2366 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 130
O Orador: - Mas adiante. Vamos ao 3.º ciclo. A reforma vigente adoptou aqui um critério novo. Deixando o regime de classe, passou ao regime de disciplinas, estabelecendo oito secções diferentes, consoante o curso superior que o estudante deseje frequentar. Criou, assim, oito cursos pré-universitários, em que os alunos pudessem adquirir sólidos conhecimentos basilares para os seus estudos maiores. Em princípio, parece que nada haveria a objectar, pois, sendo o 3.º ciclo o vestíbulo da Universidade, era congruente que os liceais aprofundassem as matérias que melhor os formavam para ela. No entanto, este critério tem inconvenientes. Primeiro, não facilita, para empregar um termo muito em voga, a reconversão do estudante que errou na escolha da alínea ou secção; aquele que opte por uma determinada alínea não pode seguir outra diferente sem fazer a cadeira ou cadeiras que lhe faltem; e, se o quiser fazer, terá que voltar ao princípio. Segundo, em nenhuma alínea se encontra um elenco completo de disciplinas que satisfaça as necessidades fundamentais de um universitário; por exemplo, em quase todas as secções não se prossegue o estudo de uma língua viva, o que me parece grave numa época, como a nossa, de intensa comunicabilidade internacional. Falta também em todas elas uma cadeira de Cultura Portuguesa, onde se estudem em nível adequado as características gerais do comportamento dos Portugueses no tempo e no espaço, mediante sínteses equilibradas de noções da literatura, história, geógrafa e economia nacionais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Quanto a mim, a bifurcação em Letras e Ciências pode evitar melhor estas deficiências, porque adia durante dois anos a escolha de um curso superior e permite a adopção de mais matérias, sem deixar de atender na mesma à especialização pré-universitária que se pretende.
O Sr. Veiga de Macedo: - Não me parece, na verdade, que se justifique uma subdivisão do 3.º ciclo liceal em tão grande número de secções ou alíneas como as que vigoram desde 1947.
O Orador: - Outra deficiência no plano de estudos é a reduzida atenção que se presta à educação pela arte. Da música apenas se aprende canto coral; mas, sem uma educação musical sistemática, esta actividade pouco mais é do que uma fantasia. E, no entanto, nunca se careceu tanto como hoje de uma formação humana baseada no apuramento da sensibilidade e no culto da beleza. A vida contemporânea, vertiginosa e enervante, faz perder o equilíbrio psíquico, que a arte, e em especial a música, muito ajuda a restabelecer. Num mundo voltado para a técnica e para o útil imediato, a educação musical poderá parecer um luxo, mas a verdade é que ela dá mais rendimento ao trabalho, aumenta a espiritualidade e fortalece o estudo das outras disciplinas.
Das artes plásticas quase se pode dizer o mesmo. Embora os actuais programas se refiram à leccionação da arte nas aulas de História e Desenho, não prevêem uma doutrinação separada. Daí a ignorância geral dos rapazes pelos problemas artísticos, para os quais a escola não os prepara.
Por último, Sr. Presidente, uma palavra sobre a educação física, cuja influência no desenvolvimento psicossomático ninguém ignora. Classificada como actividade circum-escolar, com duas sessões semanais no 1.º e 2.º ciclos, e uma no 3.º, não é considerada disciplina básica, não obstante a sua máxima importância para o revigoramento físico, a saúde e a modelação do carácter. Por preconceitos que o desleixo de uns e a rotina de outros têm alimentado, não se dá a esta disciplina o valor que ela efectivamente tem. A isto acresce a falta de meios materiais e humanos. Apesar de os efectivos escolares crescerem multitudinàriamente, não cresce no mesmo passo o número de diplomados e de instrutores. Já em 1963-1964 se precisava de 166 diplomados, e havia pouco mais de metade; e de mais de 100 ginásios, e havia 41. A escassez de instalações faz com que, nalguns liceus, muitos alunos não tenham aulas de Educação Física, ou tenham apenas metade das estabelecidas na lei. Há muito que fazer neste sector, porque não se desconhecem os gravíssimos prejuízos resultantes da falta de intensa e metódica actividade gimnodesportiva numa idade particularmente delicada da vida.
E passo ao segundo tema: os programas. É opinião unânime dos entendidos que os programas devem ser simplificados e actualizados. Opinião a que eu adiro. Realmente, não há razão, por exemplo, para se darem, na disciplina de Português, umas vagas noções de morfologia latina, visto que não têm qualquer eficácia. Também não se compreende que na Geografia do 4.º ano, com duas aulas por semana, se meta toda a Ásia, as Américas e ainda a África; que na História do 5.º ano se ensine todo o período que vai da Revolução de 1640 até à Segunda Guerra Mundial; que nas Ciências Naturais do 4.º ano se inclua o estudo da mineralogia, botânica e zoologia, com pormenores excessivos, como o estudo do aparelho digestivo e respiratório de vários animais; e que na Química se fale durante dois anos e meio de ácidos e bases e só no fim desse tempo o aluno aprenda a identificar tais substâncias. Assim como também há programas que devem ser actualizados, isto é, postos a par do progresso das ciências e dos meios técnicos.
Esta actualização é particularmente urgente nas línguas vivas, cujo ensino através de representação gráfica perdeu muito do seu valor perante os modernos instrumentos audiovisuais; a exemplo do método maternal, intuitivo e lógico, uma língua hoje aprende-se ouvindo e repetindo, vendo e descrevendo, fixando estruturas e mecanizando a expressão oral. Mas nas outras disciplinas, nomeadamente na Matemática e nas Ciências Naturais, também se não pode demorar a modernização dos programas. Têm-se realizado vários colóquios de professores liceais e universitários, cujas conclusões neste aspecto urge aproveitar.
Agora, a questão dos exames. Procurou-se com a actual reforma um regime que oferecesse garantias de justiça e igualdade para todos os alunos. Para isso criou-se um sistema do ponto uniforme, e a sua elaboração passou a ser encargo de uma repartição especializada. Por outro lado, dando satisfação às aspirações do professorado do ensino particular, admitiu-se a representação desta classe nos júris de exame, e mais tarde permitiu-se o funcionamento destes júris nas escolas privadas. Para maior objectividade no julgamento das provas escritas, introduziu-se o critério do anonimato, e, para remediar os possíveis erros de classificação, permitiu-se o recurso aos que se julgassem prejudicados.
Assim, com todos estes cuidados, progrediu-se notavelmente na imparcialidade e objectividade da classificação das provas escritas. E, no entanto, todos os anos se agita esta questão na imprensa e no convívio social. Assim tem sido, e assim continuará a ser, pela razão de que a infalibilidade não é própria dos homens, mesmo quando pro-