O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

16 DE MARÇO DE 1967 1479

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Embora reconhecendo que não me conservo harmónico com o pensamento regimental, não quero deixar de neste momento propor a VV. Exas um voto de sentimento pelas desgraças ocorridas há seis anos, quando teve a primeira explosão o terrorismo em Angola, um voto de saudação e solidariedade com o Governo pelas disposições que tomou em consequência desses actos de terrorismo, um voto de agradecimento às gentes de Angola pela maneira como desde logo se comportaram, um voto de agradecimento e louvor as nossas forças armadas pela maneira como se têm conduzido desde o início até ao momento actual.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Por isto, proponho estes votos e peço a VV. Exas. que os tomem como seus, consagrando-os com uma votação.

Submetidos a votação, foram aprovados.

O Sr. Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente: Peço que fique consignado no Diário das Sessões que estes votos foram aprovados por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Eu ia dizer por aclamação. Mas seriam duas infracções regimentais feitas pelo presidente e agora acrescento até dá gosto infringir o Regimento para ser consagrada uma unanimidade destas!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Hirondino Fernandes: - Sr. Presidente: Há um provérbio italiano que diz, pouco mais ou menos, que para compreender um poeta é necessário ir até à sua terra. Tal provérbio, Sr. Presidente o Srs. Deputados pode aplicar-se a muitos outros casos, e este é sem dúvida, um deles para compreender a vida do lavrador é necessário ir até junto do lavrador. Não, porém, até junto do grande lavrador, com, latifúndios de centenas e centenas de hectares mas até junto do pobre lavrador de Trás-os-Montes ou de outras regiões, com terras, que não dão para mais do que para matar a fome, do dia a dia.
Nascemos e crescemos numa aldeia destas, melhor que muitas, mas pior que poucas, lá em cima, no Nordeste transmontano. Por isso conhecemos Sr. Presidente o (...) de canseiras que diàriamente por lá se reza.
Acompanhámos os nossos comprovincianos, vezes sem fim, através dos campos nas suas lides de toda a hora, sentámo-nos, muitas outras vezes à sua mesa, comendo da sua sopa, e as suas alegrias o dores foram, durante muito tempo, e ainda o são, afinal, as nossas alegrias e dores. Por isso podemos falar do que vamos falar.
São duas as fontes de receita dos lavradores da nossa região a lavoura e a pastorícia. Dá-lhes a primeira, bem avaiamente, aliás uma côdea negra de pão, dá-lhes a segunda a lã, o leite, alguma carne mesmo e uns parcos vinténs com que fazem face às, despesas várias que aquela implica alfaias, décimas, etc.
No fim do ano, bem feitas as contas, se alguém as fizesse, o saldo era francamente negativo na gaveta não havia um tostão e o corpo consumira-se nos duros trabalhos da terra - dizem-no as rugas que lhes sulcam e rosto, magro de cansaço, e até de má alimentação, dizem-no as mãos, grandes e calosas de agarrar com força a rabica do arado.
O Inverno, que após cada Verão se avizinha seria um período de alívio - que os campos não reclamam a sua presença - se a lareira ardesse sempre e se sobre a mesa houvesse, como diz a cantiga o pão e o vinho. O Inverno, porém, com frio que lhes enregela os ossos, frio a entrar em casa pelas toscas portas, pelas telhas, pelas próprias paredes, sem reboco, nada mais faz que avivar o desejo ardente do bom tempo que permita ir pelos campos fora iniciar novo ciclo de cansativas e vãs esperanças.
E, apesar de tudo, Sr. Presidente, gastos pelo cansaço, mui alimentados, tantas vezes, e sempre mal vestidos, nas nossas gentes e não se ouve um queixume, não se esboça uma revolta, antes se ver sair dos seus lábios uma contínua canção - agora triste e magoada, logo esfuziante de alegria, a repercutir-se por quebradas e vales. Santa gente a da minha teria! Santa gente a da nossa terra, a quem rendemos, daqui, Sr. Presidente, as nossas mais sentidas homenagens.
As nossas gentes do campo vivem, como dissemos, da lavoura e da pastorícia. Não conhecem o comércio, não sabem o quo é a indústria - é à terra que têm pedido quanto têm necessitado esta que herdaram de seus pais e àquela que um dia foram desbravar aos montes. Assim durante algum tempo.
Há meia dúzia de anos porém, as coifas modificaram-se profundamente não mais puderam semear estas segundas terras, onde em dias de Verão haviam ondeado ao vento louras e pingues espigas, e o chocalhar dos gados deixou de dar colorido à vida as quebradas e ontonos encurralado que ficou nas aldeias, enquanto se não pôde vender. Por paradoxal que pareça, o que se estabelecia como susceptível de dar riqueza convertia-se em fonte de desalento e miséria. Daí o terem uivado os lobos em vários lados, como VV. Exas. Sabem.
Bem incompreensìvelmente, aliás, que a floresta - é da floresta que falamos, como já viram - não era de molde ainda a poderem-no fazer à vontade.
O nosso povo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não conhece o valor da árvore, sobretudo daquela que lhe não dá frutos imediatos - mas aprende depressa toda e qualquer lição. Ele é capaz de cortar árvores a fio só porque lhe ensombram o prédio que, por culpa delas, deixa de dar batatas ou feijões. É capaz disso, como já timos mas também é capaz de amar e, portanto, de cuidar aquelas que lhe defendem e conservam o solo, que lhe regularizam os cursos de água, que lhe corrigem o clima, que lhe embelezam a paisagem Ponto assente é que lhe façam
ver isso mesmo.
Ora, Sr. Presidente, não vem para aqui o analisar em pormenor como as coisas se passaram ou não passaram. O que importa é acentuar que no espírito de todos estes ainda, como é natural, bem viva, a ideia do que muitos daqueles montes, que hoje dão ervas daninhas, eram ontem ainda, os seus montes e lhes davam bom centeio e gordas ovelhas.
Em 13 de Fevereiro de 1962, numa lucidíssima visão do problema o então Secretário de Estado da Agricultura lembrava isto mesmo, acrescentando que se impunha «salvaguardar firmemente o uso, pelos primitivos utentes dos baldios dos, dos seus direitos à apascentação de gados a recolha de mato e lenha ao corte de pedra, aos aproveitamentos de água, e até à cultura, nos casos em que esta devesse ser admitida» dado que só «a sujeição destes terrenos ao regime florestal privou as câmaras municipais ou as pontas [...], tal como privou os moradores do concelho ou da freguesia dos direitos tradicionais de função incompatíveis com a exploração florestal», não lhes tirou a sua «natureza de coisa de domínio comum, que ressurgiria se o regime florestal fosse levantado».
Assim falava quem de direito.