982 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 64
ideias e ideais, já não consegue controlar essa função, ultrapassada pelo cinema, pela rádio, pela televisão, pela literatura infantil mal controlada, que, ao ocuparem o tempo livre das crianças abandonadas a si mesmas, as modelam em paralelos irreais ou desajustados.
A par de tudo isto, uma realidade que se não pode ignorar condiciona também todo o aspecto cultural e educacional do nosso tempo: a emancipação da juventude.
Á luz desta realidade, que se deve, em grande parte, aos factos que apontei e que tem também a sua razão no desenvolvimento da psicologia, desenvolvimento esse que marcou este século como sendo o século da criança, exigindo o estudo e adopção de novos métodos, que temos de encarar o problema educativo. O afrouxamento da autoridade dos pais e dos adultos, a incongruência nas suas atitudes em relação aos princípios que defendem, a sua abdicação quase total em favor dos jovens na determinação da sua acção, determinam novas exigências no campo da educação, as quais levam necessariamente analise sob nosso prisma das organizações juvenis existentes, e até a uma visão diferente no aspecto qualitativo e quantitativo do problema escolar, no sentido de uma contribuição válida e eficaz para a formação e desenvolvimento da personalidade.
Será então que temos de nos pôr a questão, em sentido de uma tomada de posição para o futuro, se nos últimos quarenta anos nos demos conta desta evolução e se fizemos tudo para a acompanhar e dar-lhe o remédio indispensável e a tempo.
Deixámos obscurecerem-se os conceitos sobre educação e em dezenas de anos nada fizemos para os implantar como esteios válidos e fortes que foram sempre a amarra do nosso povo nos momentos difíceis da história. Reafirmando nos programas a validade desses conceitos, não tivemos a força de os fazer cumprir, quer não fazendo intervir no resultado do curriculum escolar a sua apreciação, quer ignorando-os nos interrogatórios dos exames.
Tivemos até agora uma organização da juventude, a Mocidade Portuguesa, desviada dos seus verdadeiros fins, ainda inalteràvelmente válidos nos dias da hoje, e não reencaminhada para eles, muito embora todos se tivessem dado conta de que ela já não era aceite por essa juventude a quem se destinava. Ainda eficiente e de acção muito prestimosa e digna de especial elogio no sector universitário, falhou completamente no grau secundário do ensino e no primário e viveu destorcidamente um quadro de senilidade no sector extra-escolar. Os erros cometidos e a evolução dos conceitos de educação aconselhavam de há muito a sua revisão, pelo que o ilustre ministro Galvão Teles, no seu discurso de 9 de Novembro de 1964, julgou oportuno afirmar:
Há que ir ao encontro dos legítimos anseios dos jovens, dentro dos limites já assinalados, dando maior preponderância ao espírito de iniciativa, à sua colaboração activa e ao seu poder de realização. Há que afastar práticas enfadonhas, que seriam de inteira inutilidade e teriam o efeito contraproducente de arrefecer entusiasmos, de repelir adesões. Há que evoluir, aceitando o moderno sem esquecer o permanente. Há que sacudir rotinas e inércias, possíveis tendências burocratizantes, para manter sempre viva a chama, sempre agudo e actuante o espírito de inovação e aperfeiçoamento. Há que procurar uma ligação mais perfeita com a escola, dentro de um salutar princípio de recíproca ajuda ou colaboração. Há que levar os jovens a terem um pensamento estruturado, a possuírem perfeita consciência de propagação desses ideais.
Na linha das suas afirmações, foi promulgada a reforma dessa organização, enquadrando-a no âmbito escolar, com o que parece confessar-se a incapacidade da escola na sua função educativa. A execução da reforma dirá se são certos os meios já demonstrados, meios que se põem em relação à nossa eficiência quanto à premente necessidade de formação de uma mentalidade sociológica e de uma consciencialização política da juventude. Esperamos poder assistir à evolução dessa organização no novo sentido da sua estrutura, e cremos que a experiência que temos de uma iniciativa falhada será suficiente para que evitemos os males que influíram nesse fracasso, males que mais se devem aos homens do que aos princípios. De qualquer maneira, é justo que deixemos expressa a nossa confiança no (Ministro que soube dar corpo a uma ideia que todos nós trazíamos como primordial na linha das nossas preocupações, oferecendo com essa confiança a nossa credulidade em que se criarão as condições materiais indispensáveis à concretização do espírito que anima a reforma, dando-lhe possibilidade de poder viver para além da escola, como resposta a um chamamento que a própria juventude livremente lhe faça.
Temos mantido a ideia de instruir sem educar, e nada fizemos pela saúde dos pequenos estudantes, que, sem escola e sem ocupação durante uma grande parte do dia, a perdem em actividades descontroladas. Os pavilhões gimno-desportivos, que em louvável iniciativa se vão espalhando pelo País, mantêm-se fechados precisamente nessas horas em que tantos milhares de crianças se espalham pelas ruas e caminhos, na vagabundagem e ociosidade. Que reconfortante não seria ver esses pavilhões transformados em colmeias humanas, onde o chilrear da juventude desse deles testemunho de válida contribuição para o desenvolvimento e sanidade física e moral dos jovens ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Fechadas as escolas infantis, que em tão boa hora começaram como promissor farol de esperança, elas conservam-se mudas e desertas, páginas em branco no programa da Revolução Nacional, entregue todo esse ensino à actividade privada, caro e, portanto, inacessível a uma grande camada da população portuguesa, aquela, precisamente que mais necessitada está dele. E poder-se-ia entrar no caminho de ensino particular subsidiado, tentando-se assim resolver uma situação que, estando no zero, de outro modo dificilmente terá solução.
Temo-nos dado conta da existência e propagação de uma literatura juvenil de cordel, de uma literatura tendenciosa que se vende sem concorrentes, e nada fizemos para debelar o seu efeito ou para cercear a sua expansão. E temos uma iniciativa lançada pelo Ministério da Educação Nacional em 1952, quando era Subscretário daquela pasta o nosso ilustre colega nesta Câmara Dr. Veiga de Macedo, que deveria ser acarinhada, subsidiada e expandida, de modo a tornar-se numa verdadeira biblioteca da juventude.
Refiro-me às bibliotecas criadas junto das escolas primárias e à colecção educativa de cultura popular, ambas da responsabilidade da Direcção-Geral do Ensino Primário.
Do valor desta iniciativa, que deveria ser alargada até ao campo da revista infantil, falam melhor os números que encheram os gráficos de uma exposição levada a efeito nas cidades de Lisboa e Porto. Por ali pudemos ver que existem espalhadas pelo território nacional mais de 3000 bibliotecas rurais com um número de volumes que passam os 600000 e que, para além das bibliotecas itinerantes, foram espalhadas 12 415 colecções, num total