8 DE FEVEREIRO DE 1968 2391
Quantas vezes as reformas, as reformas das reformas ou as emendas das reformas, terão saído das mãos de pessoas que nunca souberam, pela experiência vivida, o que é criar e educar um filho, um filho seu ou de outros, desde os primeiros passos do abecedário até ao final de um curso no qual se põem todas as esperanças de uma carreira.
Por que não existem ainda nos liceus de Portugal associações de pais, como acontece em determinados países mais evoluídos do que o nosso? Por que não estimular o Ministério da Educação Nacional a criação dessas associações, nas quais poderia encontrar valiosa colaboração?
Mas, não indo tão longe, pode também perguntar-se se já se fez no País algum inquérito à família sobre o ensino e a educação da juventude.
A participação da família na vida escolar quase se não sente, a não ser nas reacções quantas vezes tardias aos resultados finais. E se a família tem culpas desse estado de coisas, elas não pertencem em menor grau aos liceus. A parte a sessão mais ou menos solene de abertura de aulas, com uma palestra por um professor qualificado, nem sempre capaz de interessar, e a distribuição de prémios, e à qual poucas mais famílias assistem do que as dos premiados, sòmente num ou noutro liceu, que eu saiba, se promovem reuniões colectivas com o propósito de esclarecimento dos problemas do funcionamento dos estabelecimentos ou de criar laços de confiança e colaboração entre estes e os pais dos alunos.
Os contactos com os directores de ciclo e os professores nem sempre se processam por forma a estimular a colaboração e não passam de meras informações sobre o aproveitamento escolar.
Os primeiros, que têm a seu cargo centenas de alunos, recebem os pais ou encarregados de educação em dias e horas determinados. Por muito boa vontade, não lhes é possível, salvo um ou outro caso mais grave, ir além de simples comunicação das informações dos professores.
Que estes, pior ainda. Só dispõem dos intervalos das aulas, dez minutos, que seria, legítimo reservarem para um merecido descanso. Mas para se avaliar das dificuldades desse contacto, peço licença para coutar um episódio que conheço e que melhor poderá ilustrar a afirmação.
Um dos rapazes de uma família minha amiga não dava o rendimento necessário para garantir o vencimento do ano. Preocupado, o pai sentiu a necessidade de estudar as causas das deficiências e chegou à, conclusão de que só com a colaboração dos nove professores de seu filho poderia encontrar a necessária e conveniente solução. Conseguiu, na verdade, falar com os nove professores e isso foi extraordinariamente útil para evitar a perda do ano. Mas durante três dias, depois de haver cuidadosamente estudado o horário das aulas, andou a correr para o liceu, aproveitando aqui e além os intervalos, durante os quais e apesar do esforço, o tempo normalmente não chegava para uma troca completa de impressões. Se todos os pais dos alunos que frequentam o liceu em questão fizessem o que esse pai fez, ou corriam o risco de não serem recebidos por falta de tempo dos professores ou, pelo mesmo motivo, os professores deixariam de dar aulas, para poderem falar com os pais.
Uma primeira conclusão me- permito tirar: é que, não existindo a colaboração da família com o Estado e dos pais com os educadores, poderemos encontrar uma das causas da crise assinalada no aviso prévio nessa falta de colaboração.
Sr. Presidente: Passo a outro aspecto, que se liga intimamente com o anteriormente tratado.
Assim como não se pode amar sem conhecer, também não é possível obter-se um rendimento escolar satisfatório e determinar a vocação de um jovem, e é esta uma das finalidades do ensino liceal, ignorando-se a sua personalidade.
Que conhece o liceu de cada um dos seus alunos?
Que sabem deles os professores, que têm por missão ensinar e educar?
Não ponho agora o problema dos bons professores, dos bons professores, que são raros, porque educar é um dom, uma qualidade natural. Esses bons professores são capazes de conhecer os seus alunos, e até transformar os maus em bons alunos. Dizia o Prof. Leite Pinto, esse grande Ministro da Educação Nacional, que uma das causas das dificuldades do ensino era, sem dúvida, a falta de professores, ou, mais pròpriamente, de bons professores que assegurem ao ensino a desejada eficiência.
Não é a categoria que garante a qualidade do professor, e eu disso tenho também experiência. Não é bom professor o que sabe muito, ou até o que sabe, ensinar bem. Ser professor, no autêntico sentido da palavra, exige o dom, a arte ou a ciência, de conhecer os alunos, educando-os, tratando-os, considerando-os de harmonia com a personalidade distinta de cada um. E, salvas excepções, julgo muito difícil encontrar bons professores mesmo com essas qualidades quando se tem a seu cargo, como acontece, centenas de alunos em classes de quatro dezenas. Por mais dotados que sejam, não poderão conhecer bem a psicologia de cada um dos seus alunos. A sua obra será sempre limitada no número. Sei que é um sonho a individualização do ensino, mas quantos rapazes e raparigas a quem Deus concedeu carácter, sensibilidade, inteligência, correm o risco de se perderem, porque ninguém os estudou e procurou conhecer, para encontrar a verdadeira explicação do mau aproveitamento escolar ou de conduta irregular.
Quantos e quantos pequenos e grandes dramas estão no fundo de situações que poderiam ser remediadas se a tempo se procurasse penetrar naqueles cérebros e naqueles corações ansiosos por uma ajuda desinteressada.
No liceu de V. Ex.ª, Sr. Deputado Vaz Pires, eu sei de professores que vão muito mais longe do que ensinar as matérias dos programas. Sei de situações graves que se resolveram e de vocações que surgiram, as primeiras provocadas muitas vezes por problemas familiares, de que os pobres rapazes viriam a ser as principais vítimas. Esses professores merecem gratidão. Souberam ser bons professores.
Tudo isto serve para justificar uma pergunta pertinente: por que não existem psicólogos nos quadros dos liceus, como existem médicos escolares? Surge-me até a dúvida, no caso da opção, de quais seriam mais úteis: se estes, a quem compete tratar do físico, se aqueles, a quem pertenceria conhecer a alma o as consciências dos alunos, os casos sobretudo de perturbações no comportamento ou instabilidade de conduta, em cooperação, aliás, com os médicos, os professores e os pais. E não seria talvez ambição irrealizável o estudo de todos e de cada um dos alunos, para se determinar a sua verdadeira vocação, para os encaminhar devidamente e evitar os colapsos, tão frequentes nos cursos universitários ou na vida prática, das vocações erradas.
A ficha médico-pedagógica está hoje. ao alcance dos educadores, e revelam, quando organizadas e interpretadas por especialistas, extraordinárias possibilidades de estudo da criança e do jovem.
O que se poderia fazer em matéria de orientação escolar, sobretudo na crise de adolescência, em que o jovem, a despertar para a vida, se sente desamparado!