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24 DE ABRIL DE 1965 4863

nuel de Almeida Trindade, sem dúvida o grande empreendedor e defensor da nobre causa da oficialização, como padroeira da cidade e da diocese, da infanta Santa Joana. Pareceu-me, Sr. Presidente, que este "ganho de causa" por parte do eminente prelado, em alto serviço do seu múnus episcopal, esta consagração pela Igreja de Roma de Santa Joana como padroeira dos Aveirenses, justificava, e justifica, em meu parecer, que se faça disso, desta tribuna, um apontamento, ainda que rápido - dada a premência das presentes tarefas a que a Câmara se está. devotando - e mesmo que tal apontamento da grande honra conferida à cidade e à diocese seja feito, como está sendo, pelo menos qualificado dos representantes do distrito a esta Assembleia (não-apoiados), que, ao traduzir, embora em despretensiosos termos, o reconhecimento e a gratidão do povo da cidade e da diocese pela insigne honra recebida, deseja e quer aproveitar a oportunidade, como é de estrito dever, de prestar aqui ainda que só singela, mas convicta, homenagem de muito respeito e de muita admiração pelos grandes dotes espirituais e intelectuais que concorrem na pessoa insigne do Sr. Bispo de Aveiro.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: Não é este, seguramente, momento azado, nem lugar próprio, para referir em pormenor a vida e obras da princesa Santa Joana, excelsa filha do Bei Africano, que, com 20 anos apenas, em plena juventude, se acolheu à sombra dos claustros do Convento de Jesus, em Aveiro, e aí veio a falecer perto de vinte anos mais tarde. Porém, não resisto à tentação de fazer aqui, à sua "virtuosa vida e santa morte" (como se escreve numa sua biografia), uma referência e um apontamento, se bem que, por força das circunstâncias, muito singelo e muito rápido.
Descrevem geralmente os cronistas (o que se confirma no Memorial da Infanta, há anos dado à publicidade) a princesa como pessoa "de singular formusura", aliás bem patente no precioso retrato, tirado do natural, que dela se guarda, como obra-prima de altíssimo valor artístico, no Museu Nacional de Aveiro. Mas não apenas formosa, pois também invulgarmente inteligente e ilustrada.
A fama destas nobres qualidades ultrapassou as fronteiras e projectou-se pela Europa além, a ponto de reis e príncipes se mostrarem particularmente interessados em conhecer tão insigne princesa. Esse movimento de curiosidade e de interesse pela princesa lusitana mostra-se bem patente através desse passo do Memorial que sobre a infanta escreveu a religiosa Margarida Pinheiro, sua contemporânea:

Corria por todas as partes da cristandade a fama da grande excelência da formosura e indústria do entender e saber desta infanta-princesa e todos os reis e príncipes de diversos reinos punha em grande cobiça e desejo de a ver e a ouvir e porque lhes é impossível, pela distância e alongamentos dos reinos e terras, mandavam pintores muito perfeitos que a vissem e tirassem pelo natural para poderem, assim pintada, gozar de tanta formosura.

Estes "repórteres fotográficos" do século XV, que os reis e os príncipes faziam deslocar a Portugal para lhes darem notícia da excelsa princesa, não levavam, porém, apenas, a referência da sua formosura física, mas também, como é óbvio, a notícia da sua inteligência e do seu saber; e aqui reside, com toda a maior probabilidade, a razão do grande prestígio de que a princesa desfrutava, mesmo antes de se dedicar à vida conventual, inclusive junto de seu próprio augusto pai, ao ponto de este lhe confiar, segundo a maior verosimilhança histórica, a regência do reino, se não de direito, pelo menos de facto, enquanto e durante o tempo da campanha de África.
Tais predicados humanos que se conjugavam na pessoa da grande princesa bem justificavam e por certo justificaram que se desenhasse forte movimento da opinião pública do tempo no sentido de impedir que a infanta professasse e no desejo de a ver regressada à vida da corte, "como ao reino convinha", no dizer da "protestação" apresentada ao rei pelos representantes das cidades e vilas de Portugal.
Sr. Presidente: Acima desse predicados, chamemos-lhes temporais, possuía, porém, a famosa princesa as mais raras virtudes espirituais e morais e uma verdadeira e inelutável predisposição e acentuada vocação para o serviço de Deus e do seu Reino; e por isso nada houve, nem a opinião do rei, nem o movimento do povo, que pudesse demover a princesa de fazer da sua vida, da sua pessoa e dos seus bens uma total dádiva à religião de Cristo e sua Igreja, então em pleno e deslumbrante renascimento.
E embora, possivelmente, aquelas mesmas "razões de Estado" ou outras equivalentes, ou ainda o santo escrúpulo da infanta de se julgar não merecedora da honra do hábito da Ordem a cujo convento o acolhera, a tenham impedido propriamente de professar, a verdade é que a vida de renúncia, de humildade e de caridade a que se votou no velho Convento de Jesus, de Aveiro, e a auréola de santidade em que essa vida se extinguiu foram tão profusamente iluminadas por um puro e intenso clarão de virtudes cristãs que jamais se apagou da memória do povo, e nela perdura viva e perpetuamente, a lembrança dessa virtuosa vida e dessa santa morte, cujo reconhecimento "oficial" mais uma vez acaba de ser feito.
Este acendrado amor a Deus, esta vida de renúncia, de pureza, de sacrifício, de humildade, de caridade, de que nos dá profusa nota o Memorial da Infanta a que já aludi e cuja publicação se ficou devendo à benemérita iniciativa dos ilustres directores do Arquivo Distrital de Aveiro, prestantíssimo repositório da história, da arte, da arqueologia, da literatura, das actividades, dos valores e até do folclore do distrito, plenamente justificaram que a princesa portuguesa desejasse, como se diz na sua crónica, "com toda a humildade que a amortalhassem no hábito de que sempre se tivera por indigna". Por isso a iconografia da sua morte a apresenta vestida com o hábito das Dominicanas, a cujo mosteiro deixou todos os seus bens, fazendo deles "herdeira a sua alma", como se refere em seu testamento.
Sr. Presidente: No documento com que o Rev.mo Prelado de Aveiro .deu testemunho público do breve pontifício da consagração da princesa Santa Joana como padroeira da cidade e da diocese de Aveiro lembra-se o processo concluído da beatificação da excelsa princesa e também se faz menção ao processo, este por concluir, da sua canonização.
Aí, S. Ex.ª Rev.ma formula o voto de que a consagração feita pela Santa Sé venha a reavivar a devoção e o culto por Santa Joana e por modo e por forma que se criem as vocações precisas a fim de se retomar o processo de canonização, há largo tempo interrompido, até à sua conclusão final.
Penso, Sr. Presidente, que todos nós daremos uma nota de verdadeira catolicidade e de verdadeiro patriotismo associando-nos a este voto do eminente prelado da diocese cujo distrito tenho também a honra de representar nesta Casa. E penso mesmo que caberá bem aos nossos representantes oficiais junto da Santa Sé tomar partido