-se com a dificuldade de obter professores para a regência de um dos mais importantes sectores do plano de estudos, sem o qual uma centena de alunos se acharia, à entrada da Universidade, numa desvantagem de consequências fatais.
As cidades têm muitas filhas de família munidas de um diploma de habilitação para o magistério primário e que o não exercem para não terem de ir para as escolas do sertão, povoadas de horrores em tantas imaginações, longe do conchego da família e dos atractivos da civilização. É profundamente humano.
Não há professores, queixa-se o mundo, que lhes não paga, e queixa-se Portugal, onde já rareiam os candidatos