1480 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 82
Os nossos 35 anos, inteiramente votados às filólogas, a princípio, e ao ensino, depois, não nos permitiram conhecer, em toda a sua extensão, como desejaríamos, as condições em que o problema se apresenta nos demais pontos do território nacional. Também não interessa grandemente, dado ser simples o nosso intuito outros se ocuparam, com superior competência, de muitos aspectos, a nós, basta-nos isto de podermos afirmar - e isso estamos em condições de poder fazê-lo - que as soluções ora ainda seguidas carecem nalguns casos, de alterações, que certamente beneficiarão o particular e o Estado.
Trás-os-Montes é um caso à parte neste Portugal metropolitano. Para o conhecer, como se impõe, é necessário descer ou suba até lá, fazer como o crítico do poeta. Saia-se do gabinete, troquem-se os sapatos de verniz por fortes botas cardadas e as calças de vineos bem marcados por um grosseiro fato de pardo, suba-se ao alto dos montes e desça-se ao fundo dos vales, e então.
A floresta chegou um dia a Bragança - por Bragança entenda-se todo o distrito, como é natural-, chegou o estabeleceu arraiais - bem extensos arraiais, que vão do alto dos montes até às portas das aldeias. Desapareceram, assim, como já dissemos, algumas terras de pão e venderam-se as cabeças de gado ovino ou caprino, tantas quantas havia ou quase.
Não têm surgido, deste modo, problemas, por que ao cuidado dos habitantes se junta uma sempre maior ou menor compreensão dos serviços. Tal situação de favor não nos parece, no entanto, justa, e é para ela que nos permitimos chamar a atenção de quem de direito.
Os serviços florestais consideraram como seus todos os terrenos baldios, cujo uso pelos primitivos utentes proibiram, salvo uma que outra excepção. Até ali, estes terrenos tinham dado lenha, pão e alimento para os gados, depois começaram a daí, essencialmente, urze e giesta, onde se acoitam as feias. É só vê-los, hectares e hectares a perder de vista, sem que neles surja uma árvore, porque as possibilidades são mínimas falta, por certo, pessoal técnico e de trabalho, e não há por certo, verbas que bastem ao plantio e conservação de tão extensas zonas.
Por outro lado, e para o prejuízo ser duplo ou triplo, deixou de haver gados! Ora, por que se não reduziram mais as zonas se não se podia abarcar tudo simultâneamente? Acolher, porque se não reduzem agora, se mesmo agora se não pode abarcar também tudo? Vêem-se extensas zonas demarcadas para quê, se só daqui a muitos anos, mas muitos, elas poderão ter alguma árvore?
Nessa altura, julgamos que poderá haver gados Madaqui até lá? Na aldeia X que tomamos como exemplo, havia umas 600 ou 700 cabeças de gado ovino e caprino. Fica no final do ano muita lã, era muito leite, era muita carne - uns 900 ou 1000 cordeiros, pelo menos, que dariam, ao cabo de uns três ou quatro meses, qualquer coisa como uns 300 e tal, 400 mil escudos. Quanto teremos, nessa mesma aldeia, predominantemente pastoril, como vemos, ao cabo de vinte anos, em árvores se é que ao cabo de vinte anos já tivermos árvores?
O problema parece-nos que era assim que deveria ser resolvido sujeitar ao regime florestal em cada ano apenas as zonas susceptíveis de serem plantadas e tratadas como cumpre. Hoje esta, amanhã aquela, depois uma terceira, e assim por diante, até que, por toda a parte se erguesse, solene e majestosa a dominar os montes, a floresta.
Ao fazê-lo, porém, haveria sempre o cuidado de salvaguardar escrupulosamente o princípio expendido no despacho a que acima aludimos, dado que em casa de gentes com tão magros recursos como a nossa de Trás-os-Montes só a conjugação da cultura cerealífera e da pastorícia com a, arborização poderá ser norma a seguir Ah, de modo algum pode ter «plena validade» estoutro princípio do que «deverão ser florestadas as áreas mais próprias para a cultura florestal do que para qualquer outra cultura».
Um novo ponto nos parece ainda de considerar, e bem atentamente - o encurralamento a que os serviços florestais sujeitaram muitas ou todas as aldeias. Um simples pulo, e estão os animais domésticos na floresta, um simples descuido, e sai de lá uma fera que os dizima a todos.
Em Trás-os-Montes, Sr. Presidente, quase não há outra coisa que não sejam montes e montes, hectares e hectares, sem fim onde plantar, durante muitos e muitos anos, muitas e muitas árvores. Porque assim é por ambas as razões, entenda-se, parece de reduzir a zona de demarcação da floresta, libertando um pouco do violentíssimo colete-de-forças em que vivem as pobres aldeias do meu distrito. floresta, sem dúvida, mas não ali à porta, precisamente a dois passos.
Há muito onde plantar árvores, em Trás-os-Montes. O que falta isso sim, em Bragança, são terras que dêem pão, são terras que dêem batatas ou feijões, são terras que dêem pastagens. Pois, mesmo assim numa luta de gigantes contra a Natureza em que caíram, as gentes do meu distrito, regando-as com o suor do seu rosto, fizeram que magias lentas dessem pão, e batatas e pastagens.
Ontem. Hoje muitas delas estão incompreensìvelmente, florestadas. A bem dizer, começou-se, tempos vão, por aí. Pudera, se era uma lavoura que a fazia Deus por suas mãos, como diria Garrett.
A gente da minha terra precisa dessas tetras, ou de outras que as compensem, Sr. Presidente, a gente da minha terra, se a não querem matar à fome, precisa de que, enquanto se lhe não pode dar mais se faça como ao que parece, na vizinha Espanha se fez.
- De que terras precisais?
- Desta e daquela e daqueloutra.
- Pois bem, trabalhai-as. Colhei lá muito pão, criam lá gordas ovelhas. Nas outras vamos nós plantar árvores.
E as árvores plantaram-se e cresceram, e o pão não faltou. Assim é que os povos vivem contentes.
Demais a mais, parece muito desaconselhável a florestação, mais ou menos maciça - por causa dos incêndios-, como até hoje se tem feito. Mais uma razão para se aproveitarem os terrenos susceptíveis de cultura para cultura - se ela não briga, repetimos com os fins a atingir pelos serviços florestais. E mais uma razão para se aproveitarem os terrenos do pastagens para pastagens.
Depois de assim fazer, haverá, por certo, muitas mais árvores - mais e maiores, embora pareça que não. É que hão-de ser as gentes todas no seu próprio interesse, e cuidá-las e a evitar os incêndios - aqueles que, desgraçadamente, deflagiam com tamanha frequência e furor todos os anos. Em vez de um guarda -sempre mais ou menos zeloso-, haverá milhares milhões de guardas, com olhos cada um, a vigiarem a floresta, onde, lá dentro, está parte da sua riqueza.
Sr. Presidente. Para com o pobre lavrador das minhas terras de Bragança acontece o mesmo que com o poeta, como já acentuámos é preciso ir até lá para reconhecer as condições em que vive e, consequentemente,