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16 DE DEZEMBRO DE 1966 911

lhe fica mais próximo do sangue e da alma, com a devida vénia dos meus companheiros da bancada alentejana, tomo a palavra para agradecer a um alentejano, nascido no distrito que aqui represento, a obra transcendente com que acaba de enriquecer a Nação, dando-lhe a carta magna da vida do homem português tanto quanto possível reintegrado nos valores e nas essências da própria verdade da pátria secularmente organizada.
E direi mesmo, sem querer abalar nem o prestígio nem o respeito que se deve aos mortos ilustres, direi que providencialmente essa obra portentosa é um facto de resgate espiritual em relação às leis básicas do liberalismo, que nos transviaram das nossas leis próprias, dos nossos costumes comunitários, da nossa concepção do direito, do nosso sentido de vida colectiva, da nossa noção da pessoa humana, em suma, daquela lei que melhor cabia à honra e à dignidade da nossa grei.
Acontece que era alentejano também, e também do meu distrito, o legislador principal responsável por essa estranha obra de desnacionalização, de desenraizamento e de estrangeirização da vida portuguesa: Mouzinho da Silveira, nascido no Alentejo e na minha terra natal e que, por essa circunstância e pelas suas qualidades pessoais, que realmente teve, digno é de que eu o respeite e admire sem, no entanto, me sentir obrigado a segui-lo nas ideias ou a louvá-lo nas acções.
Não serei eu, porém, por falta de qualidade bastante, quem fique pessoalmente único responsável do que deixo dito. Nesta mesma Casa, Almeida Garrett, colaborador directo de Mouzinho da Silveira na feitura das estranhas leis, disse um dia em honrado acto da muita penitência que teve de fazer pela vida fora:

Eu sou o primeiro a confessar-me réu nesta acusação, a querelar de mim mesmo pelo que tenho contribuído com a minha inexperiência e cego zelo para muitas dessas desvairadas provisões, dessas imitações e traduções estrangeiras com que, erradamente e sem método, sem nexo, temos feito deste pobre país um campo experimentado de teorias que basta serem tantas e tão encontradas para nenhuma se poder realizar.

Pois, Sr. Presidente, o novo Código Civil aqui nos vem, por mãos de um alentejano, não apenas das suas mãos, mas do seu carácter de português verdadeiro, do seu trabalho de homem integral, da sua alma de crente, do seu saber profissional, da sua consciência dos valores eternos do homem e da específica condição do homem português.
E aqui está aquele resgate de que falei dado à Nação pelo Ministro da Justiça, Prof. Antunes Varela, um alentejano que nos redime das falsas ideias claras que turbaram durante século e meio as fontes de energia e de vida própria da Nação Portuguesa.
Diz-se, e penso ser verdade, não ter o Alentejano uma notável compleição política, e também não vejo que esteja aí um dos seus maiores defeitos. Defeito, na realidade, esteve, e esse de assombrosa magnitude, no facto de um homem bisonho, reservado e só, ter atirado um martelo estrangeiro aos alicerces da casa lusitana, ter minado as raízes longas de uma árvore bem empapada da terra portuguesa, ter dissolvido as seivas de que se alimentavam nas nossas terras a alma e a vida das nossas gentes.
Antunes Varela, e aqui fica o seu nome histórico - sem títulos nem senhorias -, resgata e redime, pela experiência aprofundada, pelo zelo minuciosíssimo, pelo nexo do estudo exaustivo, tudo quanto Garrett lamentava ter-se feito com inexperiência, cego zelo e falta de nexo.
Redime e resgata dos erros da Revolução, tanto quanto um século e meio pode ser ultrapassado e vencido sem que, desfeitos os mitos do moderno, sejam actuais e vivas as nossas normas fundamentais do direito privado, que, exactamente por sê-lo, só na profundidade de nós mesmos e da nossa vida própria podia procurar e encontrar as raízes criadoras e os princípios primeiros de orientação e ordenação.
Sr. Presidente: Seja lícito a um Deputado alentejano, e como homenagem de todos, sem quaisquer ódios ou ressaibos políticos, mas com desassombrada clareza de princípios, manifestar nesta Câmara o orgulho e o regozijo de aqui receber, dimanado da responsabilidade de um governante de origem alentejana, este monumento da ordem jurídica portuguesa, que nos liberta, de certo modo, de um erro longo e grave que também no Alentejo malfadadamente tinha nascido.
Comemoramos 40 anos de energia nacional, e podemos dizer que no novo Código Civil se condensam, pela força do direito de cada um, as mais lídimas fontes dessa energia de todos nós. Creio que dispensa outro qualquer louvor o Código Civil de Antunes Varela, mas, neste momento histórico da nossa vida, em que essa energia de todos nós é fundamento de sobrevivência, o código é um símbolo de fé nessa mesma sobrevivência, por todos os motivos, já aqui tão brilhantemente postos em relevo por ilustres colegas nossos, e ainda porque se não legisla de tal modo nem na dúvida, nem para o imprevisto, nem para o absurdo, nem sob o domínio das apreensões e do medo, nem sequer mesmo na possível angústia dos tristes ventos da história.
Garrett, que já hoje citei, escreveu um dia - e com as suas palavras acabo esta minha débil intervenção:

Assim como o homem de menos força física pode ser superior ao gigante, pelo espírito que o eleva, assim a nação menor arrosta com o grande império. E David em frente de Golias, mas a pedra da funda pode sair com fé!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Vai discutir-se na especialidade e votar-se a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1967.
Vou pôr em discussão o artigo 1.º, ao qual há na Mesa uma proposta de alteração. Vão ler-se o artigo e a proposta.

Foram lidos. São os seguintes:

Artigo 1.º É o Governo autorizado a arrecadar, em 1967, as contribuições, impostos e demais recursos do Estado, de harmonia com as normas legais aplicáveis, e a utilizar o seu produto no pagamento das despesas inscritas no Orçamento Geral do Estado respeitante ao mesmo ano.
§ único. Idêntica autorização é concedida aos serviços autónomos e aos que disponham de receitas próprias, os quais poderão também aplicar os seus recursos na satisfação dos respectivos encargos, mediante orçamentos previamente aprovados e visados.