8836 DIÁROIO DAS SESSÕES N.º 152
Depois disto temos o direito de admirar-nos que cada vez se matriculem menos alunos em Medicina?
É evidente que é injusto pagar-se por exemplo $60 per capita, mas chega a ser ridículo se ponderarmos, que para uma população de 3022 pessoas o médico perceba apenas 1700$. Ora como teoricamente o médico não deveria ocupar-se de mais de 4000 pessoas, pressupõe-se que desse trabalho teria de bastar-se a si e aos seus condignamente e, portanto, teria de viver com 2400$! E que dizem a isto aqueles que gastam ou ganham por dia à volta dessa importância ou um pouco menos?!
Mas mesmo 1$ per capita, que é, segundo creio, o que está preconizado, não é de modo algum um valor aceitável quanto mais a justa recompensa dos cuidados e canseiras e sobretudo a prisão inerentes à função de médico de uma Casa do Povo. havemos de convir!
Façamos as contas, atentemos na dignidade que se exige ao médico, ao custo de vida, e se alguém chegar a conclusão diferente que mo demonstre.
E as férias dos médicos das Casas do Povo e das delegações das caixas de previdência, que são pagas pelos próprios médicos, pois tem de deixar um substituto quando se ausentam sem direito a qualquer indemnização por isso? No entanto, no restante mundo do trabalho, todos os dias assistimos a contratos de trabalho aos quais não faltam e muito bem o requisito de férias pagas!
Enfim, como consolação, tenho ouvido alguns dirigentes, não sei se por gentileza, dizerem que nós médicos temos carradas de razão. Pois bem, apesar de termos razão, de sabermos onde está o mal, de já o termos proclamado numa atitude que ninguém com isenção poderá julgar de irreverente, de termos as tais carradas de razão, a verdade é que continuamos na mesma.
Mas como é que os médicos poderão abdicar da remuneração dos seus serviços nos hospitais e nos restantes organismos que prestam assistência se a vida está cada vez mais cara, se as contribuições aumentaram substancialmente, e se a clínica livre, salvo raríssimas excepções, pelo menos nas terras pequenas, quase desapareceu?
No meio de tudo isto não vejo que a solução se não possa encontrar desde que haja franca colaboração dos homens e organismos que interferem neste magno problema. A este respeito contava-nos, numa reunião de médicos, certo dirigente que uma entidade estrangeira, em presença da nossa dispersão e variedade de serviços de assistência, comentou que nós deveríamos ser muito ricos para nos darmos a este luxo.
Mas se assim não fosse lá iria perder-se o prazer e a figura que se bota quando a certa altura da visita ao organismo se diz assim: «e agora vamos ver os nossos serviços de assistência!»
De tudo o que deixamos atrás assinalado podemos tirar logicamente pelo menos seis conclusões:
1.ª Neste momento não chegariam os médicos existentes para uma eficiente cobertura do País europeu, quanto mais ultramarino;
2.ª Que têm diminuído os candidatos ao curso de Medicina enquanto a população aumenta e são mais requeridos os «eus serviços;
3.ª Que tudo isto resulta da falta de coordenação e estímulo profissional:
4.ª Que os serviços, de uma maneira geral, não são eficientes por falta de meios materiais e técnicos;
5.º Que, apesar de tudo, os médicos são tratados como se fossem elementos secundários e até dispensáveis, a quem se paga uma, gratificação, quando a verdade é que sem eles o sistema actual ou outro qualquer não poderá funcionar; 6.ª Que desta forma, e desde que haja disto conhecimento, os candidatos não aumentarão certamente.
Mas se depois destas e de tantas outras considerações se continuar a persistir neste sistema, se depois destas realidades deixarmos correr as coisas como estão, não ficará em perigo apenas uma profissão pela qual deveria haver mais consideração e maior respeito, o que não deixaria só por si de ser legítimo da mesma forma que é para outras, mas o próprio interesse gemi, que é, afinal, o da Nação! Como está, está mal, e não agrada a ninguém!
Faço daqui o mais respeitoso apelo aos altos dirigentes da Nação que de alguma maneira interferem nestes problemas de assistência para que eles se reorganizem de maneira a atingirem um elevado grau de eficiência para os que dela necessitem e dignidade para aqueles que nela exercem o seu labor.
Porque costumo assentar toda a minha crítica no firme desejo de prestar serviço útil ao meu país, vou enunciar uma solução que, quanto a mim, agradaria a médicos e doentes.
Os milhentos organismos existentes deixariam de ter médicos privativos e limitar-se-iam a pagar por consulta, tratamento ou outra qualquer intervenção aos médicos que as executassem de acordo com uma tabela previamente acordada com a Ordem dos Médicos. Para evitar abusos, uma parte, variável com o escalão do indivíduo, seria paga pelos próprios doentes e o restante ser-nos-ia entregue pelo organismo responsável a que o doente pertencesse. Haveria um escalão que teria direito a tudo gratuitamente, responsabilizando-se pelas despesas o respectivo organismo. Acima de determinado escalão tudo seria suportado pelo doente.
Entre estes dois extremo uma gama de contribuições, quer dos organismos, quer dos indivíduos, mas sempre proporcionais ao rendimento de cada um, asseguraria equilibradamente aos utentes os benefícios da previdência. Este sistema evitaria, além do mais, casos paradoxais como aqueles que passamos a descrever. Indivíduos há que por serem considerados pessoas abastadas não têm direito a assistência, por exemplo, nas Casas do Povo, mas que em virtude de serem empregados de escritório ou de organismos corporativos têm assistência pelas caixas respectivas, etc.
Todos os médicos poderia trabalhar nos hospitais percebendo por esses serviços um ordenado em função do maior ou menor tempo ali despendido e compatível com a dignidade do seu curso. Nos lugares da periferia onde se reconhecesse que deveria existir médico permanente, além do que percebesse pela clínica que fizesse, e que então seria livre realmente, teria direito a habitação e a um subsídio de residência, a estabelecer de acordo com a Ordem dos Médicos, que seria tanto maior quanto mais pobre fosse a região. Com este sistema ou análogo deixariam os médicos de andar a saltar de um emprego para outro miseravelmente pagos, manter-se-ia o pulso livre, e então, sim, haveria na realidade pulso livre, manter-se-ia a livre escolha do médico e o estímulo tão necessário a tudo na vida. Sem ele tudo se estiola e falece, digam o que disserem os filósofos e doutrinadores.
Em presença do desconchavo a que me referi quando o ano passado aqui tratei do problema da saúde e assistência e das considerações e exemplos que acabo de expor, senti natural regozijo ao ler no programa sectorial da saúde do Plano Intercalar, designadamente no que res-