O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

2348 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 129

comum região de origem, essa proeminente figura de mestre, de investigador, de divulgador da literatura portuguesa que foi Mendes dos Remédios, ao mesmo tempo que soube ser reitor magnífico da sua gloriosa Universidade, director da Biblioteca Geral, criador e organizador de serviços novos de. biblioteconomia, arquivística e numismática, alma dos primeiros cursos de férias e da revista Biblos, de audiência e renome internacionais.
Sr. Presidente: Não tive a honra de ser discípulo da Universidade de Coimbra e nem sequer conheci o Prof. Mendes dos Remédios; devo muito a Lisboa, que me conferiu os meus minguados graus académicos e onde tive mestres eminentes a cuja memória consagro todo o meu reconhecimento e respeito.
Mas não assim nos domínios da literatura e da história literária, pois guardo triste memória - e nisso não sou único - do modo como essas disciplinas eram ao tempo ministradas ali no velho casarão do Convento de Jesus, e como era das Faculdades de Letras do Porto e de Coimbra - aqui pela acção renovadora de Mendes dos Remédios - que nos vinha, para além do trabalho próprio, algum sentido de amor, de disciplina no trabalho, de gosto da pesquisa e até de concepção verdadeiramente nacional da nossa história literária.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Bem sei que a explosão de conhecimentos nos últimos 20 ou 80 anos tem sido assombrosa e bem diferentes são hoje os processos de trabalho, os esquemas metodológicos, os rumos de estudo, de investigação e de crítica e que mestres novos, nas três Universidades metropolitanas, cheios de saber e de competência, estão abrindo horizontes larguíssimos nesse campo primordial da nossa cultura e civilização. Mas não seja esse glorioso progresso razão bastante ou causa justificativa de um imperdoável esquecimento, precisamente nesses meios da cultura, do labor porfiado e tenaz, do trabalho de desbravamento e de seriedade intelectual de um homem que serviu em toda a sua vida, como pioneiro no seu tempo, a Universidade de que era mestre, a sua pátria e também assim aquela afastada nesga de terra alentejana da qual acolhia, com protectora generosidade, todos quantos, incertos do pão da boca, ali a Coimbra iam procurar o alimento do espírito nos clarões de saber da vetusta alma mater.
Profundamente convencido estou de que não foi um esquecimento, terá sido, sim, no tumulto dos nossos dias, um simples, mas lamentável, lapso, e creio bem que o nome de Mendes dos Remédios será relembrado e honrado pelos seus pares naquele ramo da cultura a que se consagrou u ao qual deu tão aturado saber e tão profundo trabalho de investigação, de ordenação e de divulgação, verdadeiramente excepcionais.
Quando assim não seja, aqui fica uma singela, mas sincera, evocação do seu nome e da sua obra, e para que se não diga que também o mundo da política, sempre lamentàvelmente tresvariado e ingrato, o abandonou e menosprezou, lembremos nós o primeiro Ministro da Instrução Pública do 28 de Maio, o homem saudoso do seu labor de mestre e da continuidade da sua vida universitária, que soube, no entanto, na sua efémera passagem pelo Terreiro do Paço, dar solução política e educativa a problemas urgentes e candentes da instituição universitária e da família académica, que, com suas armas de juventude e de audácia, soubera criar clima para a ressurreição da vida pública portuguesa. Penso que nesta Casa não estarei sozinho ao pôr em evidência esta gratíssima e já longínqua recordação.
Tal como o Prof. Mendes dos Remédios, também o Prof. João Maria Porto era natural do concelho de Nisa, e assim eu, ali nascido na vizinhança, sou suspeito ao traçar deles dois o elogio, tanto mais que com ambos havia relações de família, e com o Prof. João Porto tive convívio fraternal e íntimo, e à generosa amizade que ele me dispensava eu sempre correspondi com o meu respeito, o meu afecto e a minha admiração pela sua invulgar personalidade.
Mas alguma coisa em mim vai acima da minha suspeição: é o meu compreensível sentimento de patrício, o natural orgulho de nós outros, alentejanos do Norte, pelo valor e pelas virtudes de tão claras figuras e por terem elas ali recebido a vida e os dons de Deus e por termos a consciência exacta de terem sido; eles ambos, grandes servidores do interesse nacional, apaixonados cultores dos ramos do saber a que se dedicaram, discípulos e mestres da velha e gloriosa escola de que receberam a luz e reflectiram o brilho, e mais ainda do que tudo isso - servidores do homem nos seus valores do espírito, no culto da ciência e até mesmo no puro plano físico, na luta contra » morte e contra a doença, pois tal foi o caso do Prof. João Porto, que tanto apetece relembrar neste preciso momento em que todo o mundo se interessa e preocupa com esporádicas e espectaculares intervenções no campo da cardiologia.
Qualquer dos nossos ilustres colegas Deputados pelo círculo de Coimbra estaria mais do que eu qualificado para desenhar nesta casa o perfil moral e científico do Prof. João Porto, mas eles tiveram por bem deixar falar o coração onde mesmo viesse a faltar a competência. Pois eu só poderei fazê-lo na emoção da minha amizade, e satisfeito ficarei se encontrar eco de concordância nesta casa e se lá no meu Alentejo uma dúzia de bons amigos possa vir a pensar que eu falei honradamente de um homem que todos nós prezámos e respeitámos, como homem de consciência e de ciência, que podíamos fazer ombrear com um Garcia de Orta, um Amato Lusitano, um José António Serrano, de ali vizinhos e que foram figuras cimeiras no mundo da ciência médica e com repercussão internacional.
O Prof. Vaz Serra, decano da Faculdade de Medicina de Coimbra, disse, em nome da escola que dirige, que o Prof. João Porto, «como estudante, assistente, professor, director da Faculdade, director dos hospitais, clínico, cientista, sociólogo, humanista, em qualquer destas actividades tinha sempre conquistado, e ràpidamente, situações de primazia», «criara escola, fizera discípulos de que a escola legitimamente se orgulhava». Não estará aqui o verdadeiro retrato de um mestre, o autêntico perfil de um professor, o justo elogio de um homem de trabalho intelectual?
Uma grande figura da oratória sagrada em Portugal, que foi lustre deste Casa, o cónego Dr. Correia Pinto, disse algures «ser o ensino uma sobrevivência. O professor passa, o ensino fica, mas só assim era aparentemente. A palavra, o gesto, a bondade, o conselho, a lição do professor - tudo isso pela vida fora anda com o aluno, fala na alma do aluno. Tudo isso é uma voz a adverti-lo, uma luz a guiá-lo».
Pois aqui, em Lisboa, na Associação dos Médicos Católicos Portugueses, de que o Doutor João Porto foi fundador, eu julgo não magoar ninguém se disser que todos, de algum modo, se consideravam seus discípulos, na medida em que todos o consideravam mestre de ciência e mestre de humanidade. Dele disse o Prof. Mário Cordeiro:

Viveu na fé, na esperança e na caridade. Lembrar a sua figura é fazê-la viver perto de nós para rece-