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3834 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 102

vez, a um rebate de consciência, posto o problema da mesma forma em relação a si próprios e às suas próprias ocupações!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nesta Casa, porém, onde se doutrina política e moralmente o País, faço gosto em afirmar que tal raciocínio constitui um insulto à luz dos mais elementares princípios da moral cristã que tanto se apregoa e dos quais se faz frequente alarde nos discursos, que está mal porque, constituindo exploração do trabalho intelectual, é sem dúvida razão de insegurança e motivo pouco aliciante para futuros aspirantes à medicina, dos quais, é já evidente, tanto precisamos. Basta dizer para provar a minha asserção que no ano lectivo de 1952-1953 estavam inscritos nas Faculdades de Medicina 1250 alunos e em 1962-1963, dez anos depois, apenas 1100! Se, compararmos esta baixa apreciável com o aumento verificado em todas as outras Faculdades, excluindo a de Farmácia, o fenómeno ainda se torna mais impressionante.
Se tivermos presente que, na Europa, Portugal é o país de menor percentagem de médicos, que a população aumenta à volta de 800 000 pessoas de dez em dez anos, que a procura do produto médico é cada vez maior e que não podemos esquecer-nos de que temos províncias ultramarinas que também precisam de médicos, teremos dado uma ideia da gravidade do problema. Tudo isto, não tenhamos dúvida, por falta de estímulo!
A acumulação de erros, a imposição de critérios demasiadamente pessoais onde deveria apenas presidir o interesse geral, a falta de um programa de conjunto e as más condições técnicas de alguns hospitais, postos e postozinhos, serviços e serviçozinhos, o aviltamento material e que somos votados, a falta de estímulo profissional e a inacreditável possibilidade oferecida a qualquer de mandar em médicos conduziram ao afastamento dos jovens pela profissão médica!
Esta não tem hoje, salvo raras excepções, qualquer atractivo além de um consolo meramente espiritual!
E, na verdade, quem desejará ser médico, sabendo que nos hospitais se não paga condignamente e até na maioria das vezes se não paga mesmo nada aos médicos pelo seu exaustivo trabalho e que na medicina conduzida, chamemos-lhe assim, se desce a pagar menos de $20 per capita (!) e que por este preço ternos de ser médicos e criados atentos, veneradores e obrigados?!
Em presença de perspectivas tão aliciantes, quem realmente, sem ser rico, poderá aventurar-se a esta vida?
Em 1962 o relatório do Conselho Regional do Porto afirmava que em 19 concelhos havia menos de 5 médicos, em 6 Concelhos, 3. em 5,2, e em 3. apenas 1. No mesmo relatório afirma-se que em 1957 havia no distrito do Porto 3912 médicos e que em 1962 o número era de 1516, isto é, menos 396! Em 3954 na metrópole e ilhas havia um médico para. 1400 habitantes, o que nos colocava na cauda das nações europeias. O mais grave, porém, é a sua distribuição, descendo a relação em muitos distritos a 1 para 3000. A situação de então para cá tem-se agravado e se entrarmos em linha de conta com o ultramar a penúria é ainda mais acentuada! Num relatório do Conselho Regional do Lisboa afirma-se que um pouco mais de 50 por cento dos médicos inscritos na Secção Regional de Lisboa reside na capital!
No campo das especialidades então aí II coisa é alarmante. Em 1960 diz o relatório sobre as carreiras médicas. quase todas as cidades sem cardiologista, neurologista, psiquiatra, muitas sem analista, cirurgia geral, obstetra, oftalmologista, radiologista, etc. Ainda há dias um catedrático da Faculdade de Medicina do Porto dizia da falta de técnicos radiologistas do novo hospital escolar do Porto. A situação, presentemente, é a mesma ou pior, pois em 1963 não houve requerentes à especialidade de psiquiatria e apenas houve um exame de neurologia, quatro de cardiologia, dois de cirurgia geral e dois de ortopedia. Apenas três novos analistas, quatro urologistas e cinco radiologistas.
Em presença do fenómeno que venho relatando, o que vier a acontecer não é culpa, certamente, dos médicos que há anos vimos chamando a atenção para o nosso anabático problema, mas ao qual se não dá ouvidos!
Mas o problema é ou não nacional? Deve ou não ser encarado superiormente sem quaisquer partidarismos? Deve ou não subordinar-se ao interesse geral, que é, afinal, um dos nossos lemas, ou situar-se como até aqui sem articulação sensível puxando cada um a brasa à sua sardinha, como se a brasa não fosse a saúde e o bem-estar de cada um de nós e a sardinha não fosse também uma só - a Nação?
Persistir-se-á em exigir aos médicos os maiores esforços e os maiores sacrifícios em nome da caridade? Uma virtude que se nega a si própria não tendo em consideração o trabalho e o pão desses obreiros intelectuais, virtude que só vejo desejada, e apenas se teima em manter a propósito dos médicos e da saúde e assistência?
Mas qual caridade, aquela que apenas se exige a uma classe? E de que maneira colaboram as outras?
Servindo-se dela. criticando ou dirigindo!
A caridade é fundamentalmente uma excelência do espírito e só neste domínio deverá ser-nos exigida. Consequentemente, a caridade para médicos e enfermeiros residira nas relações com os outros homens, na maneira carinhosa de observar e tratar os doentes, no sacrifício que fizermos em prol dos outros sem olharmos a quem. Não se confunda, porém, caridade com escravização do homem médico pelos outros homens em nome de uma virtude que se contradiz no momento em que, falseando o próprio conceito de Caridade, explore indignamente o seu trabalho e a sua inteligência! Não podemos esquecer que o exercício da Medicina é uma enxada como tantas outras.
Que fique bem esclarecido que ao médico não será lícito exigir outra caridade que não seja a resultante das suas relações afectivas com os outros homens: o sacrifício das noites de vigília, o carinho e a dedicação permanente ao doente e ao estudo e fé na sua própria profissão. Termina aqui esse primor do espírito, que é sentimento, e não o pão dos próprios médicos!
Sempre que se afloram problemas ligados e, saúde e assistência é certo e sabido lá vem a caridade! A caridade é nosso desejo que frutifique não só para consolação espiritual e índice de humanização dos povos, mas ainda pela utilidade em que pode materializar-se; contudo, há-de ser tida como achega e não base de qualquer sistema de assistência. Desejamos a caridade, mas em meu entender não devemos contar necessariamente com ela!
A saúde e assistência, como qualquer grande problema nacional, só com planos de fomento se resolverá, e não com caridade, certamente, pois ainda não a invocada em qualquer dos outros sectores da administração. Por que então esperar nesta matéria tanto da caridade?
E o País, julgo, não essa assim tão cheio de milionários que possam fazer caridade que se veja, ou está?
Mas vamos lá admitir, como num bonito sonho, que alguns davam a ajuda suficiente para cobrirmos o País de magníficos edifícios eficientemente apetrechados. E o