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1970 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 105

Ela não poderá ser incutida nas mentalidades onde se faz mister que encontre aceitação e inspire decisões só pela via- do Diário do Governo, mas há a cuidar muito atentamente que permeie as suas páginas e que o exemplo alheio e a meditação própria vão paralelamente convencendo do merecimento dos seus preceitos os homens de acção e de pensamento.
Realizado noutro espírito, é muito de recear que o novo Plano de Fomento fique aquém dos seus plausíveis propósitos e acabe por se revelar mais um catálogo de recomendações e um repositório de verbas do que um fermento de iniciativas.
Quer pela via da Câmara Corporativa - particularmente em substanciosa nota ao seu parecer final -, quer nesta tribuna, diversas vozes se têm erguido para lamentarem, a propósito do nosso presente tema, a falta de directivas assentes e observadas de política económica de carácter geral ou sectorial, considerando os planos de fomento insuficientes substitutos dela.
Estes têm, todavia, oferecido quase os únicos repositórios de ideias e intenções sobre a condução da nossa economia, com prazo presumível que ao público observador e aos empresários afectados tem sido dado conhecer para orientação própria. E se como tais têm provado ser guias pouco seguros, mesmo assim, à falta de melhor, o merecimento deve ser-lhes reconhecido e o voto implícito de que o Governo e Administração façam ao menos por aderirem durante os próximos seis anos aos conceitos e aos propósitos que ditaram o projecto do novo Plano há-de surgir fácil a muitos espíritos, entre os quais quero ter o meu contado.
Ia para dizer que gostosamente quero ser contado, mas não é com gosto que se aceita um remedeio insuficiente! E será oportuno, embora não agradável, dizer por uma vez, em voz alta, o que tantíssimos amigos ou adversários murmuram por aí sem apreciáveis dissentimentos: que a admirável continuidade política no fundamental dos últimos 35 anos, dom que nunca apreciaremos de mais, não tem sido servida por condigna, não direi estabilidade, porque em tão largo tempo as circunstâncias evoluíram, por condigna clareza na proposição de directivas para a actividade económica e firmeza e harmonia na sua aplicação.
Noutros países, mesmo afligidos por danosas instabilidade» governativas, ou a intervenção do Poder na sustentação das actividades privadas é menos requerida, ou as administrações são eficientes para levarem o facho da continuidade, ou as mudanças de governo são por prazos predeterminados e as suas intenções previamente bem conhecidas através de largas exposições públicas e executadas com sentido de obediência a obrigações contraídas, de modo que os interessados, gostem ou não, aprovem ou não, sabem sempre ao menos com que contar e dentro de que calendário.
Não tem sido bem assim entre nós. O extremo poder do Executivo e a aparente liberdade que, fora de poucos princípios tão fundamentais como largos, parece concedida aos seus mais altos agentes, tem, de facto, feito que a entrada de cada novo titular para a pasta da Economia seja acompanhada de tantas expectativas como interrogações e a sua actividade seguida com a incerteza da continuação.
Falando por mim, e para o momento, eu, que nunca me esqueço nem envergonho, aqui e em qualquer parte, de ser primacialmente um agricultor, posso louvar abundantemente as intenções e critérios de política económica agrária ultimamente expendidos em alguns despachos notáveis. Mas quem me garante a sua aplicação, além da palavra do seu signatário e enquanto ela lhes estiver ligada? Do mesmo modo, neste e noutros sectores, quantos planos anunciados, quantas disposições tomadas, quantos mecanismos desencadeados, que tiveram a vida efémera dos seus autores? Pois se nem os «testamentos» são respeitados, por vezes ...
Compreendo perfeitamente que políticas económicas a prazo sejam difíceis de delinear com suficiente aceitação, avalio quantos elementos dos mais necessários faltam para as estabelecer, embora receie que a mesma falta origine círculos demasiado viciosos de mútua condescendência, mas vejo no próprio facto da apresentação dos planos de fomento um princípio de sujeição a ideias e desígnios projectados no tempo e concluo, pois, não ser ousadia nem despropósito enfileirar com os que lamentam não os ver mais seguramente estruturados, além da atribuição de verbas e das sumárias indicações que esmaltam o projecto do III Plano de Fomento sob as epígrafes de medidas de política, frequentemente tão vagas.
Nem é meramente de ordem teórica o defeito de concretização e de coerência no tempo da nossa política económica. Parecem ser, efectiva e infelizmente, algumas as actividades onde as contradições da política económica, fossem embora de pormenor - mas sempre sob responsabilidade da mais alta e nem sempre só em casos de espécie -, têm demonstrado efeitos perniciosos. Iniciativas alentadas sob uma administração, desamparadas sob outra, condicionalismos fixados e alterados uma vez mudado o mando, não serão, segundo com pesar vou ouvindo, tão raros que eu não possa supor presentes nos Srs. Deputados exemplos bastantes para se me tornar necessário insistir.
Esta é uma hipoteca grave sobre a política do desenvolvimento, pelas reticências que forçosamente suscita, o conviria muito encontrar a forma de a levantar convincentemente.
Nesta espécie de hiato intelectual determinado pelo termo de um plano de fomento e o encetar de outro novo, bem distinto em alcance e ambições, fervilham naturalmente também toda a sorte de ideias associadas à consideração das condições de máxima eficácia dos programas, e assim permitir-me-ei tocar ainda, ao de leve embora, duas questões desta ordem de diferentes grandezas, mas a meus olhos cada qual digna de atenção segundo a sua natureza.
Será a primeira a da importância de fazer dar ao trabalho a primeira das suas dignidades, que chamarei a da utilidade: utilidade do trabalho para a valorização do trabalhador, utilidade do trabalho para o rendimento da produção.
A valorização do operário é porventura a característica mais notória - e direi que a mais louvável - da evolução económica contemporânea, e com síntese suficiente para o meu intento bastará recordar que é resultante de dois grandes movimentos que se sucederam e acabaram por conjugar-se: o da sua afirmação como pessoa, e da sua apreciação como consumidor. O crescimento económico depende do escoamento dos bens produzidos, portanto dos consumos activos, e estes mais da capacidade do que do número dos consumidores, porque é a primeira que os apura e afina; daqui o .segundo movimento.
A certeza, hoje pacífica, mas revolucionária ainda há meio século, de que as empresas ganham clientela com os ganhos dos seus empregados passou a informar o desenvolvimento económico e exprime-se lapidarmente neste título de um jornal francês de há meia dúzia de anos: «O capitalismo, para sobreviver, tem que enriquecer o operário!»
A condição necessária, indeclinável, iniludível, deste movimento é a de que a produtividade do trabalho vá