22 DE FEVEREIRO DE 1964 3351
cão agrícola. E, se assim fosse, certo seria que a crise da agricultura não teria talvez surgido ou, pelo menos, não teria atingido a gravidade que lamentamos.
Certo é, porém, que assim não foi e a realidade é hoje bem diversa.
Cingindo-me ao distrito de Castelo Branco, direi que dos sons 670 000 ha se encontram arborizados cerca de 21,5 000 ha. o que representa 32 por cento aproximadamente da área total.
Poderá fornecer uma taxa relativamente elevada em relação à percentagem de outras regiões de menor florestação. É, porém, sensivelmente idêntica à percentagem geral do País; mas isso deve-se, sobretudo, à mancha de pinhal da parte ocidental do distrito, abrangendo os concelhos da Sertã, Proença-a-Nova, Oleiros e Vila de Rei, que, só por si, cobre um pouco mais de um terço de toda a, área florestada do distrito.
Não possuindo solos ricos, à parte a Cova da Beira, as zonas marginais dos cursos de água mais volumosos e alguns solos aluvionais e constituindo o conhecido complexo xisto gresoso das Beiras vasta extensão da sua superfície, o distrito de Castelo Branco é florestável em 70 por cento da sua área, na autorizada estimativa do Eng.º Gabriel Gonçalves.
Isto é, estão por florestar mais de 50 por cento dos sectores carecidos de vegetação, no total de 250 000 ha.
«No ritmo do reflorestamento actual escreve aquele proficiente técnico - necessitaríamos de 50 anos para atingir aquele objectivo - a florestação completa de 70 por cento da. Beira Baixa: mas - continua - devemos reduzir aquele prazo para 20 anos, por uma questão que não será exagero denominar de sobrevivência».
Este ritmo não será de sobrevivência apenas para a Beira Baixa, mas para todo o País.
Na Europa, que avança para a economia comum, de alta rentabilidade, nós temos, para nela coexistirmos em nível digno, de lançar-nos à conquista de todos os nossos recursos, com coragem e sem perda de tempo, sob pena de mais agravarmos o nosso atraso, já que, como ensinou Varrão há 2000 anos e o Sr. Ministro da Economia citava há dias - rés rústica sic est, si unam rem sero feceris, omnia oporá sero facies.
Quanto comentei - uma política económica institucional, acertada, segura e bem definida, uma instrução de base acrescida de um ensino profissional agrícola adequado, uma técnica correspondente ao nível científico do nosso tempo, a reconversão de estruturas com relevância para o sector florestal - serão condições de progresso ou sobrevivência. Não explicam, porém, só por si, a actual situação da lavoura nacional, por vezes desoladora. Mesmo sem aqueles pressupostos, não se alcança justificação paria certo comportamento oficial em relação à agricultura.
É inegável que «o grande volume da agricultura justifica para ela as maiores atenções; tudo o que afecta a agricultura para bem ou para mal afecta no mesmo sentido toda a economia portuguesa», como se lê no douto parecer da Câmara Corporativa sobro o I Plano de Fomento. Mas das palavras aos actos vai aqui distância grande. E começa logo por notar-se nos próprios planos de fomento a desigualdade de tratamento dispensado à agricultura, que aí também aparece como enteada da economia nacional.
No I Plano de Fomento, não obstante a relevância nele reconhecida à lavoura, na qual trabalhava então 50 por cento da população activa nacional, da qual vivia cerca de .metade da população metropolitana, apenas 10 por cento dos investimentos foram destinados ao sector primário. Os sectores secundário e terciário - indústria e serviços - foram contemplados com quase 90 por cento dos 12 500 000 contos que representaram o total dos investimentos daquele Plano de Fomento.
A diferença é excessiva para que fique sem reparo. Se até aí a agricultura vinha já atrás da indústria com todos os inconvenientes sociais .para a maioria da população metropolitana, a partir de então o atraso mais se acentuou, o que viria a reflectir-se social e psicologicamente, e de modo incisivo no lamentado êxodo rural, lamentado, sem razão, aliás.
O II Plano de Fomento, ora a chegar ao fim, acudiu em parte a tão flagrante desigualdade de tratamento, mas não foi ao ponto de remediar a injustiça.
Dos 21 milhões de contos que constituíam o total dos seus investimentos, atribuiu à agricultura 17,3 por cento, no total de 3 630 000 contos.
Houve aqui já um tratamento mais justo, mas que ainda assim, na diferença que resulta do seu confronto com o dispensado aos restantes sectores, parece confirmar que no pensamento oficial a lavoura continuava a ser o parente pobre ...
Parente pobre quando é ocasião de contemplá-lo em planos de fomento, em concessões de crédito, em privilégios e regalias fiscais ou de outra natureza.
Mas parente rico quando se trata de lhe exigir sacrifícios de toda a ordem e que nesse caso se supõe com capacidade para suportar ...
E assim não deixa por vezes de aflorar pelo menos certa ironia nas comunicações oficiais ou oficiosas que vêm anunciar que a lavoura comprará os adubos, os tractores, as demais máquinas e os combustíveis ao nível médio europeu. E parece generosa concessão equipará-la à dos povos da Europa quando se trata de lhe vender o de que ela precisa.
Mas quando é o caso de ser ela a vender o que produz, então o nível a ter em conta já não é o médio europeu, mas talvez o africano.
E que a lavoura portuguesa, a que compra o que precisa ao nível médio europeu, é, em toda a Europa, a que menos recebe pela carne que vende - e seja ela de origem bovina, suína, ovina ou outra. E outro tanto se verifica em relação ao vinho e ao azeite, duas das maiores produções da agricultura nacional. Pois também aí os agricultores portugueses têm de invejar a sorte dos seus colegas europeus, que vendem esses produtos por preços por bem mais compensadores. Nos cereais, salvo o arroz, que a lavoura nacional vende pelo mais baixo preço da Europa, a situação melhora um pouco.
Mas importará ainda acrescentar que os preços a que a lavoura vende os seus principais produtos, além de serem dos mais baixos da Europa, também no próprio mercado interno não têm acompanhado a evolução dos preços dos produtos industriais. O índice de crescimento neste excede cerca de 70 pontos o índice de crescimento dos produtos agrícolas. Se estes acompanhassem os primeiros, a lavoura estaria a receber anualmente alguns milhões de contos a mais, tal como recebe a indústria. E daí penso que não adviria a inflação a que aludiu o nosso colega Dr. Armando Cândido.
O Sr. Armando Cândido: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça obséquio.
O Sr. Armando Cândido: - Uma revisão pura e simples encaminhada no sentido da alta dos preços seria o caminho aberto para a inflação. Mas admiti a revisão apertada dos circuitos de distribuição, de modo a beneficiar o produtor, e admiti ainda uma actuação selectiva