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3864 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 104

sós, e a que sistematicamente se recusou, mesmo na hora angustiosa de se bater durante três gerações na Índia para sobreviver.
Não podemos levar a mal que os responsáveis pela Nação a queiram grandiosa, porque todos a queremos, mas, quanto a Portugal, a honra nacional e a fragilidade nacional exigem dos nossos governantes o mais apurado bom senso firmado na mais intransigente energia na hora da decisão, o que felizmente se tem verificado como regra.
Por isso, se me não admiro de que na sonhada autora de uma redenção se tenha criado um mito em torno de uma loucura heróica, que Deus quis coroar de milagre, também me não admira que, anos mais tarde, o Doutor Marcelo Caetano, Ministro mais clarividente e mais cônscio das constantes cívicas da Nação, arrancasse António Enes do limbo para compensar racionalmente as tendências deformadoras que encontrou quando geriu a pasta das Colónias e foi comissário nacional da Mocidade. E foi assim que sem se tirar ao Exército a mínima honra no direito de ser gloriosa na missão de servir energicamente a paz, como é seu timbre secular, nem minimizar a exacta grandeza das figuras que o simbolizam, se regressou lentamente à humana tradição da Nação civil e política e o conceito hiperbólico de império se esfumou com o seu nítido separatismo e sua tendenciosa discriminação, fazendo regressar o próprio Exército à tradicional missão de expressão viva da Nação armada.
Tem para mim seu interesse, esta breve retrospectiva, porque só um ultramarino pode compreendê-la e senti-la, como foi o caso da nossa velha Índia, que clamorosamente protestou, tanto em Goa, no seu Conselho do Governo, como em Lisboa, pela voz enérgica do próprio governador-geral ao tempo, contra o desrespeito da lei pelos seus direitos como factor integrador e elemento integrante da Nação.
Hão-de perguntar-me a que vem tudo isto num breve apontamento pessoal acerca da última visita presidencial a Moçambique. Ao que devo responder que tudo quanto Lamentavelmente se pensou na metrópole e mandou executar no ultramar para dissociar a Nação em termos de imperialite aguda, por parte de pessoas tão cheias de boas intenções quanto de ignorância dos fenómenos e sentimentos ultramarinos, encontrou o mais cabal e categórico desmentido em todas as visitas que ao ultramar fizeram os três presidentes do actual regime nos últimos 25 anos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O Presidente Carmona visitou o ultramar quatro anos depois de se terem aniquilado velhos distritos, cujas capitais se tornaram estagnadas e onde se prejudicaram interesses vitais, por força dessa insensata Reforma Administrativa Ultramarina, que, a par de algumas virtudes, trouxe também as suas calamidades.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas nem por isso aquela histórica jornada deixou de ser em toda a parte uma apoteose espontânea e delirante. O Presidente Craveiro Lopes visitou o ultramar já em plena era do social do pós-guerra, com toda uma nova ordem de problemas a cuja evolução não estivemos atentos pelo nosso costumado desmazelo, nem acudimos prontos, com a nossa habitual rotina, mas a ovação calorosa que a Pátria recebeu na sua distinta pessoa, igualmente em toda a parte, com espontaneidade pura, não pode ser contestada no seu valor, e estará na memória de muitos. V. Ex.ª o Presidente Américo Tomás visitou Angola, S. Tomé e Moçambique no ardor da luta e da crise política e psíquica daquela província, e agora nas vésperas das primeiras perturbações em Moçambique. A impressionante apoteose de Angola teve, não obstante o despeitado e comprometido silêncio internacional, uma espantosa retumbância, porque, apesar de ausente dos jornais, impressionou incòmodamente os responsáveis da política internacional que por dever de ofício e busca de factos e argumentos andam atentos aos acontecimentos. E assim, por exemplo, que se sabe que o defunto Kennedy disse nunca ter pensado que o problema de Angola se tornasse tão complicado e difícil, o que deve entender-se, do ponto de vista americano, que a enérgica resistência portuguesa não tem permitido aos Estados Unidos instalarem em Angola uma tutela política para benefício de uma nova roça económica sua.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Da jonada do venerando Chefe do Estado a Moçambique, tanto mais apoteótica quanto mais S. Ex.ª se aproximou da ameaçada fronteira do Rovuma, não tenho nada a acrescentar ao que foi ouvido, e ao que foi visto, designadamente na Beira e Nampula, e em todo o Niassa, do lago ao mar.
Sou assim chamado a tirar dos factos, em 25 anos de história, a lição dos sentimentos, da sua perenidade e viveza e uma vincada lição de portuguesismo, natural, espontâneo, permanente, que as vicissitudes dos tempos e dos homens não têm conseguido ferir. E isto é sinal evidente, incontroverso, de que temos condições de autenticidade para sermos uma nação de almas unidas, sejam elas de brancos, mestiços ou negros, católicos, protestantes ou muçulmanos, gente da metrópole ou do ultramar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É possível uma comunidade de valores e possibilita-se a universalidade portuguesa. Mas estamos em plena viragem da história nacional e mais do que nunca é preciso realizar com fé, fraternidade e confiante reciprocidade, para que homens tão profundamente diferentes se encontrem plenamente nas almas comuns.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Esse segredo português que é preciso preservar realizando-o cada vez mais valiosamente no grande plano dos sentimentos humanos, e se revelou com esplendor grandioso o ano passado em Angola, repetiu-se este ano em Moçambique, e o mínimo que posso dizer, segundo sei, é que na recente viagem presidencial se malograram todas as planificações protocolares logo que o ambiente emocional começou a aquecer o entusiasmo.
O mínimo que se pode dizer é que se não conseguiu assegurar ao Chefe do Estado a razoável protecção que seria de esperar, porque, ao que me contaram, a multidão a impediu, e não quis saber disso para nada, para poder apossar-se do Presidente e saudá-lo carinhosamente.
No entanto, nunca tão malpensadamente terá sido organizada uma viagem como esta, porque as populações não podem ficar saciadas com uma visita a correr, pela província toda, em duas semanas. Não me refiro aos deslizes primários de um protocolo que não esteve à altura, por vezes, nem ao desembarque que não teve o ar festivo dos grandes momentos, porque o Presidente desembarcou num sítio entre quatro dúzias de senhores protocolarmente solenes, e o povo, arremangado, desgravatado, ou sem chapéu alto, estava noutro; nem à triste lembrança