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1132 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 62

O Sr. Pinto de Meneses: - Sr. Presidente. O despacho de 16 de Novembro de 1966 do Ministério da Economia sobre o fomento vitivínicola é um documento a que não podemos negar o nosso aplauso. Lê-se, em todo ele, uma argumentação conscienciosa e transparece uma vontade de bem decidir que fazem jus aos maiores encómios. E tem até a virtude de vir redigido num estilo sóbrio e elegante, felizmente de há muito praticado neste Ministério, onde os problemas, apesar de áridos por natureza, são expostos em forma cativante e airosa.
Todavia, há uma parte desse despacho que julgo do meu dever apreciar nesta Câmara, e faço-o não pela condição de natural de uma região que muito sofrerá com a execução desse despacho. Faço-o por indeclinável obrigação de solidariedade humana e coagido pela premência das razões que ao diante terão o ensejo de ouvir.
A parte do despacho a que me quero referir é a contida nos n.ºs 18, 19 e 20, que trata do fornecimento de vinhos às províncias ultramarinas. Está o Ministério da Economia preocupado em conseguir processos que reduzam os encargos do circuito de comercialização e melhorem, garantindo até onde for possível, a qualidade dos vinhos no consumidor. Isto com o fim de aumentar o escoamento da produção e favorecer ao mesmo tempo o cliente e o viticultor. Para tanto julga necessário baratear o preço do transporte. «Esse barateamento» - diz o despacho - «deverá em grande parte resultar da substituição do actual sistema de transporte em barris, extremamente oneroso (l$13 de frete por litro, mais $70 por litro do custo do barri), pela utilização de navios-tanques, que reduzirá para menos de metade o custo do transporte actualmente praticado». Depois, salienta-se no despacho que o processo de engarrafamento consentirá o exercício mais eficaz da actividade fiscalizadora, garantindo melhor a genuinidade do produto. Resumindo, pois, a tese do Ministério, é esta o transporte de vinhos em navios-tanques e o seu engarrafamento tornarão mais barato o vinho nas províncias ultramarinas e preservarão melhor a sua qualidade de origem.
Enunciada, assim, em termos que procurei traduzissem fielmente os do despacho, a tese é convincente. Porém, a análise de todos os dados do problema contraria, a meu ver, tão esperançosos horizontes e permite antever uma realidade muito ao contrário da que se deseja. Senão vejamos. Segundo o cálculo do próprio despacho, o vinho transportado em barris chega aos portos do destino onerado, no frete marítimo e no vasilhame, em l$83 por litro.
E se transportado em navios-tanques? Se transportado em navios-tanques calcula-se no despacho que o custo do frete marítimo fique em menos de metade do actual, portanto em menos de $36. Sim, muito mais barato. Mas a verdade é que o vinho, uma vez chegado aos portos, não pode ficar nos navios, tem de ser transfundido e engarrafado. E, supondo (supondo, repare-se bem) que cada garrafa de litro custe apenas l$50, temos que, pelo novo processo, o frete e a embalagem montam a 2$06, ou seja, mais do que o preço actual. E, depois, os investimentos em navios, cais, armazéns e operações de engarrafamento e arrolhamento, na ordem das centenas de milhares de contos, a quanto mais não farão subir o preço da mercadoria?
E baseado em números ainda mais expressivos que os industriais de tanoaria defendem que o transporte em barris é de todos o mais económico. De resto, na metrópole nós temos o exemplo vivo e quotidiano de que assim é, pois o vinho vendido da pipa ou do barril é incomparavelmente mais acessível do que o vinho engarrafado.
Quanto à garantia da qualidade do produto havia muito que discorrer, mas eu simplesmente direi três coisas primeiro, a madeira, devido às suas propriedades isolantes, é o melhor meio para conservar o vinho, segundo, o transporte em navios-tanques obriga a mais operações de mudança, e é sabido que quanto mais se transvasa o vinho mais ele se deteriora, terceiro, a honestidade das vendas não é assegurada pelos sistemas de transporte, mas reside apenas nos homens, impondo-se, por isso, uma fiscalização rigorosa e implacável, seja qual for a forma de exportação da mercadoria.
Do sobredito resulta a convicção de que o programa declarado no n.º 20 do despacho não responderá aos anseios do Ministério da Economia e agravará o custo do vinho no ultramar, com a consequente retracção das vendas e prejuízo do produtor.
Porém, Sr. Presidente, a problemática decorrente do citado despacho não pára no inconveniente apontado. Haverá sectores da vida nacional gravemente afectados se for dada à execução a doutrina do despacho. Um desses sectores é a indústria de tanoaria. Localizada quase toda nos concelhos de Espinho e Ovar, para os quais representa o mesmo que a dos lanifícios para a Covilhã ela compreende cerca de 60 unidades fabris, cujo valor não é para estimar em menos de duas centenas de milhares de contos. E, como 70 por cento da sua produção se destina ao embarque de vinhos para além-mar, o despacho vem feri-la, não digo de morte, mas quase, e originará uma série de implicações funestas, que VV. Exas. poderão avaliar pelos seguintes elementos que indicarei sumariamente e sem qualquer ordem de grandeza ou preferência.
Estão inscritos no respectivo sindicato 2500 profissionais, que são dos mais bem remunerados do País. E, porque subsidiárias da tanoaria há outras indústrias, como a camionagem e a serração, onde se empregam para cima de 200 homens, não será exagerado calcular que, ao todo, vivem de e para a tanoaria umas 8000 pessoas. Se amanhã, por força do novo sistema que o despacho preconiza, a maior parte daqueles operários tiverem de ser despedidos, não há indústria local que os absorva e empregue.
Depois, convém não esquecer que a agricultura tem beneficiado com esta indústria. A venda das madeiras, especialmente de eucalipto, vai-se mantendo a preços razoáveis devido à procura deste sector industrial. Se essa procura desaparecer ou diminuir, mais uma região agrícola ficará, como muitas outras, à mercê de ofertas irrisórias e especulativas. Ora, num tempo em que tanto se clama pela protecção da agricultura, julgo que este aspecto não é para menosprezar.
Também direi ainda que há cerca de cinco anos estes industriais viram-se obrigados, por força de um diploma legal, a modernizar os seus estabelecimentos fabris, construindo estufas e estaleiros, adquirindo novas máquinas e ampliando as instalações, segundo exigências muito dispendiosas. Quase todos investiram ou comprometeram, para cumprimento da lei, as suas economias ou os seus patrimónios, longe, muito longe de pensarem que o curso normal das coisas se alterasse tão cedo e tão profundamente.
E, por último, uma nota que não pode ser indiferente a uma câmara política. Esta indústria é das mais antigas do País, e encontra referências nas primeiras crónicas do Reino, que rezam terem os seus mesteirais levantado voz pelo Mestre de Avis, colaborando arduamente no arranque dos Descobrimentos, e lutado sempre, com de-