2110 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 111
A nossa taxa de mortalidade, apitar das apreciáves medidas de saúde pública já tomadas, continua ainda entre as mais elevadas da Europa. Tal como a mortalidade infantil, também é muito elevada a dos grupos etários de 1 a 4 anos, que são profundamente influenciados pelas carências e desvios alimentares, resultantes do baixo nível de vida da população. Ela é de 8.5 por cento, ou seja cinco vezes mais alta do que a da. Franca. E é precisamente no sector das doenças evitáveis que se, fixa esta alta incidência.
Em consequência da redução da taxa da natalidade e da elevação da taxa de mortalidade infantil, tem vindo a baixar, em Portugal, a percentagem de indivíduos com menos de 14 anos, em qualquer dos três grupos: O a 4, 5 a 9 e 10 a 14 anos. A percentagem de indivíduos de menos de 19 anos passou, em meio século (1900-1950). de 43,3 para 38,3 por cento. Àquelas redução e elevação simultâneas vem juntar-se o aumento da duração média da vida, para conduzir a um envelhecimento na nossa população, com sérios inconvenientes demográficos e económicos. ü saldo fisiológico anual de 100 000 a 128 000 vidas não pode servir para nos iludirmos a tal respeito.
Do exposto se conclui, sem esforço, que a primeira e mais forte arrancada para resolver o problema deve ser a que proporcione a redução da mortalidade infantil. Para isso haverá, principalmente, que dotar com meios financeiros suficientes os serviços e as instituições destinados à assistência materno-infantil e ampliar, até ao máximo limite possível, a acção a desenvolver em favor das crianças e dos adolescentes.
A taxa de mortalidade materna foi também das mais elevadas: 12,1 por 10 000 nados-vivos.
Mas a criança que persiste em sobreviver, para além desta barreira de selecção espartana, é esperada por um meio indiferente aos seus interesses. Não há creches, nem outras instituições afins, que assegurem protecção e formação, enquanto os pais necessàriamente as entregam à vigilância ocasional dos velhos ou de outras crianças da casa que abandonam para ganhar o pão familiar. Assim, os acidentes constituem a trágica litania de cada dia nos noticiários.
São frequentes os acidentes que vitimam as crianças entregues a si próprias, como afogamento em tanques e poços que, criminosamente, continuam escancarados, ingestão de tóxicos, crianças transformadas em tocheiros vivos, pois que nada nem ninguém as protege dos perigos morais e físicos que as ameaçam.
Há crianças com rostos deformados por piodermites tratadas com benzeduras, ou com queimaduras de aspecto e cheiro repelente, por serem tratadas com excrementos. É a vasta gama da ignorância e da superstição a ocupar toda a zona deixada livre pela carência de uma rede de dispensários suficientemente eficiente e ampla.
Ora, tudo isto se evitaria se se tornasse efectivamente obrigatória, sem subterfúgios possíveis, a existência de creches nas fábricas com mais de 50 operárias (Decreto de 14 de Abril de 1891, capítulo 5.º, artigo 21.º, do Diário do Governo n.º 88). No meio rural a solução poderia ser assegurada por via empresarial ou interempresarial e, no caso da multiplicidade de pequenas empresas familiares, incapazes de per si, poderia ser a Casa do Povo a entidade encarregada de organizar e gerir o esquema de protecção à infância rural. As Casas do Povo, assumindo o encargo de centros materno-infantis. contribuiriam poderosamente para uma fecunda política da infância.
A população portuguesa tende a envelhecer, como consequência da emigração das camadas etárias jovens e pela baixa da natalidade, que desceu 10 por cento em relação ao quinquénio de 1956-1900 (Anuário Demográfico de 1966). Estamos, pois, em face de um complexo fenomenológico que bloqueia; como a inércia de um volante, as exigências do progresso de um país depositário de uma magnífica e evidente mensagem humana e espiritual na confusa caminhada da história, e por isso constitui tarefa impostergável e sagrada garantir, em preparação e número, o futuro da frente humana que se ergue no horizonte da história.
Impõe-se, e, mais uma vez o sublinho, que o Decreto-Lei n.º 35 427, de 31 de Dezembro de 1945, que está ultrapassado, por não corresponder às necessidades sociais da hora actual, seja urgentemente revisto, de modo a impor, sem subterfúgios possíveis, a criação de infantários, creches e centros educativos, com os esquemas próprios de higiene e educação pré-escolar em todos os núcleos de trabalho industrial, comercial e rural. Se a lei continuar a não ser imperativa, certamente que a maioria das entidades patronais julgará mais consentâneo com os seus interesses financeiros e administrativos pagar a contribuição de 6$ por operária e por mês do que criar uma unidade de protecção materno-infantil, muito mais onerosa de sustentar e difícil de organizar e dirigir. Entretanto, milhares e milhares de crianças continuarão entregues à ignorância, à incúria e superstições de amas mercenárias ou de famílias truncadas, porque lhes falta o essencial contacto com a presença viva da mãe: para a formação psíquica e afectiva da criança.
Este estado de coisas habitual constitui uma forma organizada do abandono social da infância, com todas as graves consequências para a sociedade futura.
Pelo contrário, assegurar-se-á o futuro da Nação aã medida em que se cuide do seu capital humano pela protecção e preparação da criança na fase de evolução psíquica e somática, fundamental para uma normal formação da personalidade, do que resulta o equilíbrio emocional das comunidades sociais.
Sr. Presidente: E no crisol potencialmente infinito da infância que se prepara o mundo definitivo da história.
Por isso, todo o esforço e atenção que se lhe prestem constituem obrigação moral e espiritual inalienável e investimento social infinitamente promissor.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pretendemos robustecer a família como célula da Nação, e, entretanto, quantas mães nos aparecem com a pretensão de entregar algum filho a uma obra de assistência, sómente porque precisam de trabalhar e não o podem fazer por causa das próprias obrigações de mãe?
A existência de creches e jardins-de-infância resolveria o problema social das mães que precisam de trabalhar e da mão-de-obra que se recuperaria.
E, assim, todo o alicerce e infra-estrutura humana de uma sociedade que está em causa, e por isso se impõe a definição em ampla escala de um vasto esquema de protecção sanitária e de educação da infância, pois sem saúde tombam as energias da raça e sem educação o progresso não caminha.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Agostinho Cardoso: - Sr. Presidente: Abre a proposta da Lei de Meios, como é tradicional, com um estudo-síntese da evolução da conjuntura nacional e internacional do ano anterior.
Atinge esse estudo tal clareza o tão elevado nível que devo começar reafirmando a minha admiração pelo Ministro das Finanças que o subscreveu. Vem a presente