22 DE FEVEREIRO DE 1964 3353
Mas, para além desta, chamemos-lhe -não «vento», que seria excessivo, além de suspeito-, e antes, «aragem da história», para além dela, dizíamos, algo diferente não teria contribuído para, entre nós, agravar o seu influxo? Conjuntura tal não haveria sido coadjuvada por certas orientações e medidas por de mais directas e estritas tendentes a contrariar a natural inclinação oscilante dos preços, que reduzem o consumo ao subir, e facilitam o escoamento ao baixar? Suponho bem que sim.
Isso deve, em espécie, fixar-se no trigo e na evolução que o respectivo regime cerealífero legal tem sofrido, desde os fins do século passado que lhe instituiu o proteccionismo a, que a memória de Elvino de Brito anda perduràvelmente vinculada.
Tendia originàriamente esse proteccionismo a fomentar na metrópole o incremento da produção trigueira, em termos a corrigir o ónus com que a sua importação pesava sobre a nossa balança de comércio.
Muito de substantivo se conseguiu através dessas medidas em termos de proveito para a lavoura e para o abastecimento do País. Mas sobreveio o novo regime, apoiado na bem conhecida propaganda demagógica desencadeada para o efeito, com o fácil engodo do embaratecimento da vida a que o consumidor corrente é sempre tão sensível. Foi a célebre propaganda espirituosamente ao tempo cognominada do «bacalhau a pataco».
Não podia ela deixar de reflectir-se no desejo de tender a. fixar favoravelmente ao consumidor o preço do pão. Foi o chamado «pão político».
Sobreveio a guerra de 1914 e os duros períodos da sua duração, agravada pela escassez de meios que a nossa intervenção nela acarretou, e aí temos a necessidade de ajustamento dos preços que a quebra da moeda impôs, com a premência do risco de o País ficar sem trigo, cuja produção se restringia, e ter de recorrer de novo cada vez mais à importação caríssima desse cereal base. E isto com a agravante da incidência de retorno, de a correspondente exportação de divisas contribuir para agravar a depreciação monetária.
Ora, quanto, materialmente, tais ocorrências provocaram o estado de deterioração económico-financeira que nós sabemos, no plano dos valores do espírito estavam elas, contudo, a preparar o terreno político para o sobressalto nacional que explodiu no 28 de Maio.
Naturalíssimo que o problema do abastecimento cerealífero do País fosse de logo encarado como indispensável e coerente complemento da reforma financeira promulgada pelo Doutor Oliveira Salazar, e aproveitando-se precisamente a aura de confiança que ela insuflou.
E assim, sob o clima do tempo, se explica e justifica «a Campanha do Trigo», que bem honra a memória do Ministro Linhares de Lima. Não obstante os inconvenientes e, porventura, exageros que mudanças de circunstâncias têm posto a nu, teve ela próximos e benéficos efeitos, sobretudo pela sua contribuição para o abastecimento do País, já desde a guerra de Espanha, mas, sobretudo, durante a segunda guerra mundial.
E porque vem a propósito do benefício que a produção trigueira trouxe ao País neste período difícil de guerras, não posso deixar de relembrar - já há dias em aparte aludi ao facto - idêntico benefício que ao País trouxe o incremento, protegido pela garantia de preços e assistência técnica, do arroz; e, até certo ponto, da batata - esta sob a espécie de semente. Permitiu tão previdente protecção que o abastecimento do País na emergência se comportasse razoavelmente, em contraste com a forma difícil e desordenada como se desenrolaram os correspondentes factos no período da primeira dessas guerras.
E, ainda a este propósito, em 1939-1945, não dispúnhamos da marinha mercante suficiente que hoje adquirimos, graças às sábias e previdentes medidas a que está ligada a iniciativa de S. Ex.ª o Almirante Américo Tomás e nos tem permitido fazer face à guerra que nos movem no ultramar.
Tanto basta para mostrar quanto neste ponto os encargos que o erário público tem suportado, embora de entrada o não parecessem, têm sido baratos para os proveitos que nacionalmente deles colhemos.
Vínhamos falando, antes do enunciado destes episódios atinentes ao mesmo tema, das sucessivas implicações políticas do regime cerealífero e estávamos aludindo ao benefício que dos resultados dessa campanha do trigo nos adveio durante a segunda guerra mundial.
Foram tabelados diversos preços de artigos de primeira necessidade para se resistir, como conseguiu resistir-se, a um natural movimento de alta incontrolada, de pânico quase visceral, próprio de tais circunstâncias. Volvidos, porém, os cinco anos da guerra, verificou-se o contrário do que me parece se deveria ter vindo operando precavidamente, e que por respeito ao consumidor - além da preguiça a favor do que está -  se não fez: irem-se soltando os preços tabelados, embora gradualmente. Na França, seguiu-se critério diverso, com o inquestionável benefício do não empobrecimento da sua lavoura. Fez-se isso cá também, quanto às lenhas e ao milho, no consulado económico do Sr. Eng.º Vieira Barbosa. E o facto não trouxe realmente sobressalto apreciável.
Isto trazemos à colação particularmente visando o problema pecuário, tutelado pelos tabelamentos das carnes no comércio, que alguns oradores que me precederam sabiamente focaram e cuja matéria aqui fora já largamente debatida, quando há anos do aviso prévio do Sr. Eng.º Nunes Mexia, douto pai do ilustre Deputado que aqui há dias tivemos proveito de ouvir.
Com efeito, falamos deste produto rural, e com ele ligado o do leite, pelas palpáveis incidências económicas do seu tabelamento. Este, que, passada a guerra há muito, também hoje podemos qualificar de político - estratégico, se preferirem -, também tem acarretado repercussões graves.
Com efeito, tal sistema tem provocado a deterioração do interesse e até do gosto do lavrador pelo seu gado, que vai reduzindo, com graves e bem notórias consequências: para a economia da Nação, a de ter de importá-lo para o abastecimento público, e para a terra-madre, a do correspondente empobrecimento em indispensável matéria orgânica.
A progressiva deficiência de matéria orgânica algo deve ter contribuído para o estado de esterilidade que se verifica no Alentejo actualmente, embora nem só isso a explique. Aliás, parece que fraca recuperação de húmus para o efeito comporta a estrumação verde.
Assim concluiu o Sr. Engenheiro Agrónomo Almeida Alves no seu estudo sobre o «Problema da manutenção da fertilidade na agricultura do Sul», extractado recentemente no n.º 26 de Temas Económico-Agrários, publicado pela Junta de Colonização Interna.
Esta deficiência de matéria orgânica por certo se tem repercutido em todas as terras do País, sobremaneira nas magras, embora a sua apreciação escape à sensibilidade imediata. Não deixa contudo de pesar gravemente na fertilidade dos campos, a qual não pode ser-lhe restituída por simples incorporação de adubos químicos e correctivos. Aqueles aplicados estremes «queimam as terras» - os lavradores assim dizem - famintas de húmus, estes