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786 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 44

1834 até 1926. Assim como também não a dissolução .da estrutura social da Nação até aí mantida através das corporações multisseculares; nem ainda a redução da independência e número das autarquias municipais, que constituíam um dos mais seguros baluartes da liberdade e autonomia populares.
Vozes: -Muito bem
O Orador: - Nem ainda a extinção das ordens religiosas e o consequente abaixamento do nível espiritual do País. Nem também a decadência da agricultura, devido à pulverização da propriedade. Em suma, não lhe pode ser atribuído o estado de ruína geral em que Portugal caiu, com o facto de o camartelo da política triunfante haver derrubado, com a funesta precipitação que se sabe, o edifício da sociedade antiga, e, para tanto, a estrutura jurídica que a modelava. Não, nada disto lhe pode ser atribuído; e bem diferente teria sido o conspecto da existência nacional se D. Miguel e o seu povo tivessem saído vitoriosos.
Porém, a sorte e sobretudo o estrangeiro não quiseram assim. Os homens daquele tempo, apesar da sua excepcional categoria intelectual, não souberam tornear os ventos da altura, ventos esses que, afinal, como ventos estranhos que eram, deixaram atrás de si a miséria, a desolação, o ódio e a dor.
Mas a hora que vivemos não é para lamentos nem recriminações. A maré fervente das paixões já passou. A nossa hora é de criação fecunda; e recuperação do tempo perdido. Hora de conjugação de esforço e trabalho. Hora de harmonia e justiça. Hora, portanto, ideal para o Governo abreviar as diligências necessárias para que os despojos mortais de D. Miguel I sejam trazidos à posse da Nação, além do mais, em homenagem ao povo de então, que tanto o amou e tanto sofreu com o seu exílio.
O País sentirá imenso júbilo quando o Governo de Salazar concluir, com este acto, o primeiro capítulo das grandes restituições morais e políticas, que ele tão sábia e tão justamente encetou e desenvolveu.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Tito Arantes: - Sr. Presidente: Realizou-se há dias nesta Cisa uma sessão que, quer pela elevação com que decorreu, quer pela transcendência da matéria tratada, há-de ficar histórica nos anais da Assembleia Nacional.
Não foi certamente sem um fortíssimo motivo que o Sr. Presidente do Conselho deliberou, pela primeira vez, segundo me parece, utilizar a faculdade que lhe está assegurada pelo § único do artigo 113.º da Constituição, de autorizar um Ministro a comparecer perante a Assembleia para a atar de um assunto de reconhecido interesse nacional.
Julgo não atraiçoar o sentimento do Sr. Presidente do Conselho dizendo que interpreto esta sua decisão - independentemente da homenagem que ela envolve para o Prof. Antunes Varela - como destinada a chamar a atenção, não só desta Câmara, mas de todo o País, para a importância absolutamente ímpar do acto a que se ia assistir, e para, com o excepcional prestígio do seu nome, celebrar a publicação dessa obra monumental que é o novo C6digo Civil português.
Eu não sei se toda a gente lá fora dá conta exacta do que representa um Código Civil na vida de uma nação.
Pode haver quem suponha que é mais uma lei, ou mais um corpo de leis, semelhante a tantas outras.
Há muitas pessoas cuja vida nunca foi interferida pelas disposições do Código das Custas, do Código do Registo Predial, do Código da Caça, do Código dos Direitos de Autor, do Código da Estrada, do Código da Propriedade Industrial, do Código de Processo Civil, do Código Penal (felizmente), etc.
Já o mesmo não pode dizer-se do Código Civil.
Qualquer homem, desde que nasce até que morre direi melhor: desde antes de nascer, porque o código ocupa-se dos nascituros, até depois de morrer, porque o código ocupa-se das sucessões -, vive permanentemente em Código Civil.
Quando contrai casamento, quando lhe nasce um filho, quando herda de um parente, quando atinge a maioridade, quando arrenda uma casa, quando manda fazer um fato, quando pede uma soma emprestada, quando toma um compromisso, quando de outro compromisso se liberta - o homem praticou, ou está em face, de um acto cujo regime e cujas consequências são os determinados no Código Civil.
Daí que o Código Civil interessa a toda a gente e domina todos os restantes ramos do direito, porque as regras que dirigem a interpretação das leis, o preenchimento das suas lacunas, a resolução dos seus conflitos, a repressão das suas fraudes, também estão insertas no Código Civil - tal como os princípios que regem a nossa própria personalidade jurídica ou os que regulamentam toda a matéria de provas.
O Código Civil constitui, portanto, o estatuto fundamental de todo o direito privado de um País - cujo conteúdo tem de ser apto a corresponder à conjuntura económico-social de cada época, os novos usos que se foram estratificando e até aquelas noções morais que foram evoluindo.
As transformações explosivas, a que o mundo tem assistido depois da primeira guerra mundial, apressaram o envelhecimento dos velhos códigos, pelos quais se regia a vida das nações.
Este desfasamento, como agora é moda dizer, entre o espírito dessas leis e as mutações trazidas pelos novos tempos, criaram uma incompatibilidade e um tal mal-estar que se revelam pelos simples títulos de vários livros publicados pelos mais consagrados juristas: Le droit en retard sur les faits; La vie du droit et l'impuissance des lois; La revolte des faits contre le droit; La crise du contrat et le rôle du juge; Du droit civil au droit public; Le déclin du droit; Les métamorphoses du droit civil d'aujourdhui; La revolte du droit contre le Code, etc.
Em face do clima assim revelado, não espanta que, mais ou menos por todos os países, se tivesse reconhecido a necessidade de proceder a uma nova codificação do direito civil.
Assim é que em Itália, onde o antigo código datava de 1865, em 1937 começaram os trabalhos para a sua revisão, e em 1942 foi publicado o código novo.
Em França, onde o Código de Napoleão data, como é sabido, de 1804, foi nomeada em 1945 uma comissão de reforma, a qual, após cerca de dezassete anos, terminou os seus trabalhos, publicados em quinze volumes.
Mas, ao que parece, o trabalho já foi julgado desactualizado, e há cerca de quatro anos foi nomeada nova comissão ad hoc, que se reúne semanalmente sob a presidência do Ministro da Justiça.
Na Grécia, em 1946 publicou-se o novo Código Civil.
Na Holanda, o novo projecto já está publicado, e conta-se que dentro de dois ou três anos seja transformado em lei.