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11 DE MARÇO DE 1964 3549

não sair do culto de Portugal, combatendo a invasão do mau gosto, do incaracterístico, do que não é nosso.

Vozes:. - Muito bem!

O Orador: - Até as pedras dos muros sem interesse- sugeri, como quem leva a sua ansiedade até o mais extremo reduto - hão-de ser ajeitadas a nosso modo.
Por outro lado, condenei a adulteração dos nossos costumes e tradições e o desfazimento das nossas obras de arte, que reforçavam o carácter único da vida do nosso povo e davam mais arcaboiço à nossa personalidade.

Bem novo ainda, li com repassado gosto e não menor proveito aquele precioso livro do sadio Ramalho O Culto da Arte em Portugal, que deveria constituir breviário obrigatório de quantos frequentam as escolas, e jamais esqueci a mágoa com que o lídimo escritor censurava o egoísmo dos que em arquitectura trabalham unicamente para si - «sem cuidados de futuro, sem pensamentos de continuidade de raça ou de família, deslembrados de que teremos vindouros» - e relacionava muitos dos feios atentados até ali verificados contra tantos e tão venerandos monumentos.

Com a leitura desse admirável livro é que comecei verdadeiramente a apreciar a genuinidade da nossa arte. Assim, foi com a maior satisfação que, nas citadas declarações do Subsecretário de Estado da Presidência, reparei no empenho vivamente manifestado em relação à «defesa do cunho original da arquitectura e decoração regionais».

É de extrema relevância, como factor de valorização turística, o cuidado a pôr no exame dos projectos dos edifícios a construir e no restauro dos que foram já sacrificados às inclemências do mau gosto. Se todas as cidades, vilas e aldeias do Mundo fossem iguais não valeria a pena sair das nossas para nos demorarmos a ver as outras. Seria a monotonia decepcionadora, o tédio paralisador.

No Rio de Janeiro, por exemplo, além da paisagem sem par e do frémito português transplantado para a outra margem do Atlântico, não foram os prédios de muitos andares - os caixotes muito altos e muito envidraçados, apesar do clima tropical - que me entusiasmaram. Foi tudo o que por lá encontrei ainda contido na feição tradicional, como que oculto na concha do tempo, com receio do camartelo impiedoso. E não é porque a grande urbe, apertada entre o mar e os morros, não tivesse e tenha, aqui e além, de ser aumentada, devido ao incessante crescimento da população. Mas tudo se poderia fazer seguindo, tanto quanto possível, a pureza das antigas construções, que traduzem ainda o esforço dos que as ergueram com fé de perpetuidade.

Neste domínio, e no que nos toca, urge travar uma forte batalha extensiva a todo o País, na qual as câmaras municipais terão, de tomar parte muito activa, e nem só as câmaras municipais, o ensino público e particular, de forma a conseguir-se em toda a linha a consciencialização do magno interesse turístico da originalidade arquitectónica portuguesa.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Designadamente os arquitectos terão de responder em cheio ao apelo, estudando e compreendendo o nosso estilo, para o prolongarem e melhorarem, porventura, baseando nele novas concepções.

O que está a avolumar-se para aí são modelos estranhos às peculiaridades das nossas velhas traças arquitectónicas e vários sonhos vindos na bagagem de emigrantes e que se materializaram à sombra de cortas indiferenças e tolerâncias que importa combater e fazer desaparecer.

Em arquitectura temos de banir a adopção do figurino estrangeiro, a teimosa ideia - tão infeliz como obstinada - de construir como lá fora.

Sejamos portugueses, até no desvelado amor ao feitio dos nossos beirais.

E a imaginação dos arquitectos deste país subirá de fecundidade, pois não terá a influenciá-la o desenho de construções estranhas ao seu próprio sentimento, mas as características arquitectónicas portuguesas que lhes estão nos olhos e na alma, reclamando o aproveitamento da sua riqueza típica. Para tão benéfica influência deverá concorrer a pratica adquirida na reintegração do nosso património artístico, que cumpre levar a cabo, não parando um só dia, sendo de justiça salientar o muito que já se tem feito através do esforço desenvolvido - notável esforço, direi mesmo- pelo Estado, sobretudo, e por alguns organismos administrativos e até pelos particulares que têm sido despertados pelo exemplo oficial ou pela sua própria consciência.

Temos de curar as feridas ainda abertas nos monumentos que por esse Portugal fora suportaram danos sem perdão e não deixar que a paisagem se perca com enxertos impróprios ou não condizentes.

Já ouvi falar de uma lei da paisagem destinada a salvaguardar a beleza panorâmica dos nossos territórios. Bem necessária é essa lei mesmo que não se verificasse o actual incremento na utilização dos terrenos para a construção de edifícios o de vias de comunicação. Aí deverão ter a palavra e as correspondentes tarefas os bons arquitectos paisagistas, e pena tenho de não os ver já a trabalhar por toda a parte.

O fenómeno turístico também se funda, e muito, em argumentos de ordem estética.

A propósito apraz-me salientar o feliz acerto com que o Sr: Deputado Nunes Barata encara o problema no seu aviso prévio, dizendo a respeito da inolvidável Coimbra as seguintes palavras que gostosamente recordo:

Impõe-se, na verdade, não afastar Coimbra da sua vegetação secular, mas antes devolver à paisagem regional um possível sentido de natureza intacta ou, ao menos, um equilíbrio biológico que se oponha à degradação de um utilitarismo grosseiro, de uma desordenada presença do exótico ou até a prenúncios de uma monotonia pré-desértica.

Pegue-se no que foi assim dito com referência à paisagem de Coimbra e aplique-se a todo o nosso património paisagístico, para que o mesmo não se reduza em face da necessidade de o valorizar e aproveitar.

Sr. Presidente: o turismo é uma arte de grandes e pequenas coisas. Encontradas as directrizes essenciais, elaborados, aprovados e executados os projectos, tudo dentro de planos conscienciosa e modelarmente estudados, haverá sempre esquemas de valorização a prosseguir através de grados e mínimos pormenores.

Por isso, o turismo é uma obra de devoção constante e de paciência sem limites, à qual ninguém se deverá eximir, pois a todos caberá o benefício.

Temos já esboçada uma política de turismo para a hora do turismo português.

«Sistematizar intervenções públicas e privadas; planificar, sem entraves; coordenar, sem prepotências; animar, respeitando inicativas alheias» - são normas de acção traçadas com sereno e fundado propósito por quem tem nas mãos o governo do turismo em Portugal.